6 – A Caça ao Terrorista

11 de abril de 2016

No sexto episódio da série O Coração do Mundo, concluímos a história do US Marine Francesco Tessitore, brasileiro que lutou nas guerras do Iraque e Afeganistão. Nesta terceira parte, saberemos como foi que ele participou ativamente da caçada de um dos terroristas mais perigosos do mundo, Abu Musab al-Zarqawi, ex-líder da Al Qaeda Iraquiana – hoje conhecida como o autointitulado Estado Islâmico. Além disso, também aprendemos sobre o chamado “estresse pós-traumático” de guerra, que afeta inúmeros soldados após experiências de combate – e que afetou profundamente a vida de Francesco.

Arte da capa por Amanda Menezes
Lettering por Luiz Amorim

Transcrição

Ivan (narração): Olá, pessoal. Aqui é Ivan Mizanzuk, do Projeto Humanos. Histórias reais sobre pessoas reais. Na última parte sobre a história do Marine Francesco Tessitore, saberemos como ele esteve envolvido através do seu trabalho como interrogador, a caçada a um dos terroristas mais procurados pelo FBI em 2005 e 2006.

Francesco: Nós tínhamos um cara que nós capturamos, que era um dos caras mais, ah… Ah, que tinha maior acesso a Zarqawi. Zarqawi é o, né… Abu Musab al-Zarqawi, que era o líder que hoje seria o ISIS, né, o ISAL. Que ele tinha como segundo colocado, segundo, né, braço direito, que era o al-Baghdadi, que hoje está no lugar do Zarqawi.

(EFEITO SONORO: UM TOM DE IMPACTO)

(INÍCIO DE CLIPE DE ÁUDIO)

Voz 1: I think arguably over the last several years, no single person on this planet has had the blood of more innocent men, women, and children on his hands than Zarqawi, he personified the dark sadistic and medieval vision of the future,  of beheadings, suicide bombings, and indiscriminate killings.

(FIM DO CLIPE DE ÁUDIO)

Ivan (narração): Esse é um episódio importante na recente história do terrorismo mundial. Para muitas pessoas, o grupo terrorista Isis, o autointitulado estado islâmico, parece ser novo, tendo suas ações com grande repercussão na mídia a partir de 2014, especialmente em 2015, após o atentado de Charlie Hebdo, e nas ruas de Paris, em novembro daquele ano. Mas a realidade é que ele já era um grupo antigo, ele era a Al Qaeda Iraquiana.

Francesco: O Zarqawi era considerado a Al Qaeda no Iraque.

Ivan (narração): Desde a sua formação, a Al Qaeda Iraquiana já divergia das ações do grupo comandado pelo Bin Laden. E por sinal, o próprio Bin Laden declarava-se contrário a muitas das ações extremistas do grupo de Zarqawi, notadamente suas execuções em praça pública, decapitações, especialmente contra Muçulmanos. Ações essas que hoje são bem conhecidas por parte do Estado Islâmico. Portanto, essa parte da história, que poucos brasileiros conhecem, é de extrema importância para entendermos o cenário mundial atual. E para nossa sorte, iremos aprender melhor através do relato de Francesco.

Francesco: Ele era Jordaniano, tudo. E nós tivemos mais de cinco anos de intensa busca e caça ao Zarqawi. E nós conseguimos capturar um cara, que ele tinha, ah, tudo, tudo, tudo sobre o Zarqawi, e tinha acesso ao líder espiritual do Zarqawi.

(FADE IN E FADE OUT DE TRILHA SONORA)

Francesco: Esse que eu tô falando é uma categoria de detento, é um terrorista, ele é um terrorista que nós falamos de níveis, tem o nível 1, nível 2, nível 3. Esse terrorista era de nível 1. Esse cara era, não só organizador, financiador, mas ele também está diretamente ligado à Al Qaeda, através do líder espiritual do Zarqawi. Então, esse cara, que nós chamamos de “Tier-One”. Tier One é cara assim, ele não é qualquer um, ele não é um operador que está ganhando trinta Dólares por dia para ir lá e colocar um IED na rua para explodir a gente, só para cavar o buraco e jogar a bomba ali e sair correndo. Esse cara é Top Dog, cachorro de alto nível.

(EFEITO SONORO: cessar súbito de trilha sonora alta)

Francesco: Ele foi capturado através de um Raid que nós fizemos. Raid, eu não sei traduzir direito Raid…

Ivan (narração): Raid é como um ataque surpresa, uma espécie de batida policial.

Francesco: É, ele fez um erro, ele começou a usar muito o celular, telefone, nós conseguimos captar momentos e locais através de fontes no chão, humanas, a onde ele estaria, além de colaboração de sinais de satélites e celular, na posição dele, e ele foi visitar uma das amantes. E nós sabíamos exatamente o tempo e o dia que ele estaria lá, e nessa que ele estava na casa das amantes, na casa da amante, nós conseguimos entrar e capturá-lo. E obviamente tinha bodyguards, tudo, foram mortos, mas ele não reagiu e foi capturado vivo. E ele era muito próximo, que nem eu falei, do líder espiritual do Zarqawi. E o Zarqawi escutava tudo que o líder espiritual dele falava para ele. Então, na interrogação dele, foram meses, você não desenvolve uma amizade, eu posso sentar com você hoje, mas eu não conheço realmente quem é o Ivan, até o momento que eu me encontrar com o Ivan, sentar com o Ivan, bater papo com o Ivan, eu conhecer o que o Ivan pensa, qual é o passado, qual é as opiniões dele, o que ele fez, o que ele vai fazer, quem é a família do Ivan. Você leva meses, como uma amizade, você se tornar amigo de uma pessoa, você confiar em uma pessoa. Mas a mesma coisa um detento que está sendo interrogado. É por isso que eu falo, o uso da força não faz com que a pessoa crie confiança em você, e sim, ele vai expelir aquilo que você quer escutar, que é para ele perder a dor que ele está sentindo. Quando você entra na cabeça duma pessoa do jeito certo, com tempo, a pessoa passa a o quê? A confiar em você, e acha que você é a única saída dele, daquele momento, daquele local. Ou não só isso, mas que você pode dar um futuro a ele, porque no momento que você está capturado e considerado como terrorista, e você vai ser entregue para as autoridades Iraquianas, no caso, é a pior coisa que um terrorista quer, é ser entregue para as autoridades do país, porque você sabe que eles não vão executar os mesmos direitos humanos que nós fazemos. Eles não vão ter a mesma justiça que nós usamos para… Aqui nos Estados Unidos, é muito… Nós usamos o mesmo método, você é inocente, até que seja provado culpado. Então, mesmo que nós sabemos que ele fez tudo isso, ele tem acesso a se defender. Se ele é entregue para as autoridades locais do país dele, isso na época, quando a guerra estava bem no auge, e nós estávamos ainda lá, ele sabe que ele vai morrer.

(FADE IN E FADE OUT DE TRILHA SONORA)

Francesco: Isso foi o período de 2005 a 2006, muito fechado, ele se sentia muito arrogante, eu acho que eu fui o terceiro ou quarto interrogador que já tinha começado a conversar com ele, e ele já tinha passado na mão de outros no começo. E num período de seis a sete meses. Você lê todos os relatórios, quando você vai reassumir a interrogar uma pessoa, uma pessoa dessa, ou qualquer outra pessoa, e esse é mais um que eu estou interrogando, não é só ele, eu estou falando dele, que ele é uma figura proeminente, e nós não conseguimos pegar a motivação dele. Ele não tinha motivação, você podia falar que ia matar a família dele, se ele não falasse nada, que nós íamos buscar comprometer a família dele, irmãos, filhos. Ele não tinha, ele era Hardcore Al-Qaeda, acabou. E nada movia com que ele… Finanças, não ser entregue para as autoridades Iraquianas, é, nada, nada, ele não estava nem aí. O que quisesse fazer com ele, podia fazer, ele não ia entregar quem a gente estava procurando.

(FADE IN E FADE OUT DE TRILHA SONORA)

Francesco: Eu diria que ele era acima da maioria, dentro de uma classe muito alta, boa do Iraque, educado. Educado que eu falo, instruído, com faculdade, universidade e recursos financeiros, recursos políticos. Era um cara que, é… Só que a ideologia dele era realmente o Sétimo Centenário da versão do Alcorão, do Al-Qaeda, para montar o Califato, e acabou. E era suni, ele era Suni, todo Suni. O Al-Qaeda é Suni, o Isis é Suni. Então, ele detestava os Xiitas, e nós começamos a conversar e entramos em todos esses aspectos da conversa.

(FADE IN E FADE OUT DE TRILHA SONORA)

Francesco: Quando um cara tá interrogando, eu estou assistindo. Quando eu estou interrogando, o interrogador está assistindo, porque você vai pegando coisas que, às vezes, quando você está focado na interrogação, você não pega. Então, você tendo outro interrogador para assistir a sua interrogação, você fala, “Oh, meu, ele fez, você falou a palavra, sei lá, Ali-Babá e os quarenta ladrões e ele abriu o olho e ficou entusiasmado naquilo”, entendeu? E ele está prestando atenção naquilo que você está falando. E nós começamos a notar que, quando surgia um assunto, entre vários assuntos, de ler, de livros, de auto biografia… Olha só, uma das coisas que ele era, ele era muito cheio de si mesmo, né. Então, ele gostaria de escrever um livro, uma coisa que era… Ele queria escrever a biografia dele, ele queria fazer uma marca, ele queria botar uma marca, de alguma forma, em alguma coisa, para mostrar que ele… aí é que tá, era uma das aproximações que nós usamos, que ele começou arrogante e nós incentivamos essa arrogância nele. Mas depois nós vimos que essa arrogância dele estava mais na parte dele querer se projetar como alguém importante. E por isso que ele começou o papo de livro, por isso que ele começou a dizer que ele lia muito, e nós obviamente lemos bastante. “E que tipo de livro você gosta de ler?” E nós começamos a dar a ele, como incentivo. Olha só, são os incentivos que você dá, esse ai foi fácil, porque era muito fácil de arranjar os incentivos a ele. Era que se ele começasse a cooperar conosco, nós , de repente, com todo esse… Obviamente, nós colocamos isso de uma forma bem …Ele aqui na terra e mais ninguém. Eh, num existia ninguém a ele no mundo, que de ah… seria uma coisa importante escrever algo a respeito dele, seria importante ele colocar no papel a experiência da vida dele, seria importante ele dividir com a gente que ele pensava da ideologia, não só ideologia, mas o que ele pensa de família, o que ele pens… que se ele pudesse governar o mundo, qual seriam as coisas que ele faria. E nós, percebendo que se nós o tivéssemos a condição de envolve-lo dentro da parte acadêmica e encher a bola dele dizendo que ele teria condições muito grandes de escrever um livro e de que nós, de acordo com as informações que ele nos desse, ele poderia não só escrever um livro, mas ele poderia fazer uma diferença. Porque, na realidade, isso que eu vou falar é a verdade, existe … existem de acampamentos, nós chama acampamento, camping, né, que é centers, principalmente na Arábia Saudita, de recondicionamento de terroristas. Então, tem muitos que se regeneram. Eles veem que aquela ideologia, aquela mentalidade que eles tão tendo, aquele objetivo não passa a ser simplesmente uma coisa utópica que nunca vai acontecer. Que justamente o uso do terrorismo é uma coisa que não leva a nada, ninguém vai… ninguém vai respeitá-lo. E como respeito é uma coisa importante a ele, nós começamos a tentar endouc… endout… tentarmos doutriná-lo dentro disso de que ele teria mais valor como uma pessoa… é… dando positiva… ah… dando positividade das experiências dele da sociedade do que uma pessoa que estaria sendo vista como uma pessoa que quer matar mulheres e crianças. E dentro disso, foi feito um trabalho de nós, de que nós começamos, como incentivo, de cada informação que ele passasse que fosse importante pra nós, e que nós aceitaríamos e iríamos… Vamos verificar que é verdade, nós verificamos as informações, ah… de que nós poderíamos trazer material para a leitura dele, né, em qualquer língua que ele preferisse.

(FADE IN E FADE OUT DE TRILHA SONORA)

Francesco: Árabe, e ele queria aprender um pouco de inglês e nós daríamos lá alguns livros de inglês pra ele conseguir aprender e faríamos o nosso intérprete… O intérprete não é um só, né, são vários, de acordo com o contrato deles, eles vão passando, que nem nós. Nós temos rotação. E que… começamos assim, uma vez por mês, ele poderia ter acesso durante duas horas ao intérprete para aprender algumas coisas em inglês, onde o intérprete ajudaria ele na parte de inglês e árabe, e que ele podia ter alguns materiais de leitura. E com isso, foi uma grande jornada (risos), do ponto que quando nós sentimos isso, aí eu mudei. Eu, particularmente, mudei a minha posição, quando ele começou a cooperar com certas informações, eu… comecei a… colocá-lo ao meu nível. Ele não mais sentava no… no… no chão. Quando ele entra no… no… na… no quarto de interrogação, no trailer, no container, ele já não vinha, eu falava pra não colocar mais o… o goggle nele, né, ah… algema sempre teve que pôr, isso aí é padrão, sempre tem que ter. Ah, mas eu já entrava dentro do, do, do… do trailer, então, quando você, quando na cultura árabe você recebe alguém, em vez deste convidado, exemplo, convidado estar sendo colocado no lugar, esperando alguém, é diferente. Então, eu comecei a trocar a minha posição. Eu recebia ele dentro da… do… da sala de interrogação, do trailer, e não só ele estava desvendado, ele poderia ver, quando ele entrava, que eu já estava lá. Mas eu dava a saudação, né, “Salaam Aleikum”, que é uma coisa assim, né, Salam Aleikum é “Alaikum As-Salaam” ele responde. Ou seja, eu estava recebendo ele de uma forma como ele era meu convidado.

(FADE IN E FADE OUT DE TRILHA SONORA)

Francesco: Então, você vê, como todo o tempo disso, durante meses, essa posição foi revertida, dele sentar no chão, sentar de frente pra mim, de eu não entrar na sala depois dele, mas recebê-lo, isso foi fazendo com que eu e ele, e os outros interrogadores que estavam acompanhando junto, criasse uma coisa que nós muito queremos criar dentro de um detento e você, é uma coisa em comum, nós tínhamos uma comunalidade, nós tínhamos várias coisas em comum, nós queríamos mostrar pra ele que entre ele e nós não existia nenhuma diferença, a não ser uma coisa, que ele abdicasse do terrorismo e ajudasse a gente a pegar aqueles que nunca teriam o, a capacidade de fazer aquilo que ele está fazendo. Ou seja, nós continuamos elev… Elevando a posição dele a um ponto onde ele se sentia que, “Poxa, eu estou fazendo diferença”. Eu não te falei no começo da conversa que dele, de que o que ele queria fazer uma diferença, ser uma pessoa diferente? Escrever uma autobiografia, escrever um livro? Eu cheguei até falar pra ele, “Você imagina quando você colocar na sua autobiografia de que você mudou a sua percepção porque você começou a interagir com a gente, e hoje nós podemos fazer de você uma celebridade, escrever um livro e se projetar numa certa área”. Ou seja, a percepção dele de tudo isso é que justamente a Al-Qaeda tava simplesmente usando ele, mas não estava preocupado com as coisas pessoais dele.

(FADE IN E FADE OUT DE TRILHA SONORA)

Francesco: Eu, particularmente, comecei a falar pra ele… por que ele não transformasse isso num aprendizado para aqueles que estavam morrendo como bombas suicidas, numa idade tão jovem, pudessem ler o livro dele e abrir os olhos? De não fazer e não chegar a um ponto de perder a vida por um… por uma… ideologia ou por movimento que nem o Al-Qaeda, que simplesmente está querendo provar ao mundo e provar aos interesses dele de que o mundo do… do… o mundo… ah… ocidental é um mundo podre? Mas isso, isso não é verdade. Eles, eles são terroristas, eles são terroristas, eles matam mulheres, matam crianças, eles não tem medida.

(FADE IN E FADE OUT DE TRILHA SONORA)

Francesco: Uma coisa que ele queria ler era o, a biografia de Kennedy. Ele queria entender quem era Kennedy, por que Kennedy não foi um… presidente democrata diferente, porque as pessoas gostavam tanto do Kennedy. Entendeu? Nós conseguimos uma… um… uma biografia do Kennedy em árabe, obviamente, e entregamos pra ele e ele leu. E ele conversava conosco a respeito disso

(FADE IN E FADE OUT DE TRILHA SONORA)

Francesco: Ele falava que ele tinha a… depois de ler o, o, por exemplo, especificamente no Kennedy, ele falou que ele leu umas passagens que mostrava justamente como era interessante a, a, o que ele cresceu, ah… a percepção que ele tinha dos Estados Unidos… que ele é uma pessoa mais de idade também, certo? na época, deveria ter de 48 a 55. De como ele cresceu é… imaginando que ahm… por exemplo, a… política americana externa é simplesmente algo de… imperialismo e de usufruto pro próprio país dos Estados Unidos. Ele não conhecia as políticas de Kennedy em relação à América do Sul. Certo? De que o Kennedy deu muito apoio à, à… sociedades da América do Sul. Ele não conhecia, nem sabia o que era, que tinha sido o único presidente dos Estados Unidos que era católico. Entendeu? E ele não sabia que Kennedy tinha tanto esse carisma, ah… e era uma pessoa que… ele não fazia decisões precipitadas, ele consultava muito, ele ia muito a li… também outra coisa, lia muito. Entendeu (risos)? Eram tudo coisas que, que ele se identificou com a persona do Kennedy de uma certa forma. E nós, obviamente, nós quando chegamos num ponto de que nós vimos que ele estava… bem… já quebrado, né? Na forma de quebrar, né? We broke him, em termos da, da, da percepção dele, das coisas que ele, que ele já não tinha mais, você começa a tratá-lo como uma pessoa, é, normal.

(FADE IN E FADE OUT DE TRILHA SONORA)

Francesco: E isso fez com que quebrasse. Ou seja, não era dinheiro, não era amor à família dele, não era nada. O que ele se sentiu é que nós passamos a tratá-lo como um acadêmico.

(FADE IN E FADE OUT DE TRILHA SONORA)

Francesco: Nós sabíamos quem era o, o… líder espiritual do Zarqawi. Nós não sabíamos aonde era o dia-a-dia da rotina dele. Isso é que era importante. O que nós estávamos procurando não é o líder espiritual, né, assim, a pessoa, a pessoa nós sabíamos quem ele era. O que nós estávamos procurando é uma forma de conseguir capturá-lo. Por que tanto? Por que? Porque também atingindo o líder espiritual, nosso objetivo o que era, o que nós fizemos era, consegui capturar o líder espiritual do Zarqawi, porque… o Zarqawi não dava um passo pra frente, um passo pra esquerda, um passo pra direita e um passo pra trás sem consultar o líder espiritual dele. Ou seja, ele se encontrava líder espiritual. Sabendo quem é o líder espiritual… e conseguindo acessá-lo… nós sabíamos, nós iríamos descobrir a rotina e os lugares que o al-Zarqawi estava indo.

(FADE IN E FADE OUT DE TRILHA SONORA)

Francesco: Ele passou a informação, baseado na onde estaria o líder espiritual, tanto o que o líder espiritual do Zarqawi fazia com o Zarqawi, eles nunca paravam mais que uma hora, duas horas, no local, eles nunca dormiam no mesmo lugar, eles sempre estavam em movimento, nós não sabemos é o momento certo de pegá-los, nós sabemos onde eles estão indo, nós sabemos os locais que eles possam frequentar mais, mas é a mesma coisa você procurar alguém dentro da favela, no Rio de Janeiro. É… E tem o momento certo onde não tem crianças e mulheres pra poder… boom, dar um strike. Isso é difícil, isso é difícil, por quê? Porque nós temos que nos preocupar com danos colaterais. Se nós matamos um cara, que é proeminente pra caramba, mas mata, três, quatro, crianças, nos danos colaterais. O que acontece com a mídia? O que acontece com o mundo? “O Estados Unidos é… massacra criança, massacra mulher”. É isso que é o problema. Isso… isso dá força ao inimigo. Porque o inimigo quer justamente que nós erramos nesse ponto, pra conseguir explorar na propaganda, tudo isso. Então, o que aconteceu, nós queríamos saber, mais ou menos, a rotina de vida do líder espiritual. Não mais ou menos, nós queríamos saber detalhes da rotina de vida dele. Sabendo a rotina do líder espiritual, nós sabíamos que nós tínhamos muitas, quase 100% de chance de botar o dedo, e falar assim, “o Zarqawi, está aqui, nesse dia, nessa hora”. E aconteceu.

(FADE IN E FADE OUT DE TRILHA SONORA)

Ivan (narração): 07 de junho de 2006.

(INÍCIO DE MONTAGEM DE CLIPES DE ÁUDIO)

(RUÍDOS DE VOO DE AERONAVE)

Voz 2: The lead aircraft is going to engage it here momentarily with a 500-pound bomb on the target.

(OUVE-SE VOZES INCOMPREENSÍVEIS NO RÁDIO, RUÍDOS DE AERONAVE E, EM SEGUIDA, UM SOM DE EXPLOSÃO)

(PESSOAS GRITAM E ALGUÉM FALA “OH, MY GOD”)

(PASSA PARA TRECHO DE DISCURSO DO PRESIDENTE GEORGE W. BUSH)

Bush: Now Zarqawi has met his end, and this violent man will never murder again.

(FADE IN E FADE OUT DE TRILHA SONORA)

(FIM DA MONTAGEM)

Ivan: E o que aconteceu com o informante depois disso?

Francesco: O informante depois disso… Ele infelizmente teve que ser entregue para as cortes Iraquianas… (riso). É… Num tem… Num tem… Essa parte… Num… Essa Parte…Veja bem, quando nós… Depois da invasão, depois da invasão nossa no Iraque, depois da deposição do Saddam Hussein, depois da formação do governo, de novo, Iraquiano, nós estamos, digamos, é… Entre aspas, nós somos convidados do governo Iraquiano, depois que o governo Iraquiano se formou de novo, para atuar dentro do país. Nós não podemos … Mesmo que nós temos 100% de presença, nós tínhamos 100% de presença, nós tavamos ajudando eles a reconstruir o país. A sovereignty, como é que chama ? A soberanidade do país. É um país soberano, o Iraque, depois que se formou de novo e elegeu o primeiro ministro, presidente, através da nossa ajuda, da formação da Constituição Iraquiana, passou a ser um país soberano. Nós não podemos chegar e falar assim, “Nós vamos fazer isso”, tanto que o… tanto o próprio Saddam Hussein, quando nós capturamos o Saddam Hussein, nós ajudamos à promotoria, mas nós não podíamos intervir nas leis Iraquianas e nos processos da Constituição Iraquiana, que nós tínhamos acabado de ajudar a montar. É um país soberano, tanto no julgamento dele, nós demos todo o acesso que nós podíamos dar, legalmente, em termos de evidência, de coisas que nós ficamos sabendo, de coisas que nós tínhamos. Quando ele mandou… é…  mandou matar os curdos, lá através de armas químicas, lá no norte do Iraque, em 1991, depois da The Golf War, da primeira invasão da Guerra do Golfo. Ele matou mais de cem mil curdos, mulheres, crianças, porque ele não gostava dos curdos, como não gostava dos xiitas, ele era sunita, né. Então, é… Mas, nós não podemos interferir nisso, nós temos…nós temos legalmente, tem um processo enorme de legalização, em termos de capturar alguém, interrogar, mas depois da interrogação, e nós falamos, “Nós temos aquilo que nós precisamos para alcançar o objetivo x, que nós estamos atrás”. Nós não temos mais posições legais de falar o que nós poderíamos realmente fazer por ele, é… Ele é um produto que pertence ao estado do Iraque.

Ivan: E você tem ideia do que o Estado do Iraque fez com ele?

Francesco: Não. Não, mesmo porque é meio difícil pra um interrogador, depois que você desenvolve uma amizade grande, e que você viu, que você realmente quebrou o cara. Quando eu falo quebrar, é… Você tirou todas as guardas dele e ele se abriu com você. Mesmo com o passado dele, mesmo com tudo isso, nós sentíamos que ele estava sendo sincero naquilo que ele queria mudar, entendeu. E… então, você tem que ser como interrogador também, como, né, gerador de fontes humanas. Você tem que ser uma pessoa. Vou falar… Vou usar essa palavra, porque você tem que ser assim mesmo. Você tem que ser uma pessoa fria. Você tem que tirar todas as emoções de lado, esquecer de tudo aquilo que aconteceu e partir pra próxima interrogação. Por quê? Porque a tendência nossa, de ser humano, é tentar, principalmente se você tem algo, que você acredite, que a pessoa tenha um processo de reabilitação, você queira que essa pessoa passe por isso, e que nós notamos nessa pessoa. É… Você não pode se deixar levar e ficar pensando se ele foi enforcado, se ele foi fuzilado, se ele nem foi julgado pelo Iraque. É… Simplesmente cê fecha o livro e muda pra outra, entendeu. E é a mesma coisa com a criação de fontes, né, quando você tem uma fonte, e você recebe uma ordem pra você acabar com aquela fonte, quando eu falo acabar, assim, cortar relação, é… Aquele momento às vezes é difícil, porque você já se envolveu com a fonte, no sentido de conhecer a mãe, conhecer a família, conhecer mulher, filhos, entendeu ? Mas se aquela fonte perde aquelas duas coisas que eu falei pra você, acesso e posição, e você sabe que aquela fonte fez muita coisa positiva pra você, mas você recebe ordens que não mais, aquela fonte está trazendo aquilo que nós precisamos. É… negócio, é como um negócio, se você está produzindo um produto que é importante pra minha companhia, mas você para de produzir, eu não posso viver da sua amizade (Pausa breve), entendeu?. Então nós temos que cortar, e um dia você pode acordar e nunca mais ver aquela pessoa. E você sabe, às vezes, que a sua ausência vai colocar em perigo a família dele. Porque, quando você… diferente da interrogação, quando você, é… Quando você gera fontes, e principalmente quando você gera fonte por você mesmo, não que você doa uma fonte de alguém, mas quando você gera fontes, você, por lei, pela nossa lei, dentro das nossas regras, nós somos responsáveis pela segurança daquela fonte, entendeu? Às vezes, o cara pode tá com a melhor informação do mundo, que vai levar em questão de horas ao strike de um cara, que a gente tá procurando há um ano, mas se aquela informação, para chegar em você através dele, vai custar, quase que com certeza, a vida dele, depois que ele te der a informação, ou alguém da família dele, você corta tudo. Você tem que ter essa parte dessa ética. Que não, ele não pode fazer isso, por causa disso, e você, nós não vamos chamar ele aqui hoje, nós não vamos encontrar com ele, porque tem vários jeitos de você clandestinamente encontrar com as pessoas, isso é uma coisa nossa, do nosso treinamento, se você sentir que alguma coisa não vai dar certo, você simplesmente aborta aquele negócio. Então, quando você… Falam pra você cortar o relacionamento com aquela pessoa, você sabe que aquilo que você está providenciando àquela pessoa, de segurança, de cautela, vai por água abaixo, ele não tem mais aquela proteção nossa.

Ivan: Mas você, como interrogador, é… Você alguma vez teve curiosidade de saber o que aconteceu com alguém que você teve que cortar relações depois? Você correu atrás de algum caso assim?

Francesco: Não. Porque… Foi o que eu falei, alguns que fizeram isso ficaram afetados depois, e tiveram problemas com a performance deles depois.

Ivan: Você conheceu alguém que passou por isso?

Francesco: Conheci.

Ivan: O que aconteceu com a pessoa?

Francesco: Simplesmente perdeu o foco de interrogar, ou simplesmente não quis mais fazer isso, ou simplesmente achou que… colocou em dúvida, questionamento, que é uma coisa natural, mas é uma coisa nossa, não tem outra forma, que… aquilo que a gente fala não passa de uma mentira para aquela pessoa. Mas ao mesmo tempo é o que eu falei, nós estamos lidando com terroristas, que estão ali por causa que, no começo, têm uma ideia… já mataram muitos, e tem uma ideia de continuar matando. Eu já tive cara que chegou pra mim e falou “se eu tiver oportunidade de sair daqui agora, hoje, e te encontrar, e te caçar, você vai ser o primeiro que eu vou matar”. Então, o processo de reabilitação é uma coisa assim, muito utópica, ainda. É uma coisa que muitos também falam muita coisa e são bonzinhos na hora, na frente, mas quando você sente a sinceridade da pessoa, você sabe que tem aquele… aquela possibilidade de uma reabilitação. Mas a partir do momento em que… é entregue pras autoridades, tanto a polícia, tanto… no Afeganistão, né, no Afeganistão ainda é… idade primata, você… o maior medo de um terrorista capturado é ser entregue pra polícia do Afeganistão, entendeu? Mas isso nós não podemos evitar, porque a partir do momento que nós conseguimos aquilo que nós conseguimos da pessoa, e nós temos a informação que é tanto pra salvar vidas nossas, de nossos… das nossas pessoas, tanto vidas civis, de crianças inocentes afegãs, ou iraquianas, ou quem quer que seja. A partir daquele relacionamento, quando você conseguiu o que você precisa, é… e aquela pessoa não tem mais a função, você não pode… é o que eu falei, infelizmente nós não podemos, legalmente, mudar o status daquela pessoa mais. Aquela pessoa foi, se colocou numa atividade terrorista, a partir do momento que você é terrorista, não existe ex-terrorista, né? (risos) Não existe ex-terrorista. Uma vez terrorista, você é terrorista.

Ivan: Sim.

Francesco: Entendeu?

Ivan: Aham. Mas você… você… deixa eu ver como é que eu faço essa pergunta. Voc… o que você gostaria que tivesse acontecido com… seja esse cara ou outros caras… esse cara em específico, o que você espera que… o que você torce pra que tenha acontecido com ele?

Francesco: Eu torço de que ele, é… não… espero, né, na situação dele é meio difícil. Mas, é… não fosse condenado à morte, e que ele fosse colocado num sistema de reabilitação, que nem existe, como eu falei pra você, né, na Arábia Saudita. Ah… e lá, sendo reabilitado, cumprindo a sentença dele. Mas que… por exemplo, existissem… existem programas onde através da oportunidade que nós discutimos, ah… de que ele escrevesse um livro, como existe um livro que eu tenho aqui, que eu já li, de vários ex… suicidas, né, bombas suicidas que falharam no… na execução do… do projeto deles, né, através do Al-Qaeda, principalmente Al-Qaeda, ah… e depois eles perceberam que eles foram manipulados pelo Al-Qaeda. E hoje eles estão desfigurados, né, porque tentaram se explodir ou explodiu e não morreu… e eles estão nesses centros de reabilitação. E hoje eles falam a… a hipocrisia, a respeito da hipocrisia, a respeito da mentira, de tudo, essa ideologia terrorista que o Al-Qaeda, que o… ISIS, no momento agora, passa, né, para as pessoas. E recruta, né, porque eles são recrutadores de pessoas que tem… pouco futuro na vida, são… o Al-Qaeda e o ISIS, eles projetam o recrutamento deles baseado em pessoas, principalmente adolescentes, que não tem uma perspectiva de vida, assim, “O que vai ser do meu futuro amanhã?”, não tem estudo, não tem nada, não consegue ganhar dinheiro, não tem… eles são… eles são recrutados através de um princípio religioso onde eles usam toda a retórica deles em relação ao imperialismo do… do Ocidente, e são criados, né, eles formam assim… eles tem uma… perspectiva de uma família, dentro do Al-Qaeda, dentro do ISIS, e essa família passa a ser tudo pra eles. Mas essa família que eles pensam que eles tem é uma ilusão, porque essa… o grupo… o topo do Al-Qaeda, do ISIS, simplesmente quer usar essas pessoas para aquilo… para os benefícios políticos deles, ideológicos, deles. Então, o que eu gostaria que acontecesse com esse cara, realmente, é que ele poderia se… ter escrito esse livro, que ele pudesse ter se projetado e pudesse passar a dar palestras, ah… para até… grupos de jovens que você pode identificar, antes de se perderem, né, na… no dia a dia de não ter uma perspectiva de vida e futuro por causa de vários fatores políticos e econômicos do país, e não se juntem à ideologia… ao recrutamento desses grupos terroristas.

Ivan: Ele fica como exemplo positivo, digamos assim, né?

Francesco: Exato, exato, exato. Eu gostaria que fosse usado como exemplo positivo, porque nós sentimos que… tanto nos relatórios que a gente escreve, você escreve a sua opinião pessoal, né, o que você acha, no relatório desse detento. E… com o desenvolver do nosso relacionamento, não só eu, mas outros também escreveram, eu escrevi que… eu achava que ele estava sendo sincero na… na mudança de percepção dele em relação ao que ele foi, ao que ele tinha feito. E desde que ele começou a conversar com a gente, as informações que ele passou, informações que levaram à captura do líder espiritual, do Zarqawi. Nós capturamos ele, mas nós os colocamos numa posição de, é… informante, entendeu? Porque nós precisávamos dele na rua, se encontrando com o Zarqawi ainda, pra poder passar todas as informações pra depois pegar o Zarqawi. Então, nós conseguimos chegar no líder espiritual, que era o único meio de chegar no Zarqawi, que era o alvo número 1 mundial nosso, além do Bin Laden. Era o Zarqawi, porque o Zarqawi era o representativo do Al-Qaeda no Iraque.

(FADE IN E FADE OUT DE TRILHA SONORA)

Ivan (narração): Apesar de ser uma pessoa plena em suas convicções, a guerra deixou marcas profundas no Francesco. Mas ele só as sentia quando estava longe do campo de batalha.

Francesco: É… PTSD

Ivan (narração): PTSD, em português, é “estresse pós-traumático”, também conhecido entre soldados como “pós-guerra”.

Francesco: …ele não começa e termina, entendeu, ele vem… você… a primeira vez foi muito difícil, 2005, foi logo depois de Fallujah. Exatamente isso, depois de Fallujah, eu achava que era um Superman, né, cheguei em casa depois de quatro meses é… textbook, coisa assim, né, de… livro de psicologia.

(EFEITO SONORO: UM TOM DE IMPACTO)

Francesco: Não conseguia sair de casa sem ter alguém. Levar minha filha na escola e… agito de parar pra deixar ela na escola, tanta gente na rua ali na… na saída da… na entrada da escola… eu sempre achava que alguém ia pular no carro e ia se explodir.

(EFEITO SONORO: UM TOM GRAVE)

Francesco: Eu tava numa rua deserta, sem movimento, achava que tava muito quieto aquilo, por quê? Porque uma das características muito grandes num ataque… principalmente no Iraque, não no Afeganistão, lembra que o Iraque é uma guerra urbana, né. O Iraque é urbano, comparado com o Afeganistão. Então, quando você via comércio fechado, tudo quieto, ninguém na rua, pode ter certeza, se prepara, alguma coisa vai acontecer. É indicativa porque… obviamente os comerciantes recebiam a dica, “Vai acontecer isso assim e assim, fecha tudo”, entendeu? Então às vezes eu passava numa rua deserta… quando eu falo deserta é assim, rua residencial mesmo. Meu, me dava um pânico, e eu começava a olhar pra tudo quanto é lado, e queria sair de lá rapidinho, e começava a suar frio e… e querendo chegar em casa logo. Mas eu chegava em casa e… e aí, a paranoia começa, né, trancar porta, fechar tudo, janela, persiana, é… botar faca… faca que eu falo é faca grande, do meu lado, dormir com meu cachorro pastor alemão do meu lado, é… dormir na cama com a faca embaixo do… do travesseiro e… acordar no meio da noite e a minha ex-esposa ver a faca comigo e se aloprar totalmente.

(EFEITO SONORO: UM TOM GRAVE)

Francesco: Entrar num supermercado, entrar numa… num corredor do supermercado, e se viesse alguém que eu não conhecesse, eu já começava a ficar… tipo assim, já chegou a passar pela minha cabeça até momentos, assim, me preparar que se aquele cara passasse por mim, fizesse alguma coisa, como que eu ia atacar o cara, como que eu ia matar o cara. Sabe, assim, “Se ele fizer tal coisa, eu vou grudar no pescoço, vou enfiar a cabeça dele no chão, vou sufocar”. É umas coisas loucas porque a gente é treinado pra… pra combate, né, de artes marciais lá, que a gente tinha o nosso próprio, é… mixed martial… mixed martial arts. E… então esse tipo de coisas começaram a acumular, meu, e eu não sabia como lidar com isso, comecei a perder a cabeça, comecei a pensar que eu não tava conseguindo saber quem eu era mais, você perde a sua identidade.

(EFEITO SONORO: UM TOM GRAVE)

Francesco: Ninguém consegue entender, né, porque é uma coisa que nem você consegue explicar, muito menos a pessoa que não tem consegue entender. Aí, começou né, esse PTSD. Aí, você teve um acesso maior aos psicólogos na base. Aí, começa a se… eu comecei a entender o que era, você tem que fazer um tratamento muito grande, muito longo. Aí, eu melhorei, me senti bem pra caramba agora, voltei pro Iraque, 2007. Voltei de novo pra casa, achava, “Ah, isso aí nunca vai acontecer comigo, agora eu tô bem”. Pelo contrário. O PTSD, eu comparo o PTSD que nem um… álcool, alcoolismo. As pessoas perguntam, falam, “O que é o PTSD?”, eu falo assim, é a mesma coisa de você ser alcoólatra. Nunca vai sair do seu corpo. Nunca vai sair da sua mente. Se você tomar um pingo de álcool, você volta ao alcoolismo de novo. O PTSD também nunca sai de você, só que você tem que aprender a gerenciar o PTSD e saber quais são os momentos que são os gatilhos, né, os triggers, só que para que você fique um expert nisso, você vai encontrar o diabo no fundo do poço escuro e olhar na cara dele, porque só você fazendo isso é que você vai aprender quais que são as coisas que te fazem, é… sair do controle, ou fazer um trigger. Trigger é engatilhar alguma coisa.

(EFEITO SONORO: UM TOM GRAVE)

Francesco: Todas as vezes que eu tive PTSD, que foram três episódios diferentes, as reações e as… os sintomas são iguais, mas como eles chegaram a mim foram os três diferentes, e cada um levou mais tempo de ser curado do que o outro que passou. Eu lembro que, em 2005, levou uns três meses, quatro meses, eu tava de volta ao normal, tudo tranquilo. 2007, seis, sete meses. 2012 ou 2013, um ano.

(EFEITO SONORO: UM TOM GRAVE)

Francesco: E… meu, 2012 ou 2013, eu pensei que eu ia morrer, cara, porque o tempo tava passando, eu já tinha passado por dois episódios, e eu falava, meu, eu não sou mais aquela pessoa que gosta de malhar, é… você perde toda… o PTSD, como qualquer outra… né, doença psíquica que te afeta nesse sentido, em relação a combate, tudo, que você não sabe que tá chegando em você, o que causa? Qual que é o efeito colateral pior, total? Depressão. O PTSD não mata, depressão mata. E a depressão é um efeito colateral que pode ter certeza que vai te pegar, tanto que os maiores suicídios que nós temos, que são 22 por dia, de veteranos, não é por causa do PTSD, é por causa da depressão que causa no PTSD.

Ivan: São 22 por dia?

Francesco: 22 por dia.

(EFEITO SONORO: UM TOM GRAVE)

Francesco: Então, eu virei uma enciclopédia no PTSD também (risos). Nem imaginava que eu ia. Hoje eu dou risada e tudo. Mas, meu, foram os… os… as únicas coisas positivas do PTSD pra mim foram que cada vez que eu saí do PTSD, e me recuperei, você aprende uma coisa a mais a respeito de você, quem você é, e como você pensa, que tudo aquilo que você achava que você era, você não é.

Ivan: Você… chegou a contemplar suicídio?

Francesco: Não, nunca. Mas eu… muitas vezes ia dormir… porque você perde totalmente a noção, você não consegue sair de… pensa bem, você não consegue sair de casa, você não consegue mais fazer as coisas que você tem vontade de fazer, obviamente todas relacionadas a sair de casa, malhar, correr, andar, passear, ir ao cinema, fazer compra. Você não é mais um… você não é mais independente, você é um escravo da sua própria mente. Meu, eu tinha momentos que eu tentava levantar da cama pra fazer barba e não conseguia. Não conseguia. Então, você passa… você passa a não ter vida, você não tem independência mais, você passa a ser um… você passa a ser um refém da sua mente. E você fala assim, “Como que eu posso ser refém da minha mente, sendo que eu tento controlar a minha mente?”. Aí é que tá o problema, ninguém controla a sua própria mente, você pode ter desejos, um certo controle, mas nunca, a gente não sabe o que tá na nossa mente, a mente é uma coisa ainda muito desconhecida. Mas… quando você perde tudo isso, eu nunca pensei em me suicidar, mas… terminar tudo… mas muitas vezes eu ia dei… ia deitar, eu nem saía da cama, como é que eu ia deitar (risos)… eu dormia e imaginava assim, “Puts… se amanhã… se amanhã… tomara que exista uma explosão nuclear, porque se acabar o mundo amanhã, puta delícia, acabou”.

Ivan: Uhum, sim. Digamos que, se você fosse morto, você ia achar isso bom. Você não queria se matar, mas se matasse… se morresse não seria algo ruim.

Francesco: Exatamente. Se eu… se eu saísse na rua e tomasse um tiro por causa de uma bala perdida, eu falava, “Puts, beleza”.

Ivan: Uhum. Você… teve pesadelos?

Francesco: Não. Ah… pesadelos é uma… um trigger, digamos, um trigger que nunca me afetou. É… eu já tive imagens, nem chamo pesadelos, porque eu acordava, eu sonhava com combate, mas não me afetava. O que realmente me afetava são essas coisas de estar sozinho, estar em lugar, assim, que eu me sentia vulnerável. Isso, é óbvio, hoje eu entendo, depois de muitos anos, porque todas as missões que você faz, você não sabe onde é que tá o inimigo, né. Tanto no Iraque quanto no Afeganistão, nós não temos um inimigo distinto, o cara que tá abrindo uma loja do seu lado ali pode ser um Talibã, pode ser um Al-Qaeda, ele só tá esperando a oportunidade perfeita pra te pegar. Então, você não tem um inimigo uniformizado… por exemplo, Segunda Guerra Mundial, nós sabemos quem são os alemães, nós sabemos quem são os japoneses, nós sabemos quem são os italianos, nós sabemos, eles tem um uniforme, um distintivo, eles tem uma patente, você sabe quem é. Aquilo é uma guerra convencional, isso aqui não, isso aqui é uma guerra assimétrica, uma guerra que não tem… é… assimétrica, é uma guerra de guerrilha, você não… o inimigo pode ser um cara que de noite é seu inimigo e de dia é um informante seu.

(EFEITO SONORO: cessar súbito de trilha sonora alta)

Ivan: Você acha que… que foi isso que atrapalhou seu segundo casamento… o seu primeiro casamento, ou foram outras coisas?

Francesco: Sim, sim, sim, sim, sim. Ah… isso completamente selou… três episódios em dez anos… simplesmente sela tudo, né, porque… ah… ela passou a viver o PTSD também. Dormir e morar com alguém que tem PTSD, é… imagina acordar três, quatro vezes no meio da noite com faca na mão e checar a casa inteira, se a porta tá trancada, se as meninas tão bem, se a janela… se alguém tá lá fora. Meu, é… assim, é via… você não acredita, mas é viagem assim, que a gente pode sentar e conversar durante horas, e eu enceno pra você o que eu fazia, coisa assim que, é… por exemplo, se você olhar, você fala assim, “Puta, nossa”, não sei (risos), “O cara tá pirado”. Você tá pirado, você é um pirado consciente. Só que você não consegue se livrar dessas… desses impulsos, entendeu?

Ivan: Você se sente mal por causa disso?

Francesco: Não, porque, eu falei pra você que o… a cada vez que eu saí do… de um PTSD, eu descobri coisas de quem eu sou, e de quem é a minha pessoa, de que… se eu não tivesse passado por ele, eu não saberia quem eu seria.

Ivan: É… mas eu digo mais em relação a como isso afetou sua ex-mulher, suas filhas, de repente…

Francesco: Não, também não, também não. As meninas não foram muito afetadas. Também não tenho problema nenhum do casamento ter acabado, eu que terminei o casamento, porque… era um constante… eu não conseguia viver mais com ela lembrando os últimos dez anos da minha vida, entendeu?

Ivan: Por quê?

Francesco: Ah… é muito… muito complicado pra tentar re… é… reenganjar de novo, dentro das… dos parâmetros normais, de uma vida normal, como a pessoa que você viveu uma época assim. Olha o exemplo do Chris Kyle, ah… o Chris Kyle resolver parar, e salvar o casamento dele, com dez anos dentro do Navy, porque ele passou por tudo aquilo, certo? Ele optou em parar antes que piorasse, porque aí acabava o negócio. Eu não optei isso. Em 2005, quando eu tive o primeiro episódio, eu continuei. Então, aquilo é a mesma coisa que você… pra mim era o seguinte, eu tinha… eu tinha, eu tinha que começar tudo do zero em relação à minha vida à dois, ou sozinho, ou recomeçar. Eu tinha que começar tudo do zero, não tinha como eu resgatar, é… todos os acontecimentos dos últimos dez anos, com relação ao meu casamento. Seria sempre um lembrete dos momentos ruins que eu não quero mais… que nem passa pela minha cabeça, de me lembrar. Mas infelizmente, ela… e não é culpa dela, e nós temos um relacionamento absolutamente fenomenal de amigos, nunca tivemos nenhum problema com nada, desde o dia um do divórcio, nada, nada, nada, nada, nada. Mas ela me… ela é um lembrete da… de todo tempo, de toda… e tem outra, ela desenvolveu certas características, e certos hábitos, que… passaram… ela também tem um secondsecond effect, né, um efeito segundo, secundário, de PTSD. Então, ela passou a desenvolver… passou a desenvolver uma personalidade que não é mais a mesma pessoa com quem eu estava. Porque ela foi afetada, é afetada, as pessoas são afetadas, não tem como você viver com uma pessoa que tem PTSD e você não ser afetado, impossível. Impossível, entendeu? Então, eu já não tinha mais como, é… resgatar, e começar do zero… começar não, re… re-engage, né, re… reeganjar de novo, a esforços de querer entrar num denominador comum pra viver uma vida a dois, depois de tudo o que aconteceu. Não dá, é difícil, é muito difícil, por isso que muitos casamentos acabam. É… você tem que começar do zero, você tem que começar com cabeça limpa, com pessoas diferentes, com… tudo diferente.

Ivan: E se o Francesco de hoje pudesse voltar numa máquina do tempo, ah… e conversar com o Francesco lá atrás, assim, que tava começando a casar, cheio de sonhos… acredito que quando você foi pra suas missões você tinha toda uma vida planejada, também, com sua ex-exposa, com suas filhas… você diria pra ele o quê?

Francesco: Ah… Isso lá atrás, no começo da carreira?

Ivan: No começo da carreira.

Francesco: Eu diria pra ele que, em vez de ter vindo pros Estados Unidos com 21, eu teria vindo pra cá com 17, 18, pra começar da mesma forma, mais cedo.

Ivan: Não se arrepende de nada, nada mesmo?

Francesco: Zero. Zero. Hoje, eu me arrependo de uma coisa só, que eu não tenho 25 anos mais novo pra mim, me recomeçar tudo de novo.

(FADE IN E FADE OUT DE TRILHA SONORA)

Ivan: Você acredita em paz, Francesco?

Francesco: Em paz, em sentido de… De combate, guerra, de paz mundial?

Ivan: Sim.

Francesco: Eu acredito que seria uma coisa interessante de acontecer, mas não acredito que acontecerá jamais, na história da vida humana. Portanto, você, como professor de História, pode olhar… Pode olhar em todas as épocas e todas as eras históricas, e você vai ver que o mundo foi formado fora da paz. Que foram poucos, poucos os períodos, né, pacíficos. E nesses períodos pacíficos, muitas nações, ou muitos grupos, ou muitas… De acordo com a era, estavam se preparando pra o quê? Pra guerra. Eu acredito que a única forma de manter a paz, infelizmente, é se preparar pra guerra. Por quê? Porque o homem é muito egoísta. O homem é movido por ambição, por ganância, religião e território. Religião e território, um não vive sem o outro. É uma relação simbiótica. Então, eu acho que muitos usam território pra proclamar religião, e muitos usam religião pra proclamar território. E com isso, não tem como você evitar a guerra.

Ivan: Mas não estamos nos tempos mais pacíficos e que pensar daqui a 500 anos, de repente, pode mudar?

Francesco: 500? (ele gagueja, em surpresa) Eu que vou fazer uma pergunta pra você, agora (ambos riem).

Ivan: Ná… eu que sou o entrevistador aqui… (mais risos de ambos)

Francesco: A minha resposta vai ser através de uma pergunta pra você.

Ivan: Tudo bem.

Francesco: Quando… Quantos anos você tem?

Ivan: Eu tenho 32.

Francesco: Então, quando que você, com… Vai, 15 anos atrás, estaria imaginando de que um grupo como o ISIS estaria fazendo o que faz com a humanidade, hoje? Entendeu? Assim, eu… Eu, particularmente, em 1991, quando cheguei nos Estados unidos, jamais imaginaria que… Que a gente ia lutar contra a Rússia de novo. Imaginaria que alguma… You know, Coreia, na Coreia do Norte, alguma coisa vai estourar. Mas, meu, um barbarismo e uma ideologia e esses caras na Europa, saindo da Europa e indo se recrutar no ISIS, e essa loucura barbárica de decapitação, de queimar vivo? Quando, no século 21, onde eu e você tamo falando aqui por via Skype, fazendo uma entrevista que jamais, há 15 anos atrás, era possível. Hoje, a tecnologia é tão sofisticada, o homem, tão avançado. Quando você imaginaria que tudo isso ia voltar numa forma barbárica desse jeito? (Breve silêncio) Acho que ninguém, né? Pra mim, eu que vivo isso todos os dias, no meu trabalho e na minha carreira que eu vivi, é impossível qualquer pessoa me convencer, porque eu tenho informações e sei de coisas que a mídia, normalmente, não sabe, que vocês não sabem. E eu falo, é impossível alguém tentar me convencer que existe uma paz tão próxima. E se você olha no mundo, hoje, Rússia, Israel, Palestina, Coreia do Norte, ISIS, Síria… Meu, você vai ter que apontar um local no mundo onde, realmente, você fala assim, “Não, eu vou praquele local e sei que nada vai acontecer comigo, tá tudo tranquilo, não tem nenhuma…” É praticamente impossível, tem… Tudo isso tá afetando o mundo inteiro.

Ivan: Se eu te chamar, então, de um pessimista, você aceita?

Francesco: Aceito (ambos riem). Eu acredito que… Eu acredito que o sinônimo de um pessimista, hoje, é um realista (Ivan ri).

Ivan: Certo. Mas não te incomoda de você ser chamado de pessimista, de você não se ver como uma pessoa otimista…

Francesco: Nenhum… Não. Nenhum. E também não discuto com quem acha que a paz está pra ser alcançada. Só que… Empiricamente, você vendo, estudando e analisando… Porque eu falei, pegue todas as eras do mundo e fale pra mim em que momento o mundo foi construído em paz. Em que momento as civilizações foram construídas em paz? Não existe. Não existe. Não existe alguém falando assim, “Meu, nós vamos entrar em paz aqui, a paz estará aqui pra sempre, nós vamos… Nós construímos essa nação em paz”. Toda nação, toda civilização, até hoje, todos os conflitos… É, todos os conflitos… Todos os desenvolvimentos políticos, econômicos têm o quê? Preparação bélica por trás disso. Então, é difícil. Quando as pessoas falam pra mim que guerra traz mais guerra, eu falo, num é… Guerra traz mais guerra… Não… Só quem não… Por isso que eu falo, a pessoa não entende de História, e eu e você somos meio difícil de falar isso, porque nós gostamos de História, naturalmente. Mas eu falo, a pessoa que não entende de História, a pessoa que não estuda um pouco e entende a cronologia histórica das civilizações, não vai poder chegar e achar que paz é alcançável. Não tem, é difícil. Acho que nós vivemos momentos, assim, menos violentos. Mas paz, pura paz, eu acho que n… Eu acho que é uma utopia.

(FADE IN E FADE OUT DE TRILHA SONORA)

Ivan: Última pergunta, então. Sobre, é… Sobre os muçulmanos, em geral. Você sente que tua vis… Como é que ficou a sua visão sobre os muçulmanos, em geral? Como é que era teu contato antes e depois?

Francesco: É, volto… Volto a falar a mesma coisa em relação à percepção e à falta de instrução, né, ignorância do povo. Nós podemos citar… Eu posso citar aqui, pra você, agora, no momento, campos que chama-se Jesus Camps. No centro… No meio-oeste americano, onde a visão de morrer por Jesus é a mesma do muçulmano fanático de morrer por Maomé, ou por Alá. Então, o Corão, ele é, no geral, um livro que tem muitas passagens que tem uma interpretação muito subjetiva. O que aconteceu? Com essa ramificação do… Você pega o protestante e o católico, com exceção, há muitos anos, do norte da Irlanda, o católico e o protestante não conseguem viver bem. Mas, no resto do mundo… Isso por causa de uma coisa política. Mas, no resto do mundo, você pega um católico e um protestante, eles vivem em paz. Não tem nem separação de um ser amigo do outro. Você pega um xiita e um sunita, eles não podem se ver. Correto? Então, você já vê a separação e as ramificações do Islamismo. Então, o Islamismo é uma religião extremamente ramificada, com várias posições de extremamente extremismo. Até pacifismo total, como… Esqueci o nome de um grupo lá, que eles são considerados até misticistas…

Ivan: Os Sufis…

Francesco: Sufistas, é. Sufista. Sufis, exatamente. Então, você pega esses, aí você pega um salafista e um wahhabi, que são, assim, meu, se você não… Se você imaginar e nem… Rezar uma vez por dia, uma das cinco rezas, vão cortar sua cabeça. Então, você vê a distinção e as ramificações. O grande problema que eu vejo no Islamismo é o fato de que, por ser uma religião tão subjetiva, é que você tem pessoas como intelectuais islâmicos vinculadas ao idealismo do Islã querendo manipular as massas. Porque muito são ignorantes ainda. Você pega uma população do Afeganistão, e aí já é outro papo de nós… Né, por exemplo, interrogação. Eu interroguei cara que se chamava Imã, né, ou líder de igreja, líder de mesquita. Aí, você perguntava pra ele, “Quais são os cinco pilares do Islã?” Ele olhava pra mim como se eu fosse um Aline… Um extraterrestre. Pô, os cinco pilares do Islã, qualquer pessoa sabe. São coisas básicas, mas… Ou seja, ele se chama de Imã, Del… De líder de mesquita, porque ele foi… O avô era, o pai era, agora ele é. Mas ele não sabe nem ler. Quer dizer, ele sabe ler o Corão, né… Não sabe nem ler, decorou o corão, às vezes, através de escutar alguém falando. Mas alguém pregou pra ele uma coisa que ele tá repassando, que não tem nada a ver com o Corão. Entendeu? Isso você vê muito no Afeganistão. Cara que não tem base nenhuma pra ser líder espiritual, o cara não sabe nem ler nem escrever, e é líder espiritual. Não sabe nem o que o Corão tá falando. Então, o grande problema do Islamismo, em comparação com outras religiões, que eu falo, é que, por exemplo, o Islamismo, não existe ninguém que fique de pé e fale, mesmo os cultos, né… Os líderes do Islã, aqui nos Estados Unidos, por exemplo, que fiquem de pé e falem, isso tá errado, isso tá errado, isso tá errado. Porque, se eles fizerem isso, o que acontece? Eles são jurados de morte pelos extremistas. Então, como que você pode… é… agora, no contexto que existe, que foi tão distorcido o Islamismo, como você pode falar que o Islamismo é uma religião de paz, onde líderes dos conhecimentos profundos, da parte boa do Islã, não podem opinar as vozes deles? Entendeu? Eu sei quem é radical e quem não é, e eu não tenho nem nada contra um muçulmano, pelo contrário, eu tenho amigos que são muçulmanos. E você vê a diferença da categoria intelectual dos intelectuais muçulmanos. Agora, você tem que lembrar de uma coisa, você pega um moleque de 19 anos de idade, que saiu lá da cidadezinha do canto do northeast do Kentucky e nem inglês direito ele sabe falar, ele se alista nos Marines e ele vai lutar. Quando ele chega lá, a única coisa que ele escuta é que o Islã está cortando a cabeça de todo mundo, nem inglês direito ele fala, o que você acha que ele vai pensar do Islã? Ele vai achar que todo muçulmano é assassino. Aí que está o problema, mais uma vez, o problema… até aqui nós temos problema de educação. E eu sempre falava, “Meu, antes de vocês falarem qualquer coisa do Islã ou de qualquer outra religião, qualquer outro tipo de povo, ou qualquer costume dos povos que a gente está ali enfrentando, você tem que… você está na casa dos caras, mesmo inimigos, você tem que entender a cultura dele, meu. Se não, você não vai conseguir o que você quer deles”.

Ivan: Ainda mais uma cultura diversificada, né? Que nem… Não se resume só aos xiitas e os sunitas, né? Então….

Francesco: Nossa! É uma cultura milenar, que tem influências em… Nós, os Estados Unidos, somos, assim, um feto, comparado com a idade dessas culturas. E o sistema tribal, então, tem muita complexidade. E é o que eu estou falando, você pega o moleque de 19 anos de idade, 21, 22 anos, que saiu da cidadezinha lá não sei de onde do Missouri ou de North Dakota, e o cara vai para um Afeganistão, para um Iraque, e a única coisa que o cara sabe sobre o Islã é que eles estão decapitando um ao outro. Aí, ele chega aqui nos Estados Unidos e ele conhece um cara que é muçulmano, e ele vai querer dar porrada no cara, entendeu? Então, falta muito ainda, muita educação…é um problema social. Então, eu, particularmente, eu sei basicamente todas… eu conheço os ramos do Islamismo e eu sei que, como tem cristãos que são excelentes e pregam as palavras cristãs, tem também muçulmanos que são excelentes e procuram a paz. Contudo, todas as passagens do Corão têm muita, é muito sujeito à subjetividade das pessoas para manipular as outras, entendeu? Por exemplo, ataque suicida, tem cara que já distorceu, o suicídio é condenado em qualquer religião, tanto no Islamismo. Mas tem algumas passagens no Corão que deixa aberto para interpretação. O que faz o Bin Laden e outros tantos? Se você se suicidar e matar um infiel, não é contra as leis do Corão… Mentira! Suicídio é contra as leis do Corão.

(FADE IN E FADE OUT DE TRILHA SONORA)

Ivan (narração): A entrevista que fiz com Francesco foi uma das mais longas e mais difíceis que já fiz na minha vida. Se por um lado foi uma experiência única poder conversar com um brasileiro que esteve numa guerra recente, algo quase inexistente no Brasil, ao mesmo tempo, foi bastante chocante perceber que a realidade das recentes guerras no Oriente Médio é muito mais complexa, quando olhadas de perto. E eu, como um pacifista, me incomodava toda vez que ele falava sobre como não sentir remorso por mortes que tinha causado. E você talvez tenha sentido esse meu desconforto na entrevista. E também seria muito fácil apenas colocar o Francesco como alguém que tem um complexo de Rambo, que sempre teve um desejo por sangue.  Durante as cinco horas que conversamos, eu ainda indaguei ele sobre ataques a civis dos Estados Unidos no Vietnã, bombas atômicas no Japão. Em todas as vezes, a questão se resumia em “é a realidade da guerra”.

(FADE IN E FADE OUT DE TRILHA SONORA)

Ivan (narração): Eu permaneço crítico de muitas ações das Forças Armadas dos Estados Unidos. Continuo sendo mais simpático aos Democratas do que aos Republicanos, que é preferência política do Francesco. E mesmo aos Democratas tenho uma série de críticas a fazer sobre responsabilidade de guerra, especialmente após o bombardeio que realizaram ao Hospital do Médicos Sem Fronteiras, na Síria, no dia 19 de novembro de 2015. Eu havia entrevistado Francesco alguns dias antes disso e, se pudesse, eu teria perguntado sobre isso. E que fique claro, ele se ofereceu a conversar comigo novamente, assim que eu quisesse. Só não o fiz por falta de tempo. Contudo, vou citar aqui um evento que poderá explicar melhor o meu estado de espírito atual em relação a tudo isso. Eu entrevistei o Francesco dia 8 de novembro de 2015. Menos de uma semana depois, ocorreram os atentados em Paris e ele me enviou um e-mail, alguns dias depois, demonstrando sua frustração com a aparente falta de seriedade com que o mundo estaria lidando com o Autointitulado Estado islâmico. E ele citava a pergunta que eu fiz sobre se ele acreditava num mundo de paz. E elencou os recentes ataques deste grupo terrorista que ganharam a grande mídia, e aqueles haviam sido apenas os amplamente noticiados. Até o momento, o Estado Islâmico já foi responsável por mais de 10 mil mortes, inclusive muçulmanos.

(FADE IN E FADE OUT DE TRILHA SONORA)

Ivan (narração): E ao olhar para este cenário, e tentando me imaginar como uma vítima de grupos terroristas no Iraque e Síria, por exemplo, eu acabo me deixando esquecer que o Talibã foi apoiado pelos Estados Unidos, durante a invasão Soviética, na década de 80, mesma época em que o Saddam Hussein era um aliado dos Estados Unidos. E que depois da morte de Saddam, criou-se um vácuo de poder que permitiu o fortalecimento da AlQaeda iraquiana; e que depois da morte de Zarqawi, a AlQaeda iraquiana passou a ser liderada por um psicopata ainda mais perigoso, o Al-Baghdadi, que hoje comanda o Estado Islâmico. Se eu estivesse lá, eu me permitiria esquecer tudo isso e, apenas querendo ter uma vida normal, eu torceria para pessoas como Francesco virem me salvar. E se antes eu já pensava que em guerras não existem vilões e mocinhos, agora eu apenas penso nas vítimas, sejam elas civis, sejam elas soldados. E torço para que um dia esses terroristas não existam mais. E se me perguntarem hoje o que é terrorismo, e pensando em tudo que os Estados Unidos já contribuiu no agravamento da atual situação, eu já não sei mais responder nada com segurança. Eu só quero que esse ciclo de violência acabe, mas não consigo ver mais um fim para isso, ao menos não enquanto estiver vivo. Só me resta torcer para o futuro.

(FADE IN E FADE OUT DE TRILHA SONORA)

Ivan (narração): No próximo episódio, após anos sendo cenário de guerras, os noticiários do ocidente passaram a ver um novo mundo surgindo no Oriente Médio. Em 2011, começava a Primavera Árabe.

(INÍCIO DE MONTAGEM DE CLIPES DE ÁUDIO: MATÉRIAS TELEJORNALÍSTICAS)

Fátima Bernardes: A onda de protestos que balança o governo de Gaddafi fez o mesmo com outros ditadores na África, no Oriente Médio e também o Golfo Persa. Dois deles já tiveram que abandonar seus palácios.

William Bonner: Olá. Boa tarde. Pelo horário de Brasília, são 14h55, e o Oriente Médio está vivendo hoje um dia histórico. O presidente do Egito, Hosni Mubarak renunciou.

(FIM DA MONTAGEM)

Voz 3: Então, ela foi para uma das barricadas e a repressão viu ela nas barricadas e pegou ela. E aí, pegaram ela e pegaram o cassetete e quebraram toda a mão dela, picotaram os dedos dela para ela não poder escrever. Era muito brutal, a polícia, no Egito. Morria muita gente. Não era que nem no Brasil. No Brasil, não existe grandes tradições de enfrentamento de barricadas com centenas de mortos. No Egito, tem. Tem centenas de milhares, é muito violenta a política.

Ivan (narração): Aqui, no Projeto Humanos, “O Coração do Mundo”.

(FADE IN E FADE OUT DE TRILHA SONORA)

Ivan (narração): O Projeto Humanos é um podcast que visa apresentar histórias íntimas de pessoas anônimas. Ele tornou-se possível graças à ajuda dos patrões do Anticast, que contribuem mensalmente para que nossos programas continuem acontecendo. Se você gosta do nosso trabalho e gostaria que ele continuasse, você pode contribuir através do link na postagem. Agradecimento especial a Francesco Tessitore, que me concedeu a entrevista que foi a base deste episódio e do anterior. Nos vemos no próximo programa.

(FADE IN E FADE OUT DE TRILHA SONORA)

FIM

Transcrição por Alexandre Bertoletti, Henrique Pinheiro, Eduardo Borges Brasil, Matheus Souza, Sidney Andrade, Mariana Diello. Edição por Sidney Andrade. Revisão por Geraldo Miranda