2 – Houve um 29 de Abril

29 de novembro de 2016

No dia 29 de abril de 2015, em Curitiba, um grupo de funcionários públicos se manifestava contrários a uma ação do governo de utilizar o plano de previdência privada dos funcionários para pagar as dívidas do estado. E nesse dia, esses funcionários foram recebidos pela polícia militar em uma situação de combate. Das várias pessoas que estavam presentes e tiveram suas vidas transformadas, Claudio Franco foi um deles. Além de vermos os jogos políticos, as decisões arbitrárias e o uso de força desmedida, vamos compreender os passos de um homem que saiu do campo e se construiu profissional na capital e como as escolhas não só dele, mas de várias outras pessoas, nos levaram até o dia 29.
Produzido por Pablo de Assis.
Apresentado por Ivan Mizanzuk.

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Mitografias
Site do Pablo

Transcrição

Ivan (narração): Olá, pessoal. Aqui é Ivan Mizanzuk, do Projeto Humanos. Histórias reais sobre pessoas reais. Este é o segundo episódio da nossa terceira temporada, O que faz um herói. E, como eu falei no programa passado, as histórias que fazem parte desta temporada foram todas produzidas por pessoas que eu tive o prazer de treinar para a criação de podcasts em formato de storytelling, que é a proposta básica do Projeto Humanos. Mas antes da gente começar, eu queria fazer um pedido pra vocês. Vocês devem saber que o Projeto Humanos só existe por conta das doações que muitos ouvintes fazem mensalmente para o Anticast, que é a nossa central de podcasts, em anticast.com.br; o Projeto Humanos faz parte da família Anticast de podcasts. E, no momento, eu estou produzindo a quarta temporada e ela vai ser sobre uma história que me intriga há anos, e eu tenho certeza que vocês vão gostar muito, eu não quero dar muito spoiler, mas vai ser uma temporada trabalhosa, com horas e horas de gravações. Eu vou ter que viajar bastante, vou ter que fazer bastante checagem de informação. E isso significa que eu vou precisar ainda mais da ajuda de vocês. Então, sendo assim, se você gosta do nosso trabalho, eu peço pra que, por favor, vão pro site do Anticast, anticast.com.br, clica ali no topo, na sessão “Seja Patrão”, e contribua com a quantia que você puder. Pode ser a partir de um dólar pelo Patreon ou a partir de cinco reais pelo PagSeguro. Qualquer quantia ajuda. A sua contribuição vai ser fundamental para que a quarta temporada do Projeto Humanos aconteça. E eu prometo que vai valer bastante a pena. E se apenas o sentimento de nos ajudar não foi o suficiente, saibam que, ao contribuir, vocês têm acesso à Cracóvia do Anticast, que é o nosso grupo fechado no Facebook, o melhor lugar da internet. E também vocês têm descontos nos cursos que eu ofereço e sempre anuncio lá no Anticast. Nós também temos interesse em contatos com eventuais patrocinadores, então, se você tem uma empresa e gostaria de ter o nome dela aqui anunciado, ah, se quiser ajudar com uma quantia um pouco maior sendo, assim, um nosso patrocinador oficial da quarta temporada do Projeto Humanos, entre em contato pelo email contato@projetohumanos.com.br. Assim, a gente conversa e tenta ver algum esquema que seja ideal pra você nos ajudar. Então, vamos ao episódio de hoje.

(FADE IN E FADE OUT DE TRILHA SONORA)

Ivan (narração): Em 2015, o Brasil inteiro viu as imagens dos professores da rede estadual de ensino do Paraná sendo massacrados pela polícia militar. E ao olharmos aqueles rostos sangrentos de professores, às vezes é difícil entendermos exatamente quem eram aquelas pessoas e o que elas estavam fazendo ali. A história que vocês ouvirão a seguir foi produzida por Pablo de Assis, que é psicólogo e um veterano do mundo dos podcasts, e aqui ele nos ajuda a humanizar um pouco mais aquela catástrofe.

(SONS DE PESSOAS EM MANIFESTAÇÃO, GRITANDO “NÃO À VIOLÊNCIA”, APITOS, TIROS OU BOMBAS ESTOURANDO)

Pablo (narração): 29 de abril de 2015, quarta-feira, Centro Cívico de Curitiba. Um grupo de funcionários públicos estava há alguns dias fazendo manifestações pacíficas contrárias à votação de um projeto de lei que autorizaria o governo a utilizar o dinheiro do plano de previdência reservado dos servidores estaduais, para saldar dívidas adquiridas nos últimos anos, inclusive, com a própria previdência. Para tentar evitar isso, os servidores públicos do estado do Paraná se reuniram em Curitiba em diversas passeatas e manifestações, durante o mês de abril de 2015. A classe dos professores inclusive organizara uma greve. A esperança era que a pressão popular pudesse evitar a votação do projeto que colocaria em risco o futuro dos trabalhadores. Infelizmente, por volta das 14 e 30, as coisas perderam o controle e houve um ataque da polícia contra os manifestantes. Ambos os lados acusa o outro de ter puxado o gatilho primeiro, mas fica claro qual era o lado mais forte. Esse evento ficou conhecido como o “Massacre de Curitiba”.

Voz: E… a história do Paraná, ela vai ser contada sempre com esse capítulo. Houve um 29 de abril. Houve. Talvez um dia mudem o nome daquela praça de Nossa Senhora do Salete para Praça 29 de Abril. Porque… foi brutal. Foi uso da força descomedida, contraria todos os cadernos de segurança. Eu sou um homem de segurança pública. Eu tenho formação em segurança pública. Conheço, viajei já vários países vendo isso, Noruega, Alemanha, Espanha, enfim… Não se… não cabe num país democrático. Isso cabe nas ditaduras, né. Países totalitários, né. Aqui não.

(SONS DE BOMBAS, ALARMES DISPARADOS, MANIFESTANTES FALANDO)

Pablo (narração): Esse é Claudio Franco, ele foi um dos servidores que se tornou o rosto do ocorrido. Eu conheci o Claudio na faculdade onde estudamos. Ele entrou alguns anos depois de mim, mas devido a alguns interesses e professores em comum, acabamos ficando amigos. Por isso, foi-me muito estranho ver o seu rosto estampado como estandarte do que aconteceu no dia 29 de abril de 2015 nas redes sociais. Inclusive, ao fazer uma simples busca no Google Imagens por “massacre em Curitiba”, vejo seu rosto ferido aparecer várias vezes.

Claudio: Meu nome é Claudio Franco, sou curitibano, nascido em 24 de abril de 1972. Criado parte do tempo no campo. Eh… estudei relativamente tarde, por ser arrimo de família e questões ligadas ao campo mesmo. Terminei o segundo grau aos 26 anos, entrei na universidade pública aos 30 anos, formei com 35, em Psicologia na… na Universidade Federal do Paraná. Eh… aos 36, entrei no mestrado, concluí aos 39. E hoje, com 43 anos, estou concluindo o doutorado em Avaliação Psicológica na Universidade Federal do Rio Grande do Norte.

(MANIFESTANTES GRITANDO, “SEM VIOLÊNCIA, SEM VIOLÊNCIA.. SENTA NA RUA, GENTE! SENTA NA RUA… PARA DE JOGAR BOMBA.” E BOMBAS AO FUNDO)

Pablo (narração): Mas o que aconteceu nesse dia? Como esse homem foi parar lá no meio da confusão? Aliás, o que levaria qualquer pessoa a estar no meio desse conflito? E o que mudou na vida de Claudio depois desse dia? Com certeza, algo assim muda a vida de uma pessoa, como mudou a vida de milhares de paranaenses que estavam e não estavam presentes. Meu nome é Pablo de Assis e esta é a história de Claudio Franco e de como houve um 29 de abril.

(FADE IN E FADE OUT DE TRILHA SONORA: “BAD, BAD DREAMS”- BEE GEES)

Pablo (narração): Capítulo 1, Infância e Educação.

Claudio: Eh… fui, então, trabalhador rural. Inclusive, é o meu primeiro emprego registrado em carteira, aos 14 anos de idade, mas já trabalhava antes disso.

Pablo: Que que cê fazia no campo?

Claudio: De tudo. Desde de capinar, roçar, semear, limpar, colher, transportar, cortar lenha, limpar curral, e sempre em propriedades alheias, né. Não… não tinha propriedade.

 

Pablo: Uhum.

Pablo (narração): Claudio nasceu em 1972. Este foi também o ano de lançamento do disco “The Rise and Fall of Ziggy Stardust and the Spiders from Mars”, do músico David Bowie, além de vários outros discos importantes para a história mundial. E do “Odyssey 100”, o primeiro videogame do mundo, aparato que Claudio nunca iria jogar, devido à sua vida simples no campo. Nesse ambiente, uma de suas maiores influências foi seu avô, que lhe passou valiosas lições.

Claudio: Trabalhei com meu avô. Até que chegou uma época em que meu avô chegou e falou que, eh… a roça não era lugar pra mim, que eu tinha que ir pra cidade, que, em algum lugar… Ele via que meu mundo era maior e que eu precisava estudar. Que ele não tinha con… ele não estudou e não tinha condições de… de estudar e nem de me dar estudo, né. Não teve condições de estudar nem de me dar estudo. Então, eu vim pra Curitiba e aí, aqui eu engraxei sapato, vendi picolé, lavei carro, vendia frutas no sinaleiro, trabalhei…

Pablo: Quantos anos você tinha quando veio pra cá?

Claudio: Na verdade, eh, eu vim pra cá acho que, tipo, uns… seis, sete anos, depois tive que voltar de novo pra lá, fiquei mais um tempo, depois voltei de novo com uns, uns… 11 anos, eu acho, e daí, fiquei direto aqui.

Pablo: Pera aí, você veio com 11 anos, mas 14 cê foi registrado como trabalhador rural?

Claudio: Trabalhador rural aqui.

Pablo: Aqui?

Claudio: Aqui em Curitiba  também, trabalhei como trabalhador rural.

Pablo: Ah, tá…

Claudio: Isso. Primeiro emprego como trabalhador rural registrado, porque no interior, né, Mafra, Santa Catarina…

 

Pablo: Uhum.

 

Claudio: … não se, na época, não… não se registrava nem os adultos, quanto mais crianças, né. E… aqui, então, eu fui registrado no Banestado S.A. Reflorestadora.

 

Pablo: Olha só.

 

Claudio: E fica no bairro Cambiri, em Quatro Barras, Pinhais. Eh… então, trabalhei lá, também trabalhei na roça de outras pessoas, enfim… Ah, depois o desejo, né, de estudar e a inconformidade com a ideia de ficar trabalhando pesado. Eh, não… não casavam com a minha pessoa. Não que eu desmerecesse aquele trabalho, que eu achava ele indigno, né? Mas eu sentia que o mundo era mais do que aquilo. Eh, acho que disso, dessa ânsia, desse desejo, né, de honrar a… aquela enxada do meu avô, uma enxadinha lá de, trabalhando na roça dos outros, sustentava a família inteira, enfim. E eu me lembro que meu avô pegava um fio do bigode dele pra ir na venda e ele comprava ao mês, né. Então, ele ia lá, deixava um fio de bigode numa caixinha de fósforo, chegava no final do mês, pegava aquele fio de bigode, deixava outro, e assim ia. Porque era como ele comprava. Não tinha cheque lá no mercado, né, não tinha. Isso é uma coisa que me tocou muito né, essa questão de… de estudar, de ser honesto, né. Meus referenciais eram do meu avô.

(FADE IN E FADE OUT DE TRILHA SONORA)

Pablo (narração): Só que antes dos estudos, estimulados pela memória do avô, Claudio trabalhou na roça, especialmente nos milharais das fazendas da região metropolitana de Curitiba. E depois disso, ele se descobriu vendedor, ainda jovem, vendendo frutas, legumes e picolés. Foi justamente na década de 70 que aconteceram as grandes reformas urbanas na cidade, com a criação das vias expressas de ônibus e do primeiro calçadão do país, quando a Rua XV de Novembro, no Centro, teve seu início como a Rua das flores, foi toda calçada e dada aos pedestres. Curitiba ainda estava em crescimento, e à sua volta ainda existiam muitas chácaras, sítios e fazendas. E foi nesse cenário que a história de Claudio se desenrolou.

Claudio: Pra eu dar conta de fazer o trabalho pesado do campo, por exemplo, então eu tinha que carpinar milho. Milho com… e feijão plantado junto, né. O feijão cresce aos pés do milho. E o milharal sumia de vista em linhas, né. Não sei, pra quem já viu uma plantação de milho… ela some, né, em linhas. E eu tinha que carpinar aquilo. E pra mim, eh, como criança, como adolescente, era muito pesado.

Pablo: Uhum. E era você e outras pessoas fazendo esse trabalho em conjunto, né?

Claudio: Era, mas cada um tinha a sua linha

 

Pablo: Hum.

 

Claudio: Você pegava e você tinha que levar o teu até o fim. Então, cada um fazia o seu. Por ser pequeno e… magrelo, muito, eh, esmirrado, não… eu não conseguia dar conta daquilo. O sol era muito pesado, né, a pele branca queimava demais, ficava cheio de bolha. Eh… Então, eu imaginava que aqueles milharais, né, que aqueles pés de milho balançando eram pessoas me aplaudindo…

 

Pablo: Hum.

 

Claudio: … que eu tava passando. Então, eu tinha delírios enquanto criança, né. Para dar conta daquela realidade dura, eu criava o meu mundo imagético, como uma criança que brinca com um carrinho de bombeiro, como brinca com… papel, um pedaço de pau, fazendo de conta que é um… que é um brinquedo. Então, pra eu dar conta daquilo, eu imaginava que eu era uma pessoa importante, fantasiava “n” coisas. Eh, que voava por cima dos milharais e que aquelas pessoas eram… que os pés de milho eram pessoas, uma plateia me aplaudindo (efeito sonoro de aplausos ao fundo). Então, com isso, eu conseguia ir carpinando e brincando ali com a minha imaginação e sonhando, e terminava de carpinar. Enfim, dava conta do trabalho.

(FADE IN E FADE OUT DE TRILHA SONORA)

Pablo (narração): Apesar de não ouvir a música de Bowie nessa época, a imaginação e fantasia que influenciaram o músico inglês também conseguiu chegar ao jovem paranaense através da leitura, principalmente da ficção científica de Julio Verne. E isso foi apenas o começo.

Claudio: Aprendi a ler sozinho, aos cinco anos de idade, com gibis e livros de bang-bang do meu pai, do meu avô, que tinham deixado lá. E foi ali que eu me encantei pela, pela… que eu entrei com… no… no mundo da… da imaginação, né. Porque ler foi o que me fez ter aquela capacidade de sonhar no meio do milharal. Eh… com… com um mundo diferente, com o mundo dos livros, né, com o mundo dos sonhos, com o mundo da imaginação. Embora eu não conhecesse, só via nos livros, mas eu imaginava. E o livro que mais me impactou foi “20 Mil léguas Submarinas”. Porque, na época, quando… quando eu li esse… esse livro, que conta a história, né, de que… da criação do submarino, e que os marinheiros imaginavam ser um monstro, porque nunca tinham visto um submarino, foi que eu comecei a ter a capacidade de imaginar. Falei, “Meu Deus, imagina como é que não devia ser mesmo uma coisa de ferro boiando na água. Ninguém ia imaginar que aquilo era um barco que… ia pro fundo do mar, né. Claro, era mais óbvio pensar que era um monstro”. E ali eu entendi que a gente preenche, né, aquilo que a gente não conhece pela nossa imaginação. E eu preenchi o meu mundo, que eu não conhecia, com a imaginação. E as minhas referências começaram a vir dos livros, né. Depois aquelas séries Vagalume, lá, gibis, os livros de bang bang, né… foram me dando um aporte que me fizeram querer mais, querer estudar. E aí, começou vir essa… as pessoas, “Nossa, você devia estudar. Você devia fazer isso, fazer aquilo.”. E um dia, eu tava vendendo picolé, não vendendo picolé, vendendo fruta no sinaleiro, e parou um carro. E eu fui lá, e eu sempre vendia pra ele. Aí, ele falou, “Cara, você é diferente, por que você não vai estudar?”. Eu falei, “Ah, porque eu não posso, não tenho tempo, tenho que trabalhar, e tal”. E ele me desafiou da seguinte maneira, me perguntou, “Você tem televisão?”, eu falei, “Tenho uma televisão, lá. Preto e branco, lá, velhinha, tenho”. Ele falou assim, “Você faz o quê, quando você chega em casa?”. Eu, “Ah, eu assisto uma novela, assisto jornal”, gostava muito de assistir jornal. Ele falou assim, “Quanto tempo dura um jornal, quanto tempo dura uma novela?”. Eu falei, “Ah, mais ou menos uma hora cada um”, ele falou, “São duas horas. Se você largar a televisão, você vai poder dedicar essas duas horas pra estudar”. E eu, como se tivesse tomado um… um soco no estômago. Assim, né, um balde de água fria. E a primeira coisa que eu fiz foi trocar a televisão. Troquei a televisão, e eu não tive televisão, pra não dizer, eh, comprei uma televisão faz dez anos agora. Dez anos. Mas até a universidade federal, eu não tinha TV em casa. Eu vim dessa balada de estudar desesperadamente, estudar, eu queria estudar. Acho até que por isso foi fácil pra mim após a graduação já entrar no mestrado, e… e engatar o doutorado, e estudar freneticamente. Agora, na verdade, eu estou cansado (Pabrlo ri). Não aguento mais ver livro. Se tem papel, eu corro.

Pablo (narração): Capítulo 2, Formação profissional.

(FADE IN E FADE OUT DE TRILHA SONORA: “BALADA DO LOUCO”, NEY MATOGROSSO)

 

Pablo (narração): Eventualmente, essa sede de conhecimento levou-o ao ensino superior. Terminou o segundo grau tarde e logo foi para a faculdade, aos 26 anos.

Claudio: Ah… então, quando eu… eu fiz 26 anos, terminei o segundo grau, eu comecei a fazer o curso de Teologia, numa dessas entidades evangélicas aí, né. Que achava bacana ajudar os outros, achava legal. E, embora não me adaptasse muito com aquela ideia dos… dos evangélicos, a maneira como eles são espalhafatosos, um pouco, né. Mas achava legal o intuito de poder ajudar alguém, isso sempre esteve em mim, né. Porque eu sou fruto da solidariedade, de comer na casa de vizinhos, de ser ajudado por vizinhos, de amigos, enfim, que são meus amigos até hoje. Então, eu fui, comecei a fazer, fiz três anos. E até que eu descobri que aquilo não era pra mim. Falei, “Poxa, negócio de… de igreja, isso aí não dá camisa pra ninguém, né. Você só ajuda, ajuda, ajuda e continua na… na miséria”. E aí, fui estudar. E aí, foi assim, entrei na universidade…

Pablo: E foi assim que te levou pra Psicologia?

Claudio: É, acho que foi… Quando eu tava no terceiro ano, numa aula de Orientação Vocacional da Luciana Valore, foi que eu descobri por que eu fui estudar Psicologia.

Pablo: Hum.

Claudio: Tava numa aula de Orientação, nunca vou esquecer. Nossa! (ele ri) Eu acho que até hoje, eu lembro como se fosse hoje, ela com os cabelinhos enroladinho dela lá, ela tava de… devestido, de perna cruzada com uma sandalhinha preta, de óculos. E lá, ela falando, falando, falando… E eu, todo aluno, todos nós, hoje, não mantém o foco 100% numa aula, né. E dei uma viajada, né. Eu sou perito nisso desde criança, dei uma viajada. E nessa viajada, meu inconsciente me levou a uma cena que eu nunca havia lembrado, mas que, de fato, ela aconteceu. Lembrei que meu pai, eh, foi alcoólatra, né. E meu pai, quando alcoólatra, ou ele bebia… ele ficava violento ou carinhoso. Era o único momento que ele podia dar um carinho, era se ele tivesse bêbado. Mas normalmente ele ficava mais violento. Então, nos surrava e tal. E eu lembrei, né, do tempo que eu era bem criança, devia ter uns quatro anos, antes do meu pai ir embora, eh, ou numa dessas idas e vindas dele, né. Não sei. Mas eu me lembro muito bem que ele chegou bêbado em casa, de madrugada, e minha mãe já tinha botado todo mundo pra dormir, porque ela sabia que podia acontecer. Então, ela fazia pegar no sono, fazia a gente dormir, ficar quietinho. E meu pai, então, chegou naquele dia carinhoso. Fez minha mãe acordar todo mundo, porque ele havia trazido carne pra casa e ele queria, então, que minha mãe fizesse carne, porque ele queria comer com todo mundo. Então, lá foi minha mãe chamar  todo mundo e fazer comida de madrugada. E ele chamou cada um dos meus irmãos e falou, “Você vai ser isso, você vai ser isso quando crescer, você vai ser aquilo”. E eu fui o último. E aí, eh, meu pai me chamou e eu falei assim, “E eu pai, o que eu vou ser?” “Você vai ser psicólogo”.

Pablo: Hum.

Claudio: “Você é o único que tem coragem de argumentar comigo, mesmo quando ta apanhando”. Então, veja, é uma… é uma cena que eu não lembrava, que eu não lembrava e que por ser orientação vocacional, né, veja, meu cérebro me levou de volta a uma cena de infância, de quatro anos, eh, do meu pai dizendo o que eu ia ser. Então, de uma certa forma, acho que meu pai cumpriu o papel dele de homem e pai na minha vida, porque ele… Pum! Me marcou, “Seja uma coisa boa,  né, não seja um alcoólatra, não seja um derrotado, né, mas seja um psicólogo”. Talvez ele, porque, eh, trabalhou como enfermeiro num hospital psiquiátrico, talvez esse fosse o sonho dele, né?

 

Pablo: Uhum.

 

Claudio: Né, a sombra dele, o desejo não realizado, né, o sonho não alcançado. E no momento em que o solvente do superego tava agindo, isso é, o álcool, né, ele acabou… Pá! E deu uma diretriz. E eu me sinto muito feliz como psicólogo e, de uma certa forma, acho que… sempre fui psicólogo. Sempre conversei com pessoas, sempre dialoguei com pessoas. E era pra ser, era, é isso, eu me realizo como tal. Quando eu tava na Universidade Federal do Paraná, quebrado igual arroz de terceira, quebrado, não tinha emprego, não tinha dinheiro, eh… eu fiz o concurso pra agente penitenciário.

Pablo: Você tinha quantos anos?

Claudio: Ah… já tinha trinta, trinta anos.

Pablo: Foi no começo do curso, então?

Claudio: Foi… Foi em 2004… 2004. Começo do curso.

 

Pablo: Uhum.

 

Claudio: Exatamente, no começo do curso. E daí, assim, como as questões de vestibular tavam frescas, de matemática e português, tranquilo o concurso. Eu lembro que caiu interpretação de texto, caiu matemática, caiu cinco questões de informática e caíram vinte questões de Direito, né. Direito constitucional, direito criminal, direito penal, constitucional, né. Eu nunca tinha visto aquela porcaria na vida. Nunca tinha estudado nada da Constituição, nada. Como eu chutei todas as questões de Direito, tirei a nota mínima pra passar, acho que sete. E eu acertei o mínimo. E confesso pra você que, assim, ia pela lógica, tal, mas a maioria das coisas… Nunca tinha estudado direito penal, né. Fechar o olho e mandar a caneta. Aí, gabaritei em Português, gabaritei em Matemática, acertei todas as questões de Informática, eram cinco. E de Direito, fiz lá embaixo, né, uma tragédia!

Pablo: Mas foi suficiente…

Claudio: E foi o suficiente. Só que aí, demorei a ser chamado.

Pablo: Uhum.

Claudio: Eu fiz o concurso em 2004, começaram a chamar em dois mil e cin.. final de 2005 pra 2006. E só fui efetivado em 2008.

Pablo: Uhum.

Claudio: 2008. Se tivesse ido um pouquinho melhor, talvez tivesse sido chamado um pouquinho antes. Interessante que foi exatamente no ano que eu ia defender a monografia. Porque já tinha… em 2007, eu tinha fechado as disciplinas. Fechado. Só ficou faltando mesmo defender a monografia. E a monografia tava pronta. Aí, só que marcaram a defesa pra abril. Então, quando tava na… na universidade, ali, eu fiz um ano de… na Letras, de inglês. Já tinha feito instrumental alemão, dois semestres né. Então, eu aproveitei muito a universidade, sabe, Pablo, eu estudei muito mesmo. A carga horária de cinco anos minha equivale a sete anos e meio.

 

Pablo: Nossa.

 

Claudio: Eu estudei muito! Muito mesmo. Muito. Tudo que dava pra eu pegar de optativa, mesmo fora… Eu vivia indo pedir pra secretária de curso, pra ela liberar pra mim no…

 

Pablo: Sistema.

 

Claudio:… no sistema, porque travava. Todo semestre travava por que passava três, quatro disciplinas. Não reprovei nenhuma. Porque eu vim com aquela sede, sabe de conhecimento. Principalmente as disciplinas de filosofia, fiz muitas, muitas mesmo.

(FADE IN E FADE OUT DE TRILHA SONORA)

Pablo (narração): Em 2008, ele inicia o trabalho que iria definir boa parte de sua carreira, como agente penitenciário do Departamento de Execução Penal do Estado do  Paraná, o Depen.

Pablo: Me fala, depois do concurso, quando você foi efetivado…

Claudio: Então…

Pablo: Como que foi trabalhar lá?

Claudio: Quando eu cheguei lá, primeiro dia, eh, me colocaram pra trabalhar na ala psiquiátrica, na ala de baixo.

Pablo: Você foi trabalhar onde, no…

Claudio: Complexo Médico Penal.

Pablo: Que é o famoso Manicômio Judiciário?

Claudio: Famoso antigo Manicômio Judiciário, né, que hoje é o Complexo Médico Penal, onde estão lá os presos da Lava Jato, hoje.

Pablo: Eu conheço… Ah, o pessoal da Lava Jato tá preso lá?

Claudio: Preso lá.

Pablo: No Complexo Médico Penal?

Claudio: É. Tá. Daí, fui pra… trabalhar na ala de baixo, lá. E lá foi outra faculdade, né?

Pablo: Uhum.

Claudio: Ali você… Na universidade, você aprende sobre a loucura, faz alguns estágios e tal, sobre as doenças mentais, o sofrimento mental, a reali… Mas ali foi realmente mergulhar no… na escuridão mesmo do que é a doença mental.

Pablo: Você passou no concurso em 2004…

Claudio: 2004 passou o concurso…

Pablo: É, daí, você foi aprovado e em 2008, te chamaram…

Claudio: Isso.

Pablo: Você foi colocado no…

 

Claudio: No  Complexo Médico Penal, direto.

 

Pablo: … Complexo Médico Penal, mas por que você fazia Psicologia?

Claudio: Não, não, não…

 

Pablo: Ou foi a aleatório, ou o concurso foi pra isso?

 

Claudio: Não, você escolhe por nota, né. Conforme você é classificado, tua nota, você escolhe. Então, como… quando chamaram o grupo que tinha tirado as notas semelhantes, próximas a minha, como a minha nota era… era um pouquinho melhor que os demais do grupo, dessa leva que foi chamada, (imcompreensível). Somando lá, dava décimos melhor, eh… eu pude escolher.  Então, tinha vagas para o Complexo Médico Penal, para PCE e para São José dos Pinhais.

 

Daí, eu pensei, “Pô, Complexo Médico Penal é do lado da fazenda onde eu trabalhei como trabalhador rural”.

 

Pablo: (incompreensível).

 

Claudio: Então, foi meio que um… um reviver, né, aquela nostalgia. Falei, “Pô, vou voltar a trabalhar lá naquele lugar onde um dia eu fui trabalhador rural, agora sou concursado como agente penitenciário e quase psicólogo”.

 

Pablo: Uhum.

 

Claudio: Que louco, que legal.

 

Pablo: Ahã.

 

Claudio: E era o que eu queria ir aí. E foi assim, não foi uma escolha…

Pablo: Foi mais emotiva, mais…

Claudio: É. Mas, sim, foi mais de caráter…

Pablo: Mais pessoal.

Claudio: Nostálgica, né. Uma coisa de nostalgia. Então, foi assim.

Pablo: E aí, você foi colocado para trabalhar na ala psiquiátrica?

Claudio: E aí… Na verdade, é assim, você é escalado em áreas diferentes ao longo dos plantões, né. Você trabalha um plantão de 12 por… por 60 horas. E o seguinte, você trabalha um plantão de 24 por.. por 48 de descanso, né. Então, de 12 de trabalho por 60 de descanso, o seguinte vai ser 24 de trabalho por 48 de descanso. Então, nesse primeiro, nesses primeiros plantões, eu fiquei em diferentes lugares. Mas eu me lembro que o meu primeiro plantão, assim, foi na ala de baixo e vi, assim, a realidade daquele lugar e a maneira como até os colegas se portavam e tal, já em processo de adoecimento por causa do estresse do trabalho, né. E eu peguei…

 

Pablo: Então, nem só os internos estavam mal, os próprios…

 

Claudio: Sim, os próprios trabalhadores estavam num estado deplorável. Eh, eu pensei, “Caramba! Se o inferno tem uma sala de espera, eu cheguei nela”. Eu lembro, eu juro pra você, foi exatamente essa frase que me veio, “Se o inferno tem uma sala de espera, eu cheguei nela”. Foi assim… sabe aquela frase que não precisa falar mais, definiu. É isso. “Se o inferno tem uma sala de espera, eu cheguei nela”. Porque, assim, era uma loucura no seu estado mais bruto. Psicopatas, esquizofrênicos, e por aí vai.

Pablo: Conheço um advogado que ele fez pós em Psicologia Junguiana, por isso que eu conheci ele, que ele diz que, “Se você pensa os piores lugares do mundo de forma geral que você está, você resume basicamente às prisões onde o resto da sociedade é jogada. E os hospitais, onde as pessoas que estão quase morrendo são jogadas. Se você junta esses dois lugares, você tem um lugar pior ainda, que é justamente o manicômio judiciário”.

Claudio: É dantesco, né…

Pablo: E aí… E o que é interessante, o que levam outras pesquisas que mostram que, eh, esse talvez seja o único lugar no Brasil onde os direitos humanos não existem. Onde a constituição não funciona, onde a lei não é aplicada.

Claudio: Eh, na verdade, a primeira violação dos direitos humanos, ela ocorre já com a falta de estrutura pro funcionário, que é humanista e vai desempenhar um trabalho ali, de humanista. Você não tem material de trabalho, você não tem médicos adequados, você não tem, é, às vezes falta medicamento, né. Uma unidade que é de contenção química não pode faltar medicamento, né, porque o cara é julgado, né. Ele pode pegar uma pena restritiva de liberdade, né. Ou se ele for considerado inimputável, né, que é… que ele era mentalmente incapaz, no momento em que ele cometeu o crime, né. Que eles têm ali um sofrimento mental, ou ele é dependente químico, ele vai pegar uma medida de tratamento ou uma medida de segurança. Medida de tratamento pra quando é nos casos de… de vício, né, por causa da droga ele mata, por causa da droga ele rouba. Medida de segurança quando ele de fato tem uma doença, né, um sofrimento psíquico que faz com que ele não consiga responder pelos atos dele, portanto ele é nocivo, não só pra sociedade,  mas pra ele mesmo. Então, não pode conviver em sociedade. Como ele é um criminoso, como ele…. não é um criminoso comum, ele é um criminoso doente, ele tem que ir pra um hospital psiquiátrico. E lá, então, ele deveria ter a assistência e o tratamento, como manda a lei. Então, é isso. E… Então, a primeira violação de direitos se dá dos trabalhadores que tão expostos à tuberculose, à lepra, à hepatite, eh… ao ambiente de… a unidade psiquiátrica é permitido que eles fumem. Então, você tem lá 300 doentes mentais fumando cigarro de palha ao mesmo tempo. Então, como que você acha que é o ar dentro? E o (incompreensível) é o cara que mais sofre, né. Então, assim, pra mim foi um choque muito grande. Eu que tenho horror a cigarro, alergia, não gosto, não gosto de cigarro de jeito nenhum.

Pablo: E ali, por ser um complexo médico, tinha de tudo, né, não só a questão psiquiátrica? Não era só…

Claudio: Certo, eles são separados por galerias, né, por alas.

Pablo: E você passou por todas essas…

Claudio: Passei por todas as galerias, inclusive a galeria feminina. Tive a experiência de atuar como psicólogo lá também, que falta. Não tem, o estado não tem. Então, pediram pra eu suprir, fazer uma gentileza de suprir por um tempo, até que o estado fizesse um concurso e contratar. Que o Ministério Público tava é… em cima da unidade. Então, eu fui trabalhar na ala feminina como psicólogo, porque eu disse “Não, como é que vocês querem que eu vá trabalhar como psicólogo pra ala masculina, se eu sou aqui um… um funcionário da segurança?”. Eles nunca vão me ver como psicólogo.

 

Pablo: Uhum.

 

Claudio: Então, como nós da área de segurança não podemos fazer segurança das meninas… Olha, o único lugar que eu poderia atuar como psicólogo é na área feminina.

Pablo: Você não tem o papel ainda…

Claudio: Porque eu não tenho o papel de segurança lá. Elas não me veem como segurança, eu não coloco algema nelas. Vou fazer uma escolta, eu não ponho algema no braço delas. Então… então, foi bem legal a experiência…

Pablo: Quanto foi essa… foi quanto tempo que você fez lá?

Claudio: Eu fiquei acho que um ano, um ano e meio.

 

Pablo: Uhum.

 

Claudio: E aí, eu pedi pra…

 

Pablo: E o trabalho de… de psicólogo lá, o que que é? Clínico? Você ouve?

Claudio: Então, aí, eh na verdade, lá, o psicólogo aplica mais, faz mais avaliação e cumpre as ordens que o juiz, né…

 

Pablo: Hum.

 

Claudio: … ele responde ao judiciário sobre aquele preso. Então, ele vai fazer um trabalho de sensação de (ruído no microfone) periculosidade, na época que era feito, né. Fazia o trabalho de sensação de periculosidade, eh… e tal. Agora, eu lá, quando fui pra ala feminina, como era um menor número, eu fazia grupo, né, ouvia individualmente, fazia relatório que… me era pedido.

 

Pablo: Uhum.

 

Claudio: Então, eu pude fazer um trabalho diferenciado. Então, até por isso que eu aceitei ficar.

(FADE IN E FADE OUT DE TRILHA SONORA)

Pablo (narração): Capítulo 3, O Massacre.

(FADE IN E FADE OUT DE TRILHA SONORA: “MEU MUNDO É HOJE”, PAULINHO DA VIOLA)

 

Pablo: E o 29 de abril?

Claudio: Então, na verdade, a minha atuação no 29 de abril… Eh… o pessoal sempre fala, “Ah, era manifestação dos professores”. Na verdade, os professores, eles estavam em maior número, né. Embora eu seja professor também, na época, eu também tava dando aula. Eh… eu tava ali como servidor público. Daí, tava ali pacificamente, inclusive fardado, né. Com a minha vestimenta de trabalho que diz DEPEN, bem grande, diz “Agente Penitenciário” nas costas, né. Eh… então, eu não tava ali como alguém que vai fazer baderna. Porque alguém que vai fazer baderna não vai identificado. Não vai com a sua cara descoberta e nem com a sua roupa de trabalho dizendo aonde você trabalha, qual unidade e tudo mais.

Pablo: E o que te fez querer ir no 29 de abril, lá no Centro Cívico?

Claudio: Eh… Eu brigo muito com a vida, pra ter uma vida melhor. Eu vi como o meu avô morreu, numa cama de hospital do SUS, pobre, né, e… eu não quero isso pra mim. Eu quero… ter uma vida melhor e uma velhice digna. E eu fiquei indignado, porque o governador Carlos Alberto Richa, ele queria gerenciar um dinheiro que não é dele, não é do estado. É um dinheiro que é gerenciado pelo estado, guardado pelo estado, tá sob a tutela do estado, mas de maneira alguma pertence ao estado. Pertence a todos os servidores concursados do… que fazem parte do quadro próprio, né, dos poderes do estado. Eh, do meu salário é descontado esse valor todos os meses e esse valor fica depositado para garantir, pra dar lastro pra aposentadoria dos servidores. Todos nós servidores temos esse dinheiro descontado. E o seguinte, o que o Carlos Alberto Richa fez mancomunado, aliado a… ao Traiano, ao… ao deputado Romanelli,  ao deputado Traiano e todos aqueles que assinaram aquela… inclusive ao judiciário, ao Tribunal de Contas que compactuam com esse ato, ao meu ver, criminoso, covarde. Eh… o governador queria pegar esse dinheiro pra cobrir rombos, né, da administração dele. Que agora começam a vir à tona por meio de investigações do GAECO e tudo o mais, né. Operação Quadro Negro e outras coisitas. E eu, como servidor, vendo, pô, pera aí, é o meu futuro, é o dinheiro da minha aposentadoria. Quem é que me garante que vai ter dinheiro pra garantir a minha aposentadoria? Porque a Paraná Previdência, ela é completamente desvinculada do INSS, né. Eu pago previdência, né.

Pablo: Quase uma previdência privada, né?

Claudio: Exatamente. Muito mais, eu recolho muito mais do que recolheria se tivesse no INSS, né, porque, pra garantir que eu tenho um salário digno. Contudo, não é um favor que o governo vai me dar uma boa aposentadoria. “Ah, nossa, você é servidor público, você ganha bem”. Não! Eu sou o quê… eu ganho bem porque eu paguei essa previdência.

Pablo: Uhum.

Claudio: Né? E aí, eu fiquei… quando eu fiquei, quando eu soube o que ele ia fazer, eu falei, “Não, isso tá errado!”. E aí, eu vi que havia uma mobilização de toda a classe trabalhadora, né, dos servidores públicos e que fazem jus aqui. Ah… os servidores professores, eh, se mobilizaram… com louvor, e com… maior número, né. E eu fui lá afinal, “Vou lá também”. Vou mostrar e vou falar, né. Quero ir na audiência, na assembleia pra dizer, “Ó, eu não concordo, isso tá errado”. A ideia era o quê? Que a gente pudesse pressionar os legisladores que nós elegemos pra que eles defendessem a nossa categoria naquele momento que nós estávamos fragilizados, em risco de ser lesados. Porque os efeitos dessa atitude da Assembleia Legislativa, do… do Romanelli, do Traiano, né, do Tribunal de Contas, do Poder Judiciário sobre a Paraná Previdência, a gente não sabe… qual vai ser a consequência e em quanto tempo isso vai explodir. Porque, quem que vai ressarcir esse dinheiro pra nós? Ué, até lá, o Beto Richa já talvez nem vivo esteja, já deve ter morrido de velho, né. Mas o povo paranaense vai ter que arcar com esse rombo. Como é que vai ser?

Pablo: Uhum

Claudio: Talvez muitos não lembrem, ou se revoltaram, por que vão ter que pagar isso, né? Então, assim, lá no futuro pode fazer um inverso pra jogar a população contra a classe de… de servidores públicos. Quando, na verdade, a gente foi vítima hoje e estamos correndo o risco de ser vítimas amanhã. Então, eu pensando nisso, né, eu… Pouca gente sabe, Pablo, ah… Brasília foi construída com o dinheiro que foi pego dos trabalhadores da previdência. Pouca gente sabe disso. Nunca devolveram para Previdência e hoje o governo que assume diz, “Ah, não, existe um rombo na previdência, a gente precisa aumentar a arrecadação e diminuir a… o pagamento das aposentadorias, o trabalhador têm que trabalhar mais”. Ninguém fala, “Vamos devolver o dinheiro que foi pego do INSS pra construir Brasília, pra terminar Brasília”. Ninguém fala isso. Ninguém devolve o dinheiro da previdência. Todo mundo pega.

Pablo: Ainda mais que quem ia aproveitar esse dinheiro, na época, já morreu.

Claudio: Já morreu. Quem é que vai responsabilizar o cara?

Pablo: Exato.

Claudio: Agora… Ainda dão nome de rua pro cara, dão nome de praça. Por que não dão nome de professor? Por que não dão nome de policial que foi morto em confronto, né? Vai inaugurar um presídio, por que dar nome de político? Por que não dá nome de um agente penitenciário que morreu na rebelião, porque não tinha efetivo, porque não tinha material pra trabalhar? Deixou mulher e filho mendigando pro governo pagar aquele direito pra ele, que o governo demora cinco, seis anos, dez anos pra pagar, dizendo que não tem responsabilidade, tenta provar por A+B que… que a culpa de ter morrido foi porque foi morto e não do governo que deixou ele desassistido. Então, por isso que eu tava lá. Como cidadão, não sou melhor que ninguém, mas como cidadão, como servidor público, eu tava ali também defendendo o povo do Paraná, porque, no futuro, o povo do Paraná vai pagar isso. Você pode escrever, Pablo.

Pablo: Uhum.

Claudio: A história conta que os… os políticos são covardes. Eles nunca arcam com as suas responsabilidades. E como eles fazem as leis, eles sempre vão manipular as leis de maneira a atender os objetivos deles, não pra fazer justiça.

Pablo: Então, apesar do… da manifestação, a lei foi aprovada?

Claudio: Sim.

Pablo: Paraná Previdência foi…

Claudio: Assaltada.

Pablo: Foi assaltada.

Claudio: Foi, foi. O senhor Carlos Alberto Richa tem gradativamente tirado milhões…

Pablo: Ele continua?

Claudio: Continua. Tirou uma parcela gigantesca da previdência.

Pablo: Então, o salário de vocês é todo mês debitado Paraná Previdência…

Claudio: E ele raspa o tacho.

Pablo: E ele continua pegando o dinheiro de vocês?

Claudio: Exatamente, é. Não bastasse só, né, essa… esses escândalos que tão vindo aí, da… parece que a equipe de governo, da sede da educação, aí, eh… fraudava, né, a conclusão das escolas, aí, e liberavam dinheiro sem tá pronta as escolas, né. A… o dinheiro é liberado por etapas, se a escola fez tal, tanto da escola, dez por cento, então liberada uma parte. Fez 30%, libera a outra parte. Os caras, nem… nem saíram do chão do projeto, a escola, e acabam liberando o dinheiro. Então, claro que esses roubos, todo esse escândalo que teve com… com os fiscais da Receita Estadual extorquindo empresários e diminuindo valores que deveriam entrar integral pros cofres públicos, aí, fazendo acordos com empresários que sonegam imposto. Eh… por que não cobrar desses caras, dos grandes devedores do estado, né? Se cobrasse realmente dos devedores, ao invés de ficar brincando de corrida de Fórmula 1, aí, correndo de carro, nos stock car da vida, nas competições de automobilismo. Se o governador parasse de ser amiguinho dos empresários e cobrasse de fato quem tem que cobrar, não precisaria ficar tirando dinheiro da saúde, da educação, né, tirar dinheiro dos funcionários. Assim, imagine, Pablo, pô, se eu pego, pago as minhas contas com o dinheiro que é teu! Eu vou lá na sua caderneta de poupança e pego o dinheiro da tua caderneta de poupança pra pagar as minhas irresponsabilidades, isso é absurdo! Não tem como você aceitar isso. E eu tava ali só assim.

(FADE IN E FADE OUT DE TRILHA SONORA: “A DANÇA DA SOLIDÃO, PAULINHO DA VIOLA)

Claudio: Eh, tive todos os dias, praticamente, da manifestação, que, como eu trabalho por escala… Eh… eu peguei folga, né, e nos dias que eu estava ali, eu estava liberado do meu trabalho. Não tava trabalhando, tava de folga, não tinha obrigação alguma de estar, eh…

Pablo: Não tava faltando ao trabalho…

Claudio: Não tava faltando no trabalho. Não tava sendo irresponsável com o povo do Paraná. E tava ali como cidadão que, no dia de folga, eu vou aonde eu quero. Eu sou livre, eu posso me manifestar, eu tenho esse direito. E tava ali me manifestando como um cidadão comum.

Pablo: Foram quantos dias?

Claudio: Ah, não me lembro, Pablo. Tem algumas coisas que na minha cabeça eu quis apagar, sabe, assim.

Pablo: Aham.

Claudio: Foi meio… que houve outras truculências também, sabe? Houve tentativa de derrubar barraca, sabe, de boicotar, de não deixar colocar banheiro, de não deixar entrar material ali de… pra dar manutenção básica de higiene pra quem tava acampado. Então, assim, foi… foi absurdo. Foi absurdo. No dia, no dia 29 de abril, especificamente, eh… a tragédia se anunciava, eu penso. Porque diferente de outros dias de manifestação, a formação militar presente na Praça 29 de Março, né, Nossa Senhora de Salete, ali na Praça Nossa Senhora de Salete, eh… era diferente. Eram homens que vieram do interior, né, de outros, de outros municípios, do Choque, da ROTAM, que… tavam bem, bem, bem equipados mesmo. Tavam prontos pra um confronto. Então, o governador mandou uma tropa preparada pra uma guerra. Porque, o que que é confronto? Confronto é quando você tem dois grupos dispostos a brigar. Isso é um confronto, né. Eh… massacre é quando você tem um grupo que tá paramentado pra reprimir um grupo sabidamente frágil. Some-se aí o agravante de que pra você ser um servidor público você tem que apresentar certidão de idoneidade moral, que você não tem antecedentes criminais, que você é uma pessoa que cumpre com as suas obrigações eleitorais, que você não deve nada pra justiça criminal, que você não deve nada pra justiça federal. Você tem que tirar certidões negativas dessas, da justiça federal, estadual, civil, crime, certidão negativa de protesto de título, já que você não deu calote, que você não tem cheque devolvido, que você pagou seu cartão de crédito, que você não deu calote no banco, que você não deixou de pagar um empréstimo, que você pagou suas compras que você fez no mercado, né, ou numa loja, certinho. Então, você tem que mostrar que você, pra assumir aquele curso que você fez, as provas escritas lá, os testes físicos, o exame médico, você, além disso, você tá apto moralmente. Você é uma pessoa que tem caráter e moral ilibado comprovado por certidões. Isto é, você não tem histórico criminal de violência, você não bateu no vizinho, não surrou a mulher, não… não brigou com… no bar. Então, você não tem passagens pela polícia, você não deve nada à justiça. Então, pra que armar um exército, como o Beto Richa armou, uma tropa, pra enfrentar pessoa que, 80% que estavam ali eram mulheres, eram professoras, sabidamente de caráter e moral ilibada, de idade já, né, eh… de meia idade pra idade próxima de se aposentar, isto é, sem força física pra enfrentar um homem. Você coloca Pitbull, Pastor-alemão, Rottweiler, você coloca policial da Choque, da Rotam, que tá acostumado a enfrentar… eh… assaltante de banco, assaltante de carro-forte, policial do… eh, acostumado a enfrentar bandido do PCC, que vem fazer roubos aqui no Paraná com fuzil, com metralhadora… Pra enfrentar professor?! Quer dizer, é uma ofensa, uma violação dos direitos humanos pra esse policial que não pode se negar. Quem puxou o gatilho da… das balas que atingiram os manifestantes, foi o Carlos Alberto Richa, foi o Deputado Traiano, foi o juiz que deu a liminar em favor da Assembleia Legislativa, pra colocar guarda armada lá…

Pablo: Francischini.

Claudio: Né. E o secretário de segurança pública, na época o… o Francischini… Eu não gosto nem de falar deputado, porque ele num, não merecia esse título. Nem ele, nem o Traiano, nem o… o Romanelli. E nem nenhum desses deputados, ali, que assinaram a… a lista.

Pablo: Uhum.

Claudio: Nenhum. Eles não merecem ser chamados deputados. Porque eles não deixaram que o povo entrasse na casa deles, que a Assembleia é a casa do povo, e esse título não cabe na Assembleia do Paraná. Casa… a Assembleia Legislativa do Paraná, povo, vai ser a casa… eh… dos fantoches de um governo… derrotado, fraco. Tá aí, fraco! Então, nesse dia, no dia 29 de abril, eh… os policiais já estavam colocados de uma maneira… eh, em uma formação diferente. Era uma formação de confronto, era uma formação de guerra. Estavam armados com calibre doze, haviam helicópteros, eh, a quantidade de…

Pablo: Com arma de fogo?

Claudio: Sim, eles tinham calibre doze, eles tinham ponto quarenta, eles tinham… eh, algumas fotos mostram policiais atiradores de elite sobre os prédios da… do Palácio de Justiça, da própria Assembleia, né.

Pablo: Com fuzis?

Claudio: Não sei se eram fuzis. Num… num dá precisar a distância, mas que haviam, haviam. Eh… rodando com helicópteros, né, armados, em helicópteros. E a quantidade de bombas que eles levaram mostra que eles estavam já prevendo que havia, haveria esse confronto. Já estavam… já foram lá pra brigar, né?

Pablo: Uhum.

Claudio: Então, essa é uma diferença. O… o confronto é quando você pega dois grupos dispostos a brigar. Massacre é quando você pega um grupo sabidamente sem condições de te enfrentar de, em pé de igualdade, e você descarregar todo o teu material, todo o teu poder de fogo, todo o teu poder bélico em cima desse grupo, né. Persegue, machuca, né. E acho o mais covarde ainda, eh, a fala do governador dizer que foram black blocks, né, chamar professores aí com trinta anos de magistério, servidores aí em vias de se aposentar…

Pablo: Uhum.

Claudio: … né. De vagabundo, de agitador… penso que, talvez, mais covarde do que… do que a… o impacto das bombas nos corpos dos trabalhadores que ali estavam, tenha sido essa palavra contra a moral e a integridade dos servidores públicos. Acho que isso foi… eh, mais covarde, porque o eco das balas e as cicatrizes das balas, elas fecham, o eco das palavras, ao longo da história, vão estar ecoando. E vai sempre pesar sobre a família Richa, que na família Richa teve uma ovelha negra, que, ao invés de seguir o exemplo do pai dele, que ele diz que foi um grande governador, né, eh… ele fez diferente. Ele preferiu bater em mulheres, em homens e em até crianças que ali estavam. Pessoal da imprensa foi massacrado, cachorro mordeu um integrante da… da imprensa, um cinegrafista da… da Rede Bandeirantes. Então, daí você vê que realmente tavam prontos pra… fazer maldade mesmo, né. E eu reitero, assim, ó, até quando eu fui chamado na… na Corregedoria da Polícia Militar pra prestar esclarecimentos, eu disse, “Quem puxou o gatilho, não foram os policiais que ali estavam”, muitos policiais até choraram, né, de ter que fazer aquele serviço. Pra eles, se falar, “Ó, vai ter que desocupar um terreno lá e tirar o povo de lá”, eles vão lá e vão ter que desocupar. Se a população resistir, eles vão ter que usar a força, né. Eh… eu questiono assim, que você tem… um livre-arbítrio pra dizer assim, “Olha, ordem absurda eu não cumpro”, e alguns policiais ali se excederam, atiraram no rosto… Talvez até mesmo já pensando, “Vou ferrar com esse governador, como meu rosto não aparece, tá atrás de uma máscara…

Pablo: Uhum.

Claudio: “… vou machucar uns dois, três aqui, machucar uma meia dúzia, pra isso aqui dar… dar bagunça e quebrar esse governador, porque… por ter colocado nós nessa situação”, né. Pode ter certeza que alguma coisa disso pode ter passado pela cabeça desses caras.

(FADE IN E FADE OUT DE TRILHA SONORA: “FALSO MORALISTA”, PAULINHO DA VIOLA)

(GRAVAÇÃO: AO FUNDO, PESSOAS GRITAM, “SEM VIOLÊNCIA, SEM VIOLÊNCIA”, VÁRIAS EXPLOSÕES E GRITARIA, UMA PESSOA GRITA DE UM CARRO DE SOM. ESSE SOM CONTINUA NO FUNDO DA FALA)

Claudio: Então, eh, eu tava na lateral do lado direito da… da manifestação, a uns sete metros atrás da linha onde tavam as primeiras pessoas de frente pra… pro cordão de isolamento do policial militar, da Polícia Militar… e… quando eu escutei um estouro, eu não vi, não cheguei ver quem derrubou, se teve invasão, se foi um dos policiais que começaram antes… isso eu não cheguei ver. Mas eu vi o resultado, né, foi aquilo, já começou estourar um monte de bomba e as pessoas correndo. E nisso, uma senhorinha caiu porque tomou um tiro. Uma professorinha, assim, né… de oclinhos… e tudo mais, bem… devia ter uns 60 anos. E… é do homem, ser humano, ir proteger mulher, né. Um homem que é homem, ele não bate em mulher, você tem que proteger, né. Ainda mais uma senhora idosa, ia ser pisoteada ali. Eu fui, a levantei… com… com os meus braços, meus pulsos por baixo da mochila dela, a levantei, ela segurou no meu ombro, mancandinho, e alguém a abraçou e a tirou dali. Naquela correria, né. Alguém a pegou e a tirou dali. Nisso, eu me abaixei, meu óculos, tem, é parecido com esse teu aqui, tava aqui…

Pablo: Uhum.

Claudio: Eh… meu óculos caiu. E eu rapidamente peguei o óculos, coloquei no… no rosto, e fui me virar pra sair dali e também fui… sair do… pra não ser pisoteado, atropelado pela turba, né.

Pablo: Uhum.

Claudio: E vi o policial avançando na minha direção com uma escopeta. Mas como eu tava com a camisa escrita DEPEN no braço, né, nos dois lados, escrito com… o emblema do DEPEN, é a mesma Secretaria do Francischini, é o meu Secretário de Segurança Pública. Ele era o meu chefe-mor, né.

Pablo: Uhum.

Claudio: Chefe-mor era o Francischini. Perdão, meu chefe não vai mandar atirar nos seus subordinados. Cara, cê tem noção do que é isso?

Pablo: Uhum.

Claudio: O meu… o meu chefe não vai atirar nos seus subordinados.

Pablo: O meu colega atirar no outro colega, né?

Claudio: Pô, se ele faz isso… eh… com os seus subordinados, o que ele não faz com um ladrão? O cara tem disposição pra mandar polícia descer o cacete, mandar tiro de bomba e de… de calibre doze e se houvesse, talvez, pessoas que conseguissem passar aquele isolamento, tivesse disposição, né, alguém quebrar…

Pablo: Uhum.

Claudio: Talvez alguém levasse um tiro de arma letal.

Pablo: Uhum.

Claudio: Porque mostra que eles estavam dispostos a garantir a passagem daquela… da… desse assalto à previdência a qualquer custo. Não se importaram com a imprensa, não se importaram com as consequências. Haviam pessoas no Palácio do… do Iguaçu ali, aplaudindo a ação da polícia, gritando, “Vai, é isso mesmo, vai!”, as pessoas que trabalham pra… nos Gabinetes do Carlos Alberto Richa.

Pablo: Uhum.

Claudio: Ele próprio tava presente, assistindo lá, né. Vendo o povo… que o elegeu, né, para o qual ele governa e deve satisfação como funci… como servidor do povo, que ele é, e acho que ele nunca se colocou na condição de servidor público. Eh… ser massacrado e o sangue derramado ali. Então, eu vi o policial vindo, colo… terminei de colocar o óculos, abaixei as minhas mãos, num movimento normal, de girar o corpo pra sair, e vi que ele apontou. E pensei assim, naquelas reações de centésimos de segundos, “Ele não vai atirar em mim”, né. Me virei e fui sair dali. No que eu virei, eu só escutei um impacto e um zunido muito grande no ouvido, e eu entendi que eu tinha sido atingido, mas eu não tive noção do que era. A impressão que eu tive é que eu tinha tomado um chute no queixo, uma cacetada no queixo, né. Como um boxeador que acerta o outro e vai mandar ele a nocaute, né. Essa sensação. Falei, “Pô, se eu tomar mais uma, eu vou cair, porque…” meu… minha cabeça deu uma girada assim, meu corpo girou, eu tava já no movimento de girar quando bateu, fez eu rodopiar, né. Então, meu ouvido começou a zunir, eu abaixei a cabeça um pouco assim, aquele povo passando por mim, eu fiquei parado um pouco assim. E daí, eu falei, “Pô, eu vou ter que sair daqui”. E fui saindo, andando de… de costas assim. Daí, virei de frente, pra sair. Virei de frente pro atirador, andando de costas. Meio assim que, de repente, ele vai me dar mais um, né, eu preciso ver onde ele tá, que se ele atirar de novo pra eu desviar ou coisa assim. E fui saindo dali, e vi um monte de pessoas ali já machucadas, bomba pra todo lado, tiro, gente ensanguentada. Que eu já fui atingido lá no comecinho, né. No primeiro minuto… tinha sido nem um minuto da manifestação, já fui atingido.

Pablo: Logo depois da primeira explosão, né?

Cláudio: É, já. Pum pá pá pá pá pum! Né, fui dos primeiros talvez ali a, né… eu e essa senhorinha… Um dos primeiros a ser atingido. Porque eles vieram pra cima, né. Eles marcharam em linha pra cima. Eh… quando eu vi aquelas pessoas machucadas, eu fiquei indignado. Falei, “Meu Deus, que é isso?” E acho que deve ter sido nesse momento que o fotógrafo tirou a foto. Eu não vi aonde ele tirou a foto. Vai haver fotógrafo aquela hora ali, que era tiro e pancada, né, pra todo lado, gente correndo sendo machucada, ensanguentada. Então, aquela foto acho que registra exatamente esse momento que eu estava pensando, né… assim, né… “Pô, como pode né? Que… que é isso? Que governo que é esse, que país que é esse, aonde é que nós estamos?” Uma época de democracia, você ter a polícia sendo utilizada como um instrumento de vingança pessoal de um governador, né. Isso não… não existe, né. Então, eh, eu comecei a ajudar ali as pessoas machucadas. E eu vi que as pessoas olhavam pra mim e botavam a mão no rosto, assim, e me fotografavam, eu não vi que tava sangrando. Porque ficou tipo amortecido assim, sabe, meio latejando, mas… meio amortecido. E eu não… não peguei em cima assim, sabe. Só botei a mão aqui no queixo e as feridas foram aqui… e achei que tava travado. Cheguei a quebrar um dente aqui, to com um pino aqui no lado. Deveria ter ido colocar uma prótese, né. E… eu pensei, “Bom, vou ajudar as pessoas que tão machucadas, né? Afinal de contas, eu tô inteiro, né?” E aí, vi que veio uma moça com uma máscara assim, e botou a mão assim… e estendeu a mão assim no meu rosto. Nisso, meu celular vibrou no bolso. E eu peguei o celular, olhei, era o meu filho. Meu filho faz cursinho do lado do Muller ali. E o… meu filho, uma frase bem curtinha assim, “Pai, você ta bem?”. E eu respondi, fiz uma piadinha pra ele ainda… fiz uma piadinha com ele, “Eu tô bem, por quê?”, e tal”… Aí, ele, “Não, por isso”, (ele bate as mãos) e mandou já a foto.

Pablo: A foto.

Claudio: Aí que eu vi como que tava o meu rosto. Aí, eu falei “Caralho!”. Tava no G1 a foto. Foi na hora.

Pablo: Tiraram, já publicaram.

Claudio: O cara tirou, mandou…

Pablo: Seu filho viu, mandou pra você…

Claudio: Um amigo do meu filho tinha recebido de um amigo e mandou pro meu filho. “Esse aqui não é o seu pai?” Eles vão lá em casa e tal…

Pablo: Aham

Claudio: E super brincalhão, eu brinco com eles, jogo baralho com eles, jogo bola, e faço tropel, tiro sarro. E… o moleque mandou pro meu filho, e fui obrigado a falar, “Não, filho, fique tranquilo, não é nada que você tá vendo, o pai tá bem”, né, mas fiquei preocupado. “Porra, então é isso, cara. Tô machucado”. Aí, ajudei a transportar mais algumas pessoas pra dentro da prefeitura, pra ir numa ambulância. Aí, um cara da ambulância ali já me olhou e falou, “Cara, você tem que ir pro hospital”. Eu falei, “Cara, tem gente mais fodida que eu”. Não fui pro hospital. Aí, um pouco, daí, até que um guarda municipal falou, “Cara, você tem que sair fora, cê tem que ir pro médico”. Aliás, há que se registrar aqui a solidariedade dos guardas municipais de Curitiba, porque eles foram verdadeiros anjos ali. Porque haviam pessoas ali bem feridas ali e poderia ser pior se deixasse, perderiam a visão, e a rápida intervenção deles, a prefeitura ter disponibilizado espaço para atender os feridos. E nesse sentido , ponto pro Fruet, que, não voto nele, não sou do partido dele, não sou… mas, assim, tem que se dar a honra, né. Ele foi humilde, foi humano a ponto de acolher a população ali. Enquanto um expulsa, o outro recolhe, né. É… então foi isso.

(SONS DE PESSOAS GRITANDO, EXPLOSÕES, RUÍDOS DO CONFRONTO. OUVE-SE UMA MULHER FALANDO EM AUTO-FALANTE: “… O PESSOAL JÁ TÁ INDO EMBORA! COMANDANTE, POR FAVOR, O NOSSO PESSOAL JÁ TÁ SE RETIRANDO!” OUTRA PESSOA GRITA: “QUE ABSURDO ISSO!” )

Pablo: E você saiu de lá, foi pro hospital…

Cláudio: E fui… Aí, assim, fui pro hospital, na viatura da guarda municipal, Hospital Cajuru. Lá, fui atendido de… Tive que fazer algumas intervenções no rosto, com laser, né, pra… pra diminuir e esticar, que cê vê que tá meio esticado, pra tirar o machucado aqui também, não quis fazer a… cirurgia plástica propriamente dita, né, então fiz só…

Pablo: Dá pra ver que ficou uma cicatrizinha básica…

Claudio: …então, ficou aqui, se você, né, passar a mão, você vê tá, onde fez o queloma ali, né. Demorou muito pra cicatrizar. Muito mesmo. Foram dias e dias e dias e dias e… três meses ali, do negócio sangrando, sabe. Foi bem esquisito. Mas, então, foi isso. Aí, a foto, começou a aparecer em tudo que é jornal. Eh… imediatamente, eu não sei como conseguiram meu telefone, mas vários repórteres me ligando, eh, Le figaro, da França, Der Spiegel, da Alemanha, El país, da Espanha, New York Times, né, Estados Unidos… o El Clarín… várias…

Pablo: Você chegou a falar com todos eles?

Cláudio: Falei. Dei entrevista pra todos eles. (incompreensível) Bandeirantes, grupo G1… todos… que aí, eu dou um boi pra não entrar, né. Eh, eu sou da roça. Na roça você… a pessoa que tem caráter, né, de… e vem da roça, é que nemformiga, entendeu? Formiga, você põe o pé na frente dela, ela desvia. Ela faz o caminho mais longo. Ela tá ali carregando a folhinha dela, ela só quer ganhar… só quer fazer o dela. Desvia, vai por outro caminho, vai mais longe. Eh, sobe por uma pedra, não deixa de fazer o serviço por isso. Mas se você pisar no formigueiro, daí é complicado, você tem briga. Se você parar pra pensar no que houve no dia 29 de abril, na… na Praça Nossa Senhora da Salete, em frente ao Palácio Iguaçu… né, em frente à Prefeitura, em frente a… ao prédio da justiça, né, que são ícones do símbolo do que é uma democracia, eh… não pode se justificar. Porque a democracia, no Estado do Paraná, ela foi vilipendiada, ela foi ferida de morte. Porque o ato do governador Carlos Alberto Richa foi um ato de ditador. Não foi um ato de um homem democrático. Foi um ato ditatorial. Nos moldes de Hugo Chaves, nos moldes de Castro, nos moldes de Saddam Hussein, de Muammar al-Gaddafi, né. Que mandava descer a lenha no povo, mandava pôr no paredão e não tem conversa, é isso aí. Quer… É cacete, bambu, e tranca. Foi o que o Carlos Alberto Richa fez, que se diz um homem democrático. Se diz um cara da democracia, que se diz uma pessoa de diálogo. Que tem… diz ter um… como é a expressão que ele usa? “Que a minha biografia é imaculada”, né. Não é mais. Não é mais.

Pablo (Narração): A entrevista do El País, publicada no dia 30 de abril de 2015, diz, “Aqueles policiais têm filhos que estudam com essas professoras”, escrito por Germano Assad. “‘Fui atingido no rosto e causou essa lesão’, disse Claudio Franco, exibindo as feridas abertas por três balas de borracha disparadas pela Polícia Militar do Paraná, durante a violenta repressão à manifestação de professores em Curitiba, na quarta-feira. O psicólogo e agente penitenciário, Franco contou que um policial evitou usar o cassetete contra ele quando percebeu sua função, pela camiseta que vestia. Além dos professores que, em greve, lideravam a mobilização, outras categorias protestavam contra o projeto de mudança na previdência estadual, que acabou aprovado na Assembleia paranaense. ‘Eu vi esse homem (o policial) chorando por trás da sua viseira. É de deixar o coração da gente partido. Fico pensando nas professoras que têm marido policial, policiais que estavam ali e têm filhos que estudam nessas escolas, com essas professoras. A gente entende que o responsável é quem deu a ordem para esses policiais, porque eles são apenas funcionários públicos como eu’, seguiu ele, que diz ter votado no governador Beto Richa, doPSDB, em contraponto a ‘esse roubo na Petrobras’. ‘A covardia não tem partido, fazer o que…’ Claudio Franco e um colega agente penitenciário, Bruno Bacila, estavam nesta quinta-feira entre as dezenas de manifestantes e policiais que aguardavam a vez no Instituto Médico Legal de Curitiba para realizar exame de corpo e delito. ‘Eu estava observando perto das barracas do acampamento, quando uma bomba jogada pela polícia militar quicou no chão e acertou minha cintura’, disse Bacila, que mostrou ferimentos severos. Eram parte dos mais de 200 feridos na ação do dia anterior, que já haviam prestado queixa das lesões e agressões em delegacias. Nenhum dos casos representava risco de morte, mas o estado das lesões dava a dimensão da violência na quarta-feira, criticada em nota pela Anistia Internacional, pela oposição e tida como ‘proporcional’ pelo governo e Polícia Militar do Paraná.”

Cláudio: E… a história do Paraná, ela vai ser contada sempre com esse capítulo. Houve um 29 de abril. Houve… Talvez um dia mudem o nome daquela praça, de Nossa Senhora do Salete pra Praça 29 de abril. Porque… aquilo foi brutal. Foi uso da força descomedida, contraria todos os cadernos de segurança, eu sou um homem de segurança pública, eu tenho formação em segurança pública, né. Conheço, eu viajei já vários países vendo isso, Noruega, Alemanha, eh, Espanha, enfim, não se… não… não cabe num país democrático. Isso cabe nas ditaduras, né. Países totalitários, né. Aqui não.

Pablo: Quando você foi na praça no dia 29, você imaginava que isso ia acontecer, você esperava o confronto, você já tinha ouvido alguma coisa…

Cláudio: Eu pensei…

Pablo: …ou você só sentiu isso quando você viu a polícia lá?

Cláudio: Não. Quando eu vi a formação, eu vi que eles estavam dispostos ao confronto.

Pablo: Mas você não… você não foi sabendo…

Cláudio: Não. Não, não, não. Claro que, assim, eu não sou ingênuo, né, quando você vai pra uma manifestação, você sabe que sempre tem, pode ter um ou outro mais exaltado. Há pessoas até que querem aparecer ou… ou que querem realmente causar tumulto, isso existe, Pablo. A gente não pode ser ingênuo de pensar que isso não existe, em qualquer manifestação pode ter uma pessoa assim, má intencionada para, até pra estragar, né, e pra dizer que todos ali apoiavam o que ele estava fazendo, e não é. Tanto que, eh, algumas, alguns meninos estavam ali querendo, eh, fazer bagunça e desafiar os policiais eram repreendidos pelos professores. Eram repreendidos, “Pô, sai daqui, não é pra fazer isso, não”, sabe? Os próprios agentes penitenciários que ali estavam pegavam os caras e falavam, “Ó, sai daí”. Porque eu, como agente penitenciário, jamais iria ferir um policial. Jamais! Eu, Pablo, sou, assim, meio radical, assim. Eu… eu sou um agente da lei, entende. Eu sou os olhos e a voz do juiz corregedor que tem a guarda e a custódia do preso pro juiz. Isso aí eu que digo pro juiz, “Ó, esse preso tá cumprindo a pena dele”, ou não. A execução penal não existe sem o agente penitenciário. Então, assim, eu entendo de lei, entende. Eh… Eu sou um homem da segurança pública, eu faço curso sobre isso, eu leio sobre isso. Como eu posso, sendo um agente de segurança pública, me rebelar e agredir um outro agente de segurança pública? Isso vai contra, eh, todos os nossos códigos de ética e de conduta. Nós socorremos os colegas. Não terminamos de matar. Nós… a… o que rege a moral de um bom soldado, de um bom operador de segurança pública é: transportar o soldado ferido, transportar ele ainda que morto para que o corpo dele chegue em casa. Não você simplesmente matar, atirar, machucar.

Pablo: Uma coisa que eu fico pensando é que esses mesmos policiais também são servidos pela… pelo Paraná Previdência, né?

Cláudio: Exatamente. Tipo… Então, você entende o que… a contradição, assim, ela é terrível! Se eu não fosse psicólogo, eu não dava conta disso, não! (Pablo ri) Como que pode? Os caras são da mesma… eh… eu tava brigando ali, reclamando pelo direito deles. E é por isso que alguns policiais choravam. Cara, pensa, é louco. Tinha cara que tinha mãe, a mãe do cara, ali, é professora, pô! A Tia, a irmã. Cara que é casado com professora. Teve cara que foi punido, porque não quis ir na manifestação. Porque a esposa é professora. Eu vi colegas vindo pedir desculpa!

(FADE IN E FADE OUT DE TRILHA SONORA: “TREM DE DOIDO”, MILTON NASCIMENTO)

Pablo (Narração): Capítulo 4, o dia seguinte.

Cláudio: No outro dia, eu fui trabalhar, Pablo. Eu não faltei ao trabalho nenhum dia, não peguei nenhum atestado, eu matei no peito (ele bate no peito).

Pablo: Você, ferido no rosto, foi trabalhar no dia seguinte?

Cláudio: Fui trabalhar! Aí, eu escutei dos presos o seguinte, “Pô, seu Franco, vi o que adianta você ser homem da lei, aí, ó, os polícia atirando no senhor?”

Pablo: E eles não estavam sabendo tudo que tinha acontecido lá…

Cláudio: Passou na TV, né! Os presos têm televisão, assistem televisão. Mas aconteceu algo muito interessante. Eu confesso pra você que eu fiquei com vergonha de sair na rua. Porque eu não sabia como seria a reação das pessoas. O que me fez mais mal foi pensar, “Poxa vida, todo mundo me conhece, eu sou presidente da associação de moradores da minha rua”, entendeu? “Sou… conhecido, pô, fiz faculdade aqui, moro aqui, tenho muitos amigos, né. Puxa vida, o que que vão pensar?” Minha foto estampada em tudo que é jornal.

Pablo: Uhum.

Cláudio: E aí, assim, eu fiquei com vergonha de sair na rua e eu confesso que saí bem mais cedo aquele dia, eu botei um cachecol, aqui em cima, enrolei um cachecol, pra não mostrar meu rosto, baixei minha cabeça, e f… saí de madrugada pro trabalho, fui mais cedo, pra não ser visto na minha rua. Porque eu não queria que as pessoas me perguntassem, eu ainda tava alalado, tava sob efeito do trauma ainda, e realmente eu fiquei sob um efeito de trauma… (ele suspira) E mil coisas me passou pela cabeça. “Meu Deus do céu, esse governo, ele vai me sacanear… vai me sacanear!” Enfim, fui trabalhar, e eu fiquei com muito medo da aceitação, que que os meus colegas iam dizer. E eu cheguei no meu trabalho mais cedo, e estavam todos ali na frente, né, na portaria ali, meus colegas, eles me aplaudiram. (efeito sonoro de aplausos) Assobiavam, “Ê, Franco, tamo junto!” Me abraçavam. “Precisa de alguma coisa?” e tal. Compraram pizza pra mim, compraram refrigerante, bolo. Ah, enfim. Então, isso foi, foi… assim, surpreendente e emocionante, porque eu pensei que eles poderiam pensar, “Pô, Cláudio, foi queimar o filme lá, né?”. Porque é uma coisa que poderia acontecer, né? Talvez não fosse bem visto. As pessoas interpretam como, como… de acordo com a visão de mundo que elas têm, com a cosmo-visão delas. Então, poderia ser mal interpretado. Eh… e no fim, assim, até hoje meus colegas me protegem, blindam, e cuidam de mim. E, de uma certa forma, virei um ícone, né, dentre os agentes penitenciários. Os professores, cada festa que fazem, me convidam…

(FADE IN E FADE OUT DE TRILHA SONORA: “STARMAN”, DAVID BOWIE)

Pablo (Narração): Claudio Franco foi um de vários presentes no massacre do dia 29 de abril de 2015, em Curitiba. Foram contabilizados quase 300 feridos, a maioria professores e servidores públicos machucados pela polícia. Mas sua jornada havia começado muito antes desse dia, quando ele ainda fantasiava nos milharais com uma vida melhor. Depois de passar por diversos desafios em sua infância e formação profissional, hoje Cláudio não precisa mais fantasiar com o reconhecimento de seus colegas, devido à sua postura diante da injustiça do mais forte. Igual ao Cláudio, várias outras pessoas tiveram suas vidas transformadas naquele dia. E igual a eles, bilhões de pessoas têm suas vidas transformadas diariamente em suas lutas por seus direitos. São homens e mulheres, jovens e idosos, são pessoas de todas as cores e nacionalidades, enfrentando forças para além de suas capacidades. Mas ainda ele exerce o sonho de um mundo melhor. Que o dia 29 de abril nos sirva de lição, de como podemos nos manter de pé, diante daqueles que nos enfrentam injustamente, lutando pelos nossos sonhos. E que a história sempre se lembre o que houve em Curitiba, no dia 29 de abril.

Cláudio: Eu ainda não deixei de sonhar. Eu ainda tenho a minha realidade paralela (ele ri). Né, eu imagino um país melhor. Entendeu, eu ainda sonho que eu vou ver um país melhor. Eu não preciso ter pessoas me aplaudindo para dar conta do meu trabalho, como eu… quando eu era criança, né, imaginava que os milharais eram pessoas me aplaudindo. Até porque hoje, né, isso já aconteceu lá no meu trabalho, né, eu ser reconhecido pelos meus colegas, ser reconhecido por professores, que são duas categorias bem sofridas, agentes penitenciários, policiais e, aí, também e os professores. São três categorias bem sofridas e eu sou respeitado por eles. Isso já… já me basta. Mas eu gostaria muito de ver o meu país melhor. Eh, nós estudamos juntos, né, aí, somos colegas já de data, temos amigos em comum, temos uma profissão em comum…

Pablo: Uhum.

Cláudio: Como educadores, Pablo, como psicólogos, né. E eu como uma pessoa que sonha, eu sonho com isso, sabe, sonho com um país melhor, sonho com professor bem remunerado. Eh, eu sonho com um povo melhor. Um Brasil melhor.

(FADE IN E FADE OUT DE TRILHA SONORA: “BRASIL PANDEIRO”, OS NOVOS BAIANOS”)

Ivan (Narração): Pablo de Assis é psicólogo, mestre em comunicação e linguagens e professor. Trabalha também como psicoterapeuta, orientador de pesquisa e grupos de estudos. É podcaster junto ao site mitografias.com.br com os podcasts Papo Lendário, Horrores Urbanos, e alguns projetos futuros; o PsicoLog podcast, em seu site pablo.deassis.net.br, onde inclusive essa história foi ao ar pela primeira vez. Os links estão na postagem.

(FADE IN E FADE OUT DE TRILHA SONORA: “BRASIL PANDEIRO”, OS NOVOS BAIANOS”)

Ivan (Narração): No próximo episódio…

Voz 2: Durante a semana, de cinco dias de aula, acho que três eu chegava alcoolizado. Eh, alcoolizado no sentido de chegar bêbado pra participar da aula. E eu tinha incentivo pra beber, porque eu discutia mais na sala de aula, eu me abria mais pra alguns assuntos. Eu levava garrafa de 51 com limão e açúcar dentro da mochila. Chegava na sala de aula, tinha uma sala vazia, a gente cortava as coisas, aí eu juntava mais uns dois, a gente bebia, eu sempre bebia um pouco mais, ia pra aula de história, ia pra aula de geografia discutir geopolítica, Segunda Guerra Mundial. E os meninos falavam, “Samuel, começa a debater com o professor de filoso… de… de geografia, porque você deixa ele tão nervoso que ele fica suando, a camisa dele fica toda molhada na aula contigo.”

Ivan (narração): Aqui, no Projeto Humanos, O que faz um herói.

(FADE IN E FADE OUT DE TRILHA SONORA)

Ivan (narração): O Projeto Humanos é um podcast que visa apresentar histórias íntimas de pessoas anônimas. Ele tornou-se possível graças à ajuda dos patrões do Anticast, que contribuem mensalmente para que nossos programas continuem acontecendo. Se você gosta do nosso trabalho e gostaria que ele continuasse, você pode contribuir acessando o site do Anticast, anticast.com.br, e clicando na seção “Seja Patrão”, ali no topo. Nos vemos na semana que vem.

(FADE IN E FADE OUT DE TRILHA SONORA)

FIM.

Transcrição por Marcela Brasil, Dyane Guedes Cunha, Zé Roberto, Diogo Lima. Edição por Sidney Andrade. Revisão por: Zé Roberto