2 – Criação

23 de dezembro de 2015

Quantas vezes nos vemos obrigados a reinventar nossas vidas, mesmo que nas mais pequenas situações? Será uma criação solitária ou colaborativa? Neste segundo episódio de Crônicas, Ivan Mizanzuk apresenta três novas histórias dos nossos possíveis futuros colaboradores: Joviana Marques nos mostra como superou seu bloqueio criativo como ilustradora; Mauro Amaral nos ensina algo sobre cartas de despedida; e Lola Zola disserta sobre anatomia e rumos.

>> 0h04min10seg Ato 1: “Folhas em Branco”, de Joviana Marques
>> 0h19min08seg Ato 2: “Carta ao Pai”, de Mauro Amaral
>> 0h33min33seg Ato 3: “Uma Nova Rota”, de Lola Zola

 

Descrição da arte: ilustração feita por Joviana Marques, explorando as histórias contadas neste episódio.

Links

Jovi Artwork, página com ilustrações de Joviana Marques

Transcrição

Ivan (narração): Em dezembro de 2015, o Dave Gilmour, guitarrista e vocalista do Pink Floyd, se apresentou aqui em Curitiba. Eu que sou fã do cara desde praticamente minha vida inteira, estive lá.

(GRAVAÇÃO: VOZERIO  DO PÚBLICO DE UM SHOW. DEPOIS, OUVE-SE OS GRITOS EM CORO:“GILMOUR! GILMOUR! GILMOUR!”)

Ivan (narração): A pedreira Paulo Leminski, onde aconteceu o show, estava totalmente lotada.

(NA GRAVAÇÃO, OUVE-SE O PÚBLICO GRITANDO ENQUANTO, AO FUNDO, UMA GUITARRA TOCA)

Ivan (narração): Em um certo momento do show, ele tocou uma música que eu mais gosto do álbum Division Bell, do Pink Floyd. Ela se chama Come Back To Life, voltando a viver.

(FADE IN E FADE OUT DE TRECHO DA MÚSICA)

Ivan (narração): Mas, aparentemente, eu não era o único que gostava tanto assim dessa música.

(NA GRAVAÇÃO, ALGUÉM DO PÚBLICO CANTANDO DESAFINADAMENTE, SOBREPONDO SUA VOZ AO SHOW)

Ivan (narração): Você está lá vendo um dos artistas que você mais ama na vida e, do nada, aparece um desconhecido do teu lado, não cantando, mas berrando, totalmente desafinado, a música que você tanto ama. Quem nunca…

(NA GRAVAÇÃO, ALGUÉM DA PLATEIA CONTINUA A CANTAR DESAFINADAMENTE, ACOMPANHANDO A MÚSICA DO SHOW)

Ivan (narração): É claro, a gente fica puto no começo. Eu fiquei. Mas depois com calma, eu percebi que esse cantar berrando era uma atitude de amor. Eu sempre me surpreendo com o poder da arte nessas horas. Uma música escrita anos atrás, por alguém que mora em outro continente, que mal deve saber da minha existência, de repente diz alguma coisa que me toca de uma maneira especial aqui no Brasil. E é muito louco pensar que eu não sou o único. Naquela noite, milhares de pessoas estavam dividindo comigo aquele sentimento que eu achava que era muito singular. E de certa forma, ele é único sim, mas possui algumas ligações com aqueles em minha volta, são parecidos de alguma forma. E eu achei curioso pensar que minha experiência, naquela noite, foi única, não apenas por conta do meu sonho de ver o Gilmour, mas também por causa desse desconhecido ao meu lado, esgoelando em tentar cantar a música que tanto amava. A música ali foi recriada. E no fim, fazemos isso o tempo todo. A toda hora estamos recriando o mundo à nossa volta, especialmente as coisas que ouvimos, que vemos, que provamos, que tocamos. Não há fatos reais, apenas experiências. E que criar está muito ligado a isso, criamos novos caminhos, novas lembranças. E mesmo as memórias mais antigas são recriadas a todo instante. Então, eu sou Ivan Mizanzuk e esse é o Projeto Humanos. Histórias reais sobre pessoas reais. Enquanto não começamos nossa segunda temporada, continuamos com nossos episódios de crônicas, produzidas pelos candidatos a novos produtores de histórias. O tema do programa de hoje é “Criação”, e ele será em três atos, feito por três candidatos. E dedicamos esse episódio a esse ilustre desconhecido que cantou comigo no show do Gilmour, e a tantos outros anônimos desconhecidos que nos cercam, recriando as nossas vidas das formas mais inusitadas possíveis.

(NA GRAVAÇÃO, ALGUÉM DA PLATÉIA ACOMPANHA DESAFINADAMENTE COM A VOZ, EMPOLGANDO SE, EM SEGUIDA, COM O SOLO DE GUITARRA QUE SE SEGUE)

Ivan (narração): Ato 1, “Folhas em branco”. Não existe emprego no mundo em que não exista a necessidade de criação. Mesmo nas áreas mais braçais, há uma exigência por atitudes criativas de vez em sempre. Contudo, existe toda uma área do mercado recheada por profissionais chamados de criativos. Designers, redatores, publicitários e, como no caso da Joviana Marques, que nos traz essa história, a Ilustração. Para profissionais desse ramo, o chamado bloqueio criativo se materializa em uma forma bastante ameaçadora, uma folha vazia. Joviana nos mostra que, nessas horas, as soluções às vezes aparecem nos locais mais inusitados.

Joviana (narração): A primeira coisa que você tem que saber é que eu estava em guerra. E não era uma guerra curta, não. Estamos em dezembro de 2011, mas ao olhar o calendário me lembro de anos e mais anos de luta intensa. Todo esse tempo e eu não tinha ganhado uma única batalha contra o meu temível inimigo, folhas em branco.

FADE IN E FADE OUT DE TRILHA SONORA: MELODIA DE GUITARRA)

Joviana (narração): É isso mesmo, meras folhas brancas. Se você procurar a palavra “desistir” agora no dicionário, vai encontrar uma coisa parecida com “não continuar, não prosseguir, retratar-se, abandonar”. Era mais ou menos isso mesmo.

(FADE IN E FADE OUT DE TRILHA SONORA)

Joviana (narração): Era quase uma toalha jogada, dizendo que enfim eu iria abandonar meu posto. Eu tinha desistido, ou estava quase lá. Sentada na frente da minha mesa de desenho, fazia rabiscos rápidos com o lápis, esboçava uma garota nos cantos de uma sala, as mãos dela protegiam o rosto, enquanto o medo congelava a cena. Também desenhei cabos e fios enrolados, presos ao seu corpo. É, mas essa não era uma boa ideia. Como sempre, repito um ritual antigo, olho a folha na minha frente, amasso uma bolinha com as mãos, jogando em um lixo que já está cheio de tanta bolinha como essa. Pego uma nova folha branca, é só mais um dia tentando desenhar. Eu tinha meus vinte e dois anos, na época, mas desde os seis eu me lembro de ser assombrada por folhas assim. Folhas em branco. Quando eu era criança, eu resolvia fácil o problema. Ao invés de lápis, eu deslizava os dedos pelas folhas, como se fosse possível desenhar dessa forma. Os traços não apareciam de fato no papel, mas minha imaginação ia preenchendo os espaços percorridos. E na minha cabeça, o resultado ia se formando, exatamente do jeito que eu queria, sem frustrações. É , mas como você sabe, eu não sou mais criança e estou com uma dessas folhas brancas agora na minha frente, me encarando, em cima da mesa de desenho. Ela parece duvidar que eu vá conseguir rabiscar qualquer coisa em cima dela. Ela ganhou todas as batalhas até agora e, além do mais, minha espada, ou melhor, lápis, precisa de uns consertos depois de ficar com a ponta quebrada. Ao invés de apontador, eu peguei um cd em cima de uma pilha, na estante ao lado. Guerreiros costumam ter marchas de guerra, sabia? Eu li em algum lugar que a música é usada em situações de guerra, desde os primórdios da humanidade. A chamada música marcial. Cada tropa desenvolve um tipo pessoal de melodia que incentive os soldados, crie um sentimento de pertencimento e facilite a comunicação. Dizem que ela também ajuda a criar um foco na missão, concentrar todas as forças no cumprimento da tarefa. Não custava tentar, né.

(FADE IN E FADE OUT DE TRILHA SONORA)

Joviana (narração): O escolhido foi um álbum emprestado e nunca devolvido, de um colega dos tempos de escola. Nem me lembro de ter ouvido algum dia. Coloquei o disco dentro do computador e apertei o play do programa de música. O que saiu de lá é um pouco difícil de explicar.

(FADE IN E FADE OUT DE TRILHA SONORA: MELODIA DE PIANO)

Joviana (narração): Os primeiros acordes pareciam um rio calmo, triste, correndo para lugar nenhum. À medida que a música ia evoluindo, a melodia parecia contar um segredo, ela apertava seu coração e faz os minutos irem perdendo o sentido cronológico. Lembro de ter pensado, “quem compôs aqui não devia ter nenhum problema em encarar folhas em branco”. O nome do compositor estava lá, escrito a mão nos cantos da capa improvisada de onde eu tirei o cd, Jason Becker.

(FADE IN E FADE OUT DE TRILHA SONORA)

Joviana (narração): Entro na internet e faço uma busca com essas duas palavras, aguardando as primeiras imagens. Elas surgem e eu aperto os olhos, como se isso fosse me ajudar a decifrar o que eu estava vendo. Um homem sentado numa cadeira de rodas, com cabos e fios espetados no seu corpo. Tentei encontrar algo sobre o passado daquela figura, porque ele estava tão estático na foto, o que significava aquela quantidade de fios espalhados pelo corpo e, principalmente, como aquele cara era capaz de fazer aquela música que eu estava ouvindo? Sobre a mesa de desenho, as folhas ainda estavam lá, todas brancas, intocadas.

(FADE IN E FADE OUT DE TRILHA SONORA)

Joviana (narração): Fiz uma nova busca na internet, procurando respostas e mais imagens apareceram. E no lugar daquele homem, eu vi um menino de aproximadamente cinco anos. Ele estava carregando um violão, que se ajustava com dificuldade ao seu corpo pequeno. No entanto, ele sabia exatamente o que fazer com aquilo. Vejo um link de um vídeo no canto da tela e aperto o play. O menino parece mais velho, tem por volta dos seus doze anos, ele começa a tocar uma música com seu violão, o mesmo que ele carregava aos cinco anos, só que agora ele exibe uma expressão séria de adulto. E tal como um, começa a dedilhar notas de uma canção de Bob Dylan perfeitamente. Eu não me lembro de ter visto, alguma vez, alguma criança fazer nada parecido com aquilo. Naquela altura, eu já estava em trégua com o meu inimigo, a folha branca. Eu tinha que saber mais sobre aquela história. Então, uma data surge no topo do meu monitor, 1989. Agora, o menino já é um jovem, um adolescente, por volta dos seus dezoito anos, ele ostenta uma vasta cabeleira cacheada, calças pretas muito justas e uma camiseta tipo regata, com uma estampa de um ídolo que eu não reconheci. Estava de pé num palco, diante de uma multidão animada. Ele responde com um solo rápido e dramático, que não permite que se respire uma vez sequer.

(FADE IN E FADE OUT DE TRILHA SONORA: UM SOLO DE GUITARRA)

Joviana (narração): Então, tira um ioiô do bolso. É isso mesmo, um ioiô . Parecia impossível, mas com uma mão ele continua o braço da guitarra e continua tocando, enquanto com a outra ele joga ioiô, como se fosse a coisa mais fácil do mundo, fazer isso enquanto se tocava uma música rápida. Voltei minha atenção novamente para o campo de batalha que era minha mesa de desenho, folha amassada, lápis quebrado. E eu pensei que nunca ia conseguir lidar com aquilo tudo da maneira que aquele cara fazia. Parecia tão fácil.

(FADE IN E FADE OUT DE TRILHA SONORA: MELODIA DE VIOLÃO)

Joviana (narração): Enfim, mas eu ainda não sabia de tudo, né. E os fios, e a cadeira de rodas? continuei pesquisando e cheguei a um site onde eu encontrei a capa de uma revista antiga. A imagem do rapaz apareceu em destaque. Embaixo da foto, li a seguinte frase, “Esclerose lateral amiotrófica, o fim do prodígio Jason Becker?”

(FADE IN E FADE OUT DE TRILHA SONORA)

Joviana (narração): Me ajeitei na cadeira, rolando o cursor do mouse para baixo, para ler a matéria completa. Um monte de lápis rolou da mesa para o chão, mas eu nem percebi, só consegui olhar para a tela, que mostrava uma figura extremamente magra em uma cadeira de rodas. Era o mesmo jovem, seu rosto, no entanto, pendia para baixo, como uma bola de boliche, enquanto uma guitarra repousava em seu colo. Os textos eram pequenos, quase ilegíveis, mas eu consegui reconhecer palavras como “incurável”, “progressiva” e “fatal”. Escrevi o nome comprido da doença anunciado na revista, Esclerose Lateral Amiotrófica, cliquei no segundo resultado e um artigo apareceu. Nele, li o seguinte. “Doença que provoca perda gradual da força muscular, não se conhece a causa, não existe tratamento eficaz ou cura e a maioria dos doentes só sobrevive entre dois a cinco anos”. Voltei para a revista que anunciava o possível fim do músico e olhei a data da matéria, 1990.

(FADE IN E FADE OUT DE TRILHA SONORA)

Joviana (narração): Imaginei que o jovem cabeludo já devia estar morto, já que, com sorte, teria sobrevivido até, no máximo, uns cinco anos. Então, fiz uma nova busca, esperando encontrar o fim daquela história, notícias sobre sua morte ou algo do tipo. Mas o que eu vi foi uma coisa bem diferente. Não havia mais plateia, é fato. Nem violão, nem ioiô. A vasta cabeleira agora está rala, ele parece não conseguir se mover e os cabos e fios da primeira foto já estão, aqui, presentes na sua barriga e garganta. No entanto, ele não está morto.

(FADE IN E FADE OUT DE TRILHA SONORA: MELODIA DE GUITARRA)

Joviana (narração): Muito pelo contrário, seu semblante revelava uma calma e alegria incomuns. Não parecia o fim, mas uma espécie estranha de novo começo. Aparelhos estavam conectados ao seu rosto, lembrando filmes de ficção científica. Ele olha para uma tela de computador e o equipamento grudado no rosto parecia traduzir o movimento do queixo. Ele ia selecionando notas musicais dessa forma. Lentamente, ele ia compondo novas músicas. Parecia que era assim que tinha nascido aquele meu velho cd emprestado. Lembro que novamente olhei para a capa de onde eu tirei o cd procurando o nome do álbum e lá estava ele, rabiscado com letras de forma abaixo do nome do músico, Perspective. Traduzi rapidamente, perspectiva. Olhei para o lixo abarrotado de bolinhas e reabri o esboço da garota com cabos que eu fiz momentos antes. De alguma forma, ela me lembrou o Jason, ou mim mesma.

(FADE IN E FADE OUT DE TRILHA SONORA)

Joviana (narração): Respirei fundo, algo havia mudado. Lembra da palavra no dicionário? Desistir. Palavra interessante. Um dos significados que você vai encontrar, se voltar lá, é “retratar-se”, ou seja, voltar atrás em algo que disse ou fez. Talvez eu estivesse desistindo de desistir. Talvez todos tenhamos fios e cabos que nos prendem, medos que nos impedem de encarar com coragem as batalhas da vida. Todos encaramos tipos diferentes de folhas em branco. No entanto, talvez não deva ser tão ameaçador assim, talvez tudo seja uma questão de perspectiva. Peguei meu lápis de novo, comecei a riscar lentamente a folha branca e desenhei a mesma garota do esboço anterior, os fios e cabos ainda estavam lá, mas agora ela não parecia mais tão assustada assim.

(FADE IN E FADE OUT DE TRILHA SONORA: MELODIA DE GUITARRA)

Ivan (narração): Joviana Marques é ilustradora e mestranda em Arte, Cultura e Linguagens pela Universidade Federal de Juiz de Fora. Jason Becker é uma inspiração constante em seu trabalho, tanto que hoje são amigos e se correspondem por email. As músicas utilizadas nessa história são todas dele, usadas com seu devido consentimento. E vocês podem conferir mais sobre seu trabalho e sua fantástica trajetória no site jasonbeckerguitar.com e seu documentário, “Jason Becker – Not Dead Yet”. Se também quiser conferir as ilustrações de Joviana, basta olhar a arte desse programa ou entrar na sua fanpage, “joviartwork”, o link está na postagem.

(FADE IN E FADE OUT DE TRILHA SONORA)

Ivan (narração): Ato 2, “Carta ao pai”. Despedidas não são fáceis, isso todo mundo sabe. E nessa história, Mauro Amaral nos mostra que, mesmo quando as pessoas se foram, criar o adeus definitivo pode levar mais tempo do que queremos.

(FADE IN E FADE OUT DE TRILHA SONORA)

Mauro (narração): Eu estou na frente de mais uma folha em branco. Elas me acompanham praticamente desde o primeiro momento que eu aprendi a escrever. Fiz disso a minha profissão. Mas hoje eu me sinto um pouco diferente. Eu aperto CTRL+N no meu processador de textos online (ao fundo, ouve-se efeitos sonoros de digitação), e a minha missão é escrever uma carta de despedida. Não foi um texto que eu imaginei sozinho, ou o resultado de algum briefing de uma marca, tão comuns na minha vida profissional. A tarefa é um exercício proposto pela minha analista, como ponto culminante de uma questão que a gente tá trabalhando há muito tempo. E isso faz toda a diferença. Pra você entender como eu cheguei até ali, eu preciso te contar, então, uma das passagens mais transformadoras que eu já tive na vida. Foi quando eu vi meu pai morrer três vezes.

(FADE IN E FADE OUT DE TRILHA SONORA)

(OUVE-SE RUÍDOS INTERNOS QUE PARECEM SER DE ALGUÉM DENTRO DE UM CARRO)

Mauro (narração): 30 de setembro de 2011. Eu tô dirigindo pela Avenida das Américas, aqui no Rio de Janeiro. Fica na Barra da Tijuca, se você não conhece, é uma reta quase infinita cercada de condomínios de luxo e concessionárias que vendem carros que, na maioria das vezes, são incompráveis. Mas não é isso que chama a nossa atenção. O carro, lá dentro, o ambiente tá engraçado, tá feliz porque eu e minha mulher, a gente consegue se organizar pra ir num show de grande porte. Só pra você ter uma ideia, quando a família é grande, isso envolve reuniões pra decidir quem vai ficar com quem, malas que são arrumadas com grande antecedência, lista de tarefas, 30 quilos de viveres e de recomendações sobre obedecer os mais velhos, e etc. etc. etc. etc. e tal. A correria foi tanta, que tava perigando da gente cansar antes mesmo do show começar. Sei lá, acho que a gente é meio, tipo, um velho precoce. Ou um jovem cansado já. Mas, voltando à estrada, eu olho pros ingressos que estão no console do carro, e em letras gigantes aparece assim, “Shakira – Rock in Rio”. Ao meu lado, a minha esposa percebe que eu já to voando longe, eu tenho essa mania de divagar, às vezes, principalmente nas horas erradas, que dirigindo isso é meio perigoso. E ela percebe que o endereço do meu pensamento deve ser a colombiana famosa, porque eu sou o fã do casal. E aí, ela brinca assim, “pô, larga isso, assim eu vou ficar com ciúme.” A gente ri baixinho, como se tivesse pulando o muro da igreja pra namorar escondido. E aí, o celular toca. É a minha mãe. Ela me conta que meu pai sofreu mais um derrame e que, dessa vez, foi agravado pela pneumonia bem insistente que se alojou, como aquele chiclete que não solta da ponta dos dedos. E temos alguns testes neurológicos iniciais que não são muito animadores. A gente cancela tudo, sem que eu tire nem o pé do acelerador. Aliás, eu piso mais fundo. Tudo bem que a gente esperou dez anos pra ir num show novamente. Mas agora, todo tempo era curto demais.

(OUVE-SE MAIS RUÍDOS INTERNOS QUE PARECEM SER DE ALGUÉM DENTRO DE UM CARRO, SEGUIDOS DE CLIQUES DE FAROL E DO BARULHO DE ACELERAÇÃO)

(EFEITOS SONOROS DE SIRENE DE AMBULÂNCIA, TOM INTERMITENTE DE MONITOR CARDÍACO E BATIMENTOS CARDÍACOS)

Mauro (narração): (ao fundo, ouve-se efeitos sonoros de bipes e o mesmo tom  intermitente do monitor cardíaco) Bom, pouco mais de uma hora depois, eu já tô de pé, numa UTI pública, caindo aos pedaços. Eu olho ao redor, mas pra fugir daquele ambiente, eu me concentro nos aparelhos de nomes engraçados, como “Noradrenalina”, “Oxigênio”, “Sangue”, enfim. Novamente, eu começo a divagar, o papo agora é sobre a eficiência de um ouvido treinado. Não sei se vocês sabem, quando o cara estuda música muito tempo, ele é capaz de identificar as mudanças mínimas de ritmo e os padrões complexos envolvidos. Por curiosidade, é assim que os grandes gênios compõem. Eles vão traduzindo o mundo, seus sentimentos, tudo o que tá ao redor nas músicas que a gente curte, que são, mais ou menos complexas de acordo com o estilo que cada um escolhe. O engraçado é que, poucas horas depois de eu estar ali em pé, acompanhando essa situação, a percepção que eu tenho é que parece que uma equipe do Furacão 2000 invadiu o lugar. É como se o som dos monitores cardíacos, da alimentação intravenosa e do pulmão artificial montassem aquele batidão (ele faz com a boca o som de um batidão de funk). O ritmo, do jeito que tá, não é difícil de traduzir, principalmente como eu tava falando, pra quem tem o ouvido treinado. Tá claro que tudo ali tá mecânico demais pra ser uma boa notícia. Ou, pelo menos, uma boa batida. Daí, eu coloco a mão na perna que ainda tá quente e lembro quando ele rompeu todos os ligamentos do tornozelo, após uns bons drinks numa noite de ano novo. Eu fazia faculdade, na época, e corria pra preparar o café da manhã, separar a água mineral, que tinha que ter o PH exato, separar os livros da leitura diária, arrumar tudo numa posição de forma que ele não precisasse se mexer muito naquela situação. A gente quicava, ele meio constrangido e eu até meio feliz por estar ali, ajudando, mesmo que na função de muleta. A gente ia ao banheiro e dali se resolvia, e voltava pra biblioteca. Como na época os pés estão com pouca circulação e meio inertes, a impressão que eu tenho é que eles nunca mais vão pisar no chão novamente. Mas isso tudo são só detalhes, porque o que me chama a atenção verdadeiramente é um olho solto. Não é de mim que ele tenta desviar, como na vergonha de outros tempos. É contra a gravidade. Ele não tem mais forças pra lutar contra ela, está pendente, sem direção, e assustadoramente opaco. É como uma pérola em uma ostra colhida aos 80 anos, por aquelas mergulhadoras japonesas que respiram até debaixo d’água. E é mais ou menos assim que ficamos, ao receber a ligação, um mês depois. A gente fica sem ar, como essas mergulhadoras japonesas, que colheram uma pérola opaca do olho sem gravidade, aos 80 anos, porque a gente precisa desocupar o leito da UTI, já que… Enfim. Então, eu começo a refletir que, na primeira vez que eu vi meu pai morrer, foi através da ausência do seu olhar e por ele não mais responder ao estimulante exercício de avaliar os sons ao redor. Entendi que sua presença física finalmente, já que sofrida, tinha dado um adeus meio tímido. Rompido todos os ligamentos de uma vez só.

(EFEITOS SONOROS PAUSADOS E INTERCALADOS DE BIPE DE MONITOR CARDÍACO E DE BATIMENTO CARDÍACO LENTO E GRAVE. O BIPE CESSA, OUVE-SE O SOM CONTÍNUO E AGUDO DA LINHA PLANA DO MONITOR CARDÍACO)

Mauro (narração): Teve a segunda vez, mas o que eu posso adiantar é que ele já tinha planejado tudo.

(FADE IN E FADE OUT DE TRILHA SONORA)

Mauro (narração): Quando a gente foi organizar a cerimônia de despedida, lá no fundo, eu era contra aquilo ocorrer lá em casa. Mas, no final, fez sentido. As alunas foram chegando, cantando suas Ave Marias e discursando como ele havia tirado uma ou outra de famílias disfuncionais, algumas em situação de risco social, oferecido educação, muitas vezes, de graça. E salvando muitas vidas pelo caminho. Meu pai foi educador que, pelas nossas contas, formou mais de 15 mil pessoas. Ele mesmo tendo se formado só depois dos 30 e poucos anos. Teve uma vida difícil pra se formar. Enfim, e nesse mesmo espaço onde as alunas recebiam algumas das aulas 30 anos antes, todos estavam ali numa espécie de comunhão. O mais engraçado é que tocava em loop, toda noite, a sua playlist preferida. Uma situação daquelas, com playlist… (ele solta um risinho) típico. Eu aperto mãos e dou abraços, e aperto mais mãos. E finjo não notar o olhar atônito dos donos dessas mãos à minha resposta com “e aí, como é que você tá, tudo bem?” aos pêsames que são passados em fileira. Por cima dos ombros, meio que oscilando no meio de tanta gente, eu noto que os pés sumiram. As mãos ao lado do corpo, também. Aconteceu algo muito complicado quando todos estavam chorando ao redor de uma boca fechada por silicone que nunca mais falaria. Eu fiquei meio impassível. É porque, lá do fundo da mais honesta inocente e pura verdade, eu sentia um clima de homenagem ali, meio contida, mas um clima de homenagem. E isso, de alguma forma, me fazia pensar que ia nascer uma felicidade depois de tudo aquilo ali. Bom, eu não posso deixar de mencionar, também, a elegância do momento. Essa foi capaz de disparar em mim um sorriso lateral, sem silicone. Isso mesmo, um sorriso em uma situação como aquela. Bom, eu explico. Ele já tinha providenciado tudo, muito tempo antes. Logo ele, envolto em dívidas durante toda a vida, nos surpreenderia com um gesto muito semelhante, quando a gente ouvia frases do tipo, “comprei uma casa, pessoal”, “ensinei um surdo a curtir música clássica hoje, na aula”, “eu vou fundar uma orquestra aqui no subúrbio”, “deus não existe, meu filho, leia Nietzsche e você vai entender”.

(FADE IN E FADE OUT DE TRILHA SONORA)

Mauro (narração): Então, eu ajudei a percorrer os últimos 15 metros até um carro e, dali, pra algum lugar esquecido que eu apenas olhei de longe. A cada passo, meu estômago se retorcia, como se o PH da água estivesse finalmente errado. A gente quicava, mais uma vez. Mas, dessa vez, o constrangido era eu. Horas depois do enterro, caiu uma chuva torrencial, e só o que eu pensava é que poderia haver goteiras lá naquele lugar. Goteiras por todo o lado, no olho de pérolas colhido aos 80 anos. E finalmente eu entendi que o legado pertencia só a ele. A posteridade seria pra ele, não pra mim. E meio que a gente encerrou uma fase ali.

(FADE IN E FADE OUT DE TRILHA SONORA. OUVE-SE EFEITOS SONOROS DE DIGITAÇÃO AO FUNDO)

Mauro (narração): bom, isso traz a gente de novo para a folha em branco do início da história. Logo que eu digitei as primeiras teclas, eu percebi que não ia ser uma tarefa fácil. Principalmente porque a gente conversou muito durante toda a vida. Mas, entre a sua primeira complicação neurológica e o final, haviam decorridos cinco anos de silêncio absoluto. Entre 2006 e 2011, naquela última visita a UTI, um orador eloquente havia se transformado em um monge em volta de silêncio, como uma imensa nave mãe. Ou seria nave pai? Fiquei na dúvida agora. Uma nave que vai desligando os seus sistemas por falta de energia, até ficar só na navegação. Ele silenciou. Eu consegui guardar apenas a última frase de nosso último papo. Semanas antes dele apagar, a gente estava no portão de casa onde eu fui criado e, não por coincidência, por onde eu estava dirigindo quando eu comecei a narrar essa história. A gente estava divagando em dupla… Olha aí… Sobre a dificuldade da vida. E dele ouvi um “Caramba, você não merece tudo isso que tá passando, sabia?” Hoje, eu vejo que a gente passa para poder merecer. É um pouco diferente, mas enfim. Naquele momento, como se estivesse no meu ombro revisando as vírgulas pela última vez, ele ouviu a minha resposta.

(FADE IN E FADE OUT DE TRILHA SONORA E EFEITO SONORO DE DIGITAÇÃO AO FUNDO)

Mauro (narração): Na sala fria de uma UTI pública, eu entendi que o corpo já tinha ido antes da presença em uma cerimônia curiosa, que o legado seria eterno na vida das pessoas que ajudou a formar, mas não era meu, ou seja, algumas coisas não terminam, pois, simplesmente, seu papel vai continuar com outros. Por outro lado, algumas coisas precisam terminar, mas fazem isso de uma maneira especial na troca de função que tem na vida das pessoas. Não é o fim físico que importa, é a ressignificação.  Afinal, eu precisei ver meu pai morrer 3 vezes antes de selar essa passagem, sem culpa, sem arrependimento. Apenas, talvez, uma discreta luta por protagonismo entre eu e ele, mas em um ringue que nunca existiu. Ou sendo mais comedido, racional, uma troca natural de funções ou, se você preferir, o amadurecimento. Afinal, se a vida que escolhi é de contar histórias, que eu pelo menos tenha direito de escolher o meu papel, certo?

(FADE IN E FADE OUT DE TRILHA SONORA)

Ivan (narração): Mauro Amaral é pai, marido, filho, estrategista e hedge da Contém Conteúdo, produtora focada em estratégia e produção de conteúdo digital. A carta de despedida que escreveu para o seu pai após sua morte ajudou-o a lidar com situações que precisavam ser encaradas em algum momento. E nós só temos a agradecer por ter dividido sua linda história conosco.

(FADE IN E FADE OUT DE TRILHA SONORA)

Ivan (narração): Ato 3, “Uma nova rota”. Nessa última história, saímos um pouco da temática de folhas em branco e encaramos aquele momento em que o nosso chão some e ficamos sem saber para onde ir, até o dia que aquele mesmo chão cai na tua cabeça. Quem nos traz a sua história é Lola Zola.

Lola (narração): Quando eu era pequena, sempre quis entender o porquê de usarmos corações para representar o amor. Eu perguntava para os meus pais e eles sempre diziam que um dia eu entenderia. Esse dia finalmente chegou e eu tive a certeza de que tudo fazia sentido, quando na quarta série o Rafael entrava na sala.

(FADE IN E FADE OUT DE TRILHA SONORA)

Lola (narração): Meu coração batia tão alto e tão rápido que chegava a me encolher na cadeira com medo que as outras pessoas pudessem ouvi-lo também. A partir de então, essa sempre me pareceu uma ótima explicação. E eu segui minha vida sem pensar muito nisso, até que um dia eu me apaixonei de verdade.

(FADE IN E FADE OUT DE TRILHA SONORA)

Lola (narração): Não reconheci minha paixão assim de imediato, quando ela entrou pela primeira vez na sala de aula. Não foi nada parecido com o amor à primeira vista. Eu conheci a Camila no seu primeiro dia de aula na faculdade, ou seja, início do meu terceiro ano do curso de cinema. Mas não conversamos mais que cinco minutos e não nos tornamos amigas. Ela, claramente, não era o meu tipo de pessoa. Ela era linda de uma maneira quase desafiadora e tinha uma personalidade absolutamente afiada, ela não topava perder nenhuma discussão. Ela era aquela pessoa que sempre está na rodinha principal das festas, sabe? Ela era assim. Ela não tinha o menor problema de ser o centro das atenções. Agora, eu sempre fui a pessoa das rodinhas pequenas e paralelas nos cantinhos dessas mesmas festas e nunca tive problema com isso.

(FADE IN E FADE OUT DE TRILHA SONORA)

Lola (narração): E foi por causa dessa distância quase geográfica que eu acabei conhecendo a Camila só nas férias de julho daquele mesmo ano. Nós estávamos participando de um projeto de longa-metragem super baixo orçamento, que seria gravado no interior de São Paulo. Eu era diretora de fotografia e ela assistente da equipe de arte. E por conta da complexidade da minha função, eu não tinha muitas horas livres. Quando eu não estava filmando, eu estava planejando a próxima diária e quando não isso, eu estava dormindo minhas, no máximo, 5 horas de sono. E foi por causa disso que demorou quase quinze dias para eu conseguir uma folga ir para o bar com o pessoal da equipe. E foi nesse dia que eu descobri que a Camila estava interessada em mim. Nunca tinha passado pela minha cabeça me envolver com ela. Primeiro porque ela havia me dito que namorava e, segundo, porque eu não vi um cenário onde alguém como ela se interessaria por alguém como eu.  Depois de algumas garantias de término de relacionamentos anteriores, eu me deixei levar, mas eu tinha certeza que aquilo não sairia dali. E pensando bem, as noites são tão frias, que dividir o meu colchão inflável com alguém não era assim uma má ideia. E quinze dias depois, no final do filme, quando voltaríamos para São Paulo, houve a conversa. “O que você acha de a gente não ficar com outras pessoas?”

(FADE IN E FADE OUT DE TRILHA SONORA)

Lola (narração): Mas eu continuei levando devagar, eu não acreditava que alguma coisa sairia dali. E quando ela falou que estava se apaixonando, eu fiquei calada. Bom, é melhor do que agradecer, certo? Então, nós namoramos dois anos. Dois anos de um amor delicioso, carinhoso, atencioso, pacífico e apaixonado. Ela devastou qualquer barreira antirrelacionamento que eu poderia ter. E, no mais absoluto clichê, éramos opostos que nos completávamos.

(FADE IN E FADE OUT DE TRILHA SONORA)

Lola (narração): Até o dia que ela mudou de ideia e se percebeu apaixonada por uma outra mulher, a chefe dela. A descoberta aconteceu de uma forma péssima, mas não poderia ser diferente, nosso relacionamento era tão intenso que nos primeiros sinais de mudança, eu já percebi que tinha alguma coisa errada. E em um dia depois de um boa noite desatento, eu liguei novamente e, já chorando, fiz com que ela me contasse e a frase que ela escolheu para me contar foi “eu estou completamente apaixonada por outra pessoa”. Eu desabei. Acabou. Acabamos.

(FADE IN E FADE OUT DE TRILHA SONORA)

Lola (narração): Muito se fala sobre a dor do fim de um relacionamento, mas o que eu nunca tinha ouvido falar é que a dor é física. Doía! Doía muito. Nos primeiros dias, eu tinha que me esforçar para respirar, literalmente me faltava o ar. Na semana seguinte, eu tinha que me esforçar para comer e quando eu conseguia, ficava enjoada por horas. Eu não dormi uma noite completa por meses. E é claro que o tempo cura tudo, e mesmo com insistentes contatos da outra parte, uma hora você começa a superar a dor. Reaprende a respirar, a comer e, finalmente, a dormir. E assim, eu segui com a minha vida. Nesse meio tempo, meu pai sofreu um infarto, um  infarto leve, nada muito assustador. Mas, além das broncas por uma qualidade de vida melhor, a médica do meu pai nos deu outra lição.

(FADE IN E FADE OUT DE TRILHA SONORA)

Lola (narração): Ela nos explicou que quando o coração sofre um infarto, tecnicamente, um pedacinho dele morreu. Não tem discussão, aquele pedacinho nunca mais vai voltar a funcionar. Mas ela explicou também que isso não necessariamente quer dizer algo muito grave, não é um diagnóstico sem perspectiva. Acontece que o coração é um órgão extremamente inteligente e rapidamente se adapta, criando novas rotas para aquele sangue circular, esquecendo daquele pedacinho que um dia foi o seu caminho principal. E foi por causa disso que me peguei pensando naquele questionamento curioso de crianças sobre o porquê elegemos o coração como o órgão do amor. Eu sei que essa característica regenerativa do coração não é o motivo pelo qual ele aparece em todos os cartões do Dia dos Namorados, mas bem que poderia ser, porque é exatamente isso que acontece quando sofremos uma desilusão amorosa.

(FADE IN E FADE OUT DE TRILHA SONORA)

Lola (narração): E algum tempo depois do término com a Camila, eu fiquei bem. E mesmo assim, por motivos de “não sou obrigada”, eu não acompanhava as coisas que ela postava em nenhuma rede social. Até que, um dia, eu recebi uma notificação no Pinterest dizendo “a sua amiga Camila criou um novo painel chamado Casamento”.  Mais um choque! Como assim? Casar? E depois a notícia, não vai só casar, como também vai fazer um documentário sobre isso. Claro! Ela é o centro das atenções, lembra? Enfim, casaram e, sim, fizeram o filme. Mas essa história não é sobre isso, é sobre o momento que eu decidi assistir um trecho desse filme, o trecho onde elas, durante a cerimônia, trocam seus votos.

(FADE IN E FADE OUT DE TRILHA SONORA)

Lola (narração): Confesso que comecei a assistir por uma leve curiosidade mórbida aliada a um certo masoquismo, mas permaneci assistindo por uma outra razão, aquela mulher do vídeo não se parecia em nada com a minha Camila, era uma outra mulher, uma mulher mais forte, mais madura. Ela falava do relacionamento com a noiva de uma forma diferente, letrada. Então eu me dei conta de como mudamos. Eu não consigo me lembrar da Lola antes da Camila, e eu lembro bem pouco daquela que passou a noite sem dormir após o fim. Eu sou uma mulher tão diferente hoje, que eu só posso agradecer por tudo que aconteceu. É claro que eu não desejo essa dor para ninguém, mas se tiver que passar por isso, que colha os frutos. E após ter me dado conta disso, eu continuei assistindo até o final. E eu só consegui desejar felicidades ao casal. Bem, quanto ao meu coração, eu sei que um pedacinho dele se perdeu nessa história, um pedacinho que vai estar para sempre ali desligado. Mas hoje eu não tenho dúvida alguma de que ele deu conta de fazer uma nova rota para o sangue circular lá dentro, um novo caminho, que de tão bom, ele nem se lembra de como circulava antes dele.

(FADE IN E FADE OUT DE TRILHA SONORA)

Ivan (narração): Lola Zola é produtora audiovisual e nos concedeu a honra de ouvir a história de como o seu coração criou novos caminhos para continuar batendo. Nos primeiros áudios que ela me enviou, ela sempre me dava “oi” e eu sempre achei isso muito legal.

(INSERÇÃO DE CLIPE DE ÁUDIO)

Lola: Oi, Ivan. Tudo bom? Aqui é a Lola e esse é o segundo exercício para participar da seleção do Projeto Humanos.

(FIM DO CLIPE DE ÁUDIO)

(FADE IN E FADE OUT DE TRILHA SONORA)

Ivan (narração): O Projeto Humanos é um podcast que visa apresentar histórias íntimas de pessoas anônimas. Ele tornou-se possível graças a ajuda dos patrões do Anticast, que contribuem mensalmente para que nossos programas continuem acontecendo. As histórias deste programa foram produzidas por Joviana Marques, Mauro Amaral e Lola Zola. Lembrando que eles são nossos possíveis colaboradores futuros e seria muito bom que pudéssemos remunerá-los de alguma maneira. Portanto, se você acha que essa galera tem potencial, por favor, contribua no nosso Patreon, isso será essencial para uma maior periodicidade. O link para contribuição está no post. E não esqueça de comentar dizendo se gostaram das histórias, pois assim teremos como melhorar os programas vindouros. Até semana que vem com mais crônicas.

(FADE IN E FADE OUT DE TRILHA SONORA)

FIM

Transcrição por Alexandre Bertoletti, Sidney Andrade, Mariana Diello. Edição por Sidney Andrade. Revisão por Jean Carlos Oliveira Santos