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Extras Episódio 12

RESUMO ATÉ AQUI

Antes de avançar para a nova fase de instrução judicial, onde as testemunhas são ouvidas diante de um juiz e advogados de defesa, um resumo do caso é necessário:

– Em outubro e novembro de 1992, o delegado Brivaldo Pinto Soares Filho presidiu o inquérito policial que levou à prisão de Amailton Madeira Gomes.

– Nesse meio tempo, Klebson Ferreira Caldas foi encontrado morto.

– Brivaldo finalizou o relatório das investigações em 07 de dezembro de 1992. Oito dias depois, o Ministério Público apresentou denúncia contra Amailton.

– A fase de juízo contra o suspeito teve início no fim de janeiro de 1993 e tomou boa parte de fevereiro.

– Durante esse período, outros dois meninos desaparecem: Maurício Farias de Souza e Renan Santos de Souza.

–  Em março de 1993, Flávio Lopes da Silva foi morto e emasculado.

– Uma nova investigação começou, dessa vez realizada por agentes da Polícia Federal (PF). De acordo com o Comitê em Defesa da Vida das Crianças Altamirenses, a entrada da PF no caso teria acontecido por meio de um pedido direto do Ministério da Justiça – via o antigo Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana, o CDDPH. Esse trabalho, que não aparece nos autos, teria ocorrido entre maio e junho de 1993, ainda segundo o Comitê.

– No fim de junho, o delegado Éder Mauro, da Polícia Civil, abriu um novo inquérito. Agora, o objetivo era tentar conectar os vários casos que ocorreram em Altamira desde 1989. Com o auxílio de uma juíza e de um promotor designados especialmente para essa operação, ele pediu a prisão de Carlos Alberto dos Santos Lima e dos médicos Anísio Ferreira de Souza e Césio Flávio Caldas Brandão. O investigador também suspeitou de mais três pessoas: Aldenor Ferreira Cardoso, que nunca foi encontrado; José Amadeu Gomes, pai de Amailton; e Valentina de Andrade, apontada como líder de uma seita e mentora dos crimes. A acusada morava no Paraná e viajava com frequência para a Argentina, onde a maior parte dos seus seguidores vivia. Ela jamais foi interrogada por Éder Mauro.

Nesse ponto, ao concluir as investigações em agosto de 1993, o delegado deveria elaborar um relatório e enviá-lo ao Ministério Público. Esse documento, no entanto, não existe no processo. Se ele de fato foi produzido, não foi anexado aos autos.

Como já mencionado anteriormente, o mesmo aconteceu com um relatório feito pela Polícia Federal intitulado “Operação Monstro de Altamira”. Por meio de matérias de TV da época, é possível saber que a primeira versão desse texto é datada de 24 de setembro de 1993.

O documento, contudo, não está nos autos e, ao que tudo indica, não faz mais parte dos arquivos da PF. O Projeto Humanos tentou encontrá-lo de diversas maneiras, mas sem sucesso. Ninguém conseguiu explicar o motivo pelo qual ele não foi anexado ao processo. As pessoas que poderiam esclarecer a situação se recusaram a conceder entrevista.

ADITAMENTO

O fato é que os relatórios da PF e do delegado Éder Mauro não existem nos autos. A próxima peça após o inquérito do investigador já é um aditamento à denúncia do Ministério Público (MP) – um complemento ao documento anterior, de dezembro de 1992, que tinha apenas Amailton como suspeito.

Nesse aditamento, de 06 de setembro de 1993, nota-se uma nova mudança de promotor. O representante do MP designado durante os trabalhos de Éder Mauro era Sérgio Tibúrcio dos Santos Silva. A complementação à denúncia, porém, é assinada por Frederico Antônio Lima de Oliveira.

No documento, ele afirma que, a partir dos novos depoimentos coletados, havia fortes indícios de que os crimes de Altamira não eram cometidos apenas por Amailton, mas sim por um grupo de poderosos.

Já em uma primeira leitura do longo texto, que tem 21 páginas, há algo que incomoda: em uma peça como essa, espera-se que o promotor mencione os crimes e especifique o papel que cada uma das pessoas presentes na denúncia desempenhou.

O promotor Frederico cita cinco vítimas: o Segundo Sobrevivente; Wandicley Oliveira Pinheiro, o terceiro a escapar com vida do ataque; e os três garotos encontrados mortos e emasculados – Judirley da Cunha Chipaia, Jaenes da Silva Pessoa e Flávio Lopes da Silva.

Aqui, é necessário questionar: por que só esses meninos? Por que a ausência de José Sidney, o primeiro sobrevivente? Ou de Ailton Fonseca do Nascimento, o garoto da ossada desaparecida? Ou, ainda, de Klebson Ferreira Caldas, assassinado enquanto a polícia procurava por Amailton?

O promotor não explica, mas a justificativa mais plausível englobaria dois critérios. Primeiro, o crime teria que incluir uma emasculação confirmada – o que eliminaria Ailton, já que não era possível saber, a partir da ossada, se ele havia sofrido esse tipo de violência. Esse fator também excluiria as crianças desaparecidas e vítimas de tentativa de sequestro listadas pelo Comitê.

O segundo ponto seria a necessidade de que o crime tivesse um inquérito aberto. Esse não é o caso do ataque contra José Sidney e Klebson, por exemplo. Ambos foram vítimas esquecidas pelo sistema.

Diante dos cinco garotos presentes do aditamento, o que o promotor fala sobre a participação de cada um dos denunciados nos crimes? Pouca coisa:

– Contra Amailton: o que mais possui elementos desfavoráveis ao filho de José Amadeu é o caso de Jaenes. Aqui são citadas as testemunhas Agostinho José da Costa e Gilberto Denis da Costa.

Sobre Judirley, há ainda o depoimento de Lúcia da Cunha Chipaia, irmã do menino, e toda a história da empregada Fátima sobre a camisa suja de sangue. Nas diversas peças que produziu, o MP sempre ignorou a falta de explicação para essa narrativa. A acusação sempre se baseou nos testemunhos da fase de inquérito de Brivaldo, em duas pessoas que diziam terem ouvido relatos sobre Fátima.

– Contra Césio: o promotor menciona novamente Agostinho, que teria visto o médico sair com um facão do meio do mato próximo ao local onde o corpo de Jaenes foi encontrado.

– Contra Aldenor:  o principal elemento é o reconhecimento por fotos feito por Wandicley, o terceiro sobrevivente, e o irmão dele, Vandivaldo.

– Contra Carlos Alberto:  são abordados o depoimento e a carta de Sueli de Oliveira Matos, a conselheira tutelar do Amapá.

– Contra José Amadeu: além do testemunho de Sueli, também é citado o relato de Carlos Alberto.

– Contra Valentina: o fator mais importante é o depoimento de Edmilson da Silva Frazão, que descreve a realização de uma “missa negra” na chácara de Anísio.

– Contra Anísio: pesa contra o médico o relato de Edmilson e todas as histórias estranhas que Éder Mauro e Brivaldo ouviram sobre ele.

Ao analisar o que é descrito contra cada um dos denunciados, um detalhe salta aos olhos: não há nenhuma acusação referente ao Segundo Sobrevivente e ao garoto Flávio, morto em março de 1993, enquanto Amailton estava preso.

Além disso, mesmo os elementos considerados mais fortes, como a história do ritual, não falam nada de específico sobre os crimes dos emasculados. Quem sequestrou cada garoto? Quem emasculou? Quem matou? Quem fez o quê? Qual a participação de cada um dos acusados?

Aditamento à denúncia do MP

Com essas perguntas em mente, a impressão é que o aditamento não passa de uma construção de relações soltas, forçadas para fundamentar a suspeita de rituais satânicos ocorrendo em Altamira.

Quando a polícia descobre que Valentina de fato esteve na cidade nas décadas de 1970 e 1980, é como se tudo fizesse sentido. Essa sensação é compreensível, porém não deveria ser suficiente para embasar uma denúncia. Acusar sete pessoas de crimes tão graves com base em relatos sempre indiretos – o famoso “eu ouvi dizer” – é um problema.

Em relação aos casos de crianças no Paraná, Valentina estava sim em Guaratuba, no litoral paranaense, na ocasião do desaparecimento de Leandro Bossi e Evandro Ramos Caetano, em fevereiro e abril de 1992. Contudo, especialmente no começo do ano, muitas pessoas também viajaram para a cidade, já que era período de alta temporada.

É importante lembrar, ainda, que Valentina passou a ser suspeita no caso Leandro a partir de confissões falsas feitas sob tortura por outros presos da época. A polícia nunca encontrou nada que a ligasse ao desaparecimento do menino. Para mais detalhes acerca dessas investigações, ouça o episódio 35 da temporada passada do Projeto Humanos.

Mesmo sobre a morte de Evandro, era comum a imprensa afirmar que os crimes no Norte do Brasil tinham muitas similaridades com o do Paraná. Mas isso é mentira: Evandro estava totalmente eviscerado e não havia sido emasculado. Ele teve as mãos e os dedos dos pés amputados. Nenhuma vítima em Altamira foi encontrada nessas condições.

A sensação é que ninguém olhou e comparou os casos com atenção. É como se os envolvidos nas investigações tivessem ouvido “magia negra” e “morte de crianças” e concluído que seriam parecidos. Os fatos, por outro lado, mostram que isso não é verdade.

CARLOS ALBERTO MUDA VERSÃO

Após o aditamento do MP, a juíza Elisabete Pereira de Lima aceitou a nova denúncia em 13 de setembro de 1993. Iniciava-se, assim, outra fase de instrução judicial, conduzida pelo magistrado José Orlando de Paula Arrifano, hoje já falecido.

As audiências começaram um mês depois, 13 de outubro, com o interrogatório de Carlos Alberto, também conhecido como A. Santos. Dessa vez, diante do juiz e com um advogado de defesa, ele mudou o depoimento.

Relembrando, o principal elemento contra o ex-policial militar era a carta escrita pela conselheira tutelar Sueli. A passagem que o incriminou diz respeito ao fato de que o suspeito trabalhou como segurança para o fazendeiro Amadeu Gomes, a quem ele chamava de Tadeu. E mais do que isso: segundo Sueli, A. Santos teria lhe confidenciado que o patrão era o mandante dos crimes contra os meninos. Para o processo, esse é o trecho que importa.

No entanto, o que marca a carta da conselheira não é isso, mas sim as histórias chocantes sobre Maria, a então esposa do ex-PM, que tinha apenas 13 anos de idade. No primeiro depoimento que presta ao delegado Éder Mauro, Carlos Alberto confirma todos os abusos que cometia contra a garota. Os detalhes são tão impactantes que, quando o suspeito começa a contar uma história diferente para o investigador, fica difícil perceber.

Por exemplo, de acordo com a conselheira, o suspeito disse que trabalhou para Amadeu e que ele seria o mandante dos crimes, com o auxílio dos médicos. Mas, para Éder Mauro, ele jamais afirmou isso. Ele comentou apenas que foi empregado de Zaila Madeira Gomes, ex-esposa do fazendeiro, e que notou algumas coisas na casa dela – como a presença de armas e de uma foto estranha que parecia retratar uma espécie de ritual. Além disso, descreveu a patroa como uma mulher misteriosa, que inclusive já tinha recebido visitas do médico Anísio.

Carta de Sueli Oliveira Matos

Mas, então, pouco mais de três meses após esse depoimento, Carlos Alberto é ouvido pelo juiz Arrifano na nova fase de instrução. Mais uma vez, ele admitiu os crimes contra Maria e afirmou que chegou a ser preso pelo menos quatro vezes por espancá-la.

Contudo, ao falar dos casos dos emasculados, a versão do suspeito muda completamente. Em primeiro lugar, ele aparentava sequer lembrar do nome de Zaila, o que até faria sentido, uma vez que trabalhou para ela por poucos dias. Em seguida, ele passou a dizer que sempre teve acesso à casa toda e que não havia nada de anormal por lá, diferente do relato anterior.

O juiz Arrifano claramente estranhou as contradições e perguntou da tal fotografia que o suspeito havia encontrado na residência e descrito para Éder Mauro – a imagem que supostamente mostrava um grupo de encapuzados em volta de um círculo. Carlos Alberto, então, falou:

RESPONDEU QUE realmente fez tal afirmativa. Entretanto, neste momento nega, justificando que assim procedeu pois sentia-se ameaçado de ser preso com outras pessoas na condição de ex-policial militar e acusado de crimes em outras crianças. Porém, certa feita, na ausência da mãe de Amailton, chegou a ver um álbum de fotografias, porém com fotos comuns da filha da mesma.

Ao ser questionado sobre outras diferenças entre os depoimentos, o ex-PM respondeu a mesma coisa: por sentir-se coagido, achou melhor colaborar com a polícia contando mentiras.

Dentre as histórias contadas por Sueli na carta, A. Santos negou em juízo que possuía um álbum de fotos onde aparecia maltratando meninos. Além disso, alegou nunca ter matado qualquer pessoa ou tido relações sexuais com a cunhada, também menor de idade.

Uma coisa importante a ser dita é que Carlos Alberto jamais teve um advogado particular dedicado ao caso dele. Ele sempre contou com defensores públicos, designados pelo juízo, que não fizeram um trabalho minimamente adequado. Isso porque a denúncia de coação por parte do delegado Éder Mauro nunca foi adiante. Não há qualquer pedido para que se abra uma investigação sobre isso.

Entre o depoimento à Polícia Civil e ao juiz Arrifano, um período de três meses, A. Santos não possuiu nenhum defensor. Ele só contou com esse suporte no dia da audiência, em 13 de outubro de 1993.

Porém, em uma matéria do jornal O Liberal de 24 de julho daquele ano, poucos dias após o seu primeiro relato a Éder Mauro, o ex-PM já falava que teria sofrido coação e tortura:

Segundo o ex-PM, a principal ameaça que recebeu de Éder Mauro para que desse um falso depoimento foi a de ser colocado junto com os outros presos, “para que, por ser um ex-PM, me matassem”. Alberto disse ainda que toda vez que vai tomar banho é hostilizado pelos presos, que sabem de sua condição de ex-PM. “Eles jogam pedras e fezes em cima de mim”, lamentou.

Carlos Alberto disse também que foi torturado no prédio da Polícia Federal de Macapá: “Me deram choque elétrico, me espancaram de perna-manca e depois me mandaram correr para fora do prédio, quando todos os policiais estavam com suas armas nas mãos”, acrescentou. O ex-PM chegou a pedir que o delegado Éder Mauro prove definitivamente sua participação nas mortes em Altamira. “Se ele provar alguma coisa, que ele me coloque a vida toda na cadeia”, propõe o ex-PM.

Matéria do Jornal O Liberal – “Ex-PM acusa delegado de forjar provas”

Ao comparar os depoimentos de Sueli e de Carlos Alberto, é notável a existência de contradições que podem sugerir a invenção de uma história apenas para impressionar a conselheira. A suposição aqui é de que ele realmente pediu ajuda da assistente social para reaver a guarda do filho, ao mesmo tempo em que queria passar uma pose de “machão”, violento, e de que sabia tudo o que acontecia em Altamira.

Assim que se tornou um suspeito, no entanto, essa fachada caiu e ele se mostrou um homem com muitos problemas, que usava do pouco poder que tinha para abusar de uma garota menor de idade. Fora isso, não há nenhum indício sólido de que o ex-policial fazia parte de uma seita que emasculava meninos.

Depoimento de Carlos Alberto em juízo

Tudo indica que a crença na existência de uma seita satânica passou a existir em algum ponto do ano de 1992, quando os familiares de vítimas descartaram a hipótese de os crimes estarem ligados ao tráfico de órgãos. Foi também nesta ocasião que surgiu a história de que os cortes teriam precisão cirúrgica – fato que nunca foi devidamente comprovado.

De certa forma, é possível dizer que o todo o caso teria sido montado a partir do relato de quatro pessoas: Wandicley, que fez o reconhecimento de Aldenor e dizia que havia sido atacado por mais de um indivíduo; Sueli, que denunciou Carlos Alberto; Edmilson, que relatou o culto macabro na chácara de Anísio; e Agostinho, que afirmou ter visto Césio e Amailton em atitude suspeita no dia em que Jaenes morreu, em outubro de 1992.

MÉDICA ENTRA EM CENA

Como mencionado no episódio anterior, pouco tempo após ter sido preso, Césio já havia coletado declarações de testemunhas para confirmar o seu álibi. Uma delas, Gracinda Lima Magalhães, foi chamada para depor na nova fase de juízo. Em depoimento, ela afirma que passou a manhã do dia primeiro de outubro em atendimento com o médico no Hospital da Fundação – contrariando o relato de Agostinho.

Além de Gracinda, outra testemunha depôs a favor de Césio: uma médica, colega de trabalho, chamada Liliane Tabosa Arraes. Ela afirma que estava no hospital naquela manhã e confirma o álibi do médico.

No entanto, outro trecho chama mais a atenção no relato de Liliane. Ela afirma ter sido uma das primeiras médicas a receber o corpo de Judirley da Cunha Chipaia na época do crime, pois estava de plantão no hospital. Apesar de não ser especialista em necropsia, ela chegou a diagnosticar a emasculação e morte por hemorragia. Dias depois, o médico legista Armando Aragão foi chamado para reexaminar o cadáver e teria conversado com ela sobre o caso.

Esse detalhe é curioso porque não há nos autos nenhum laudo do corpo de Judirley assinado por Liliane. Mesmo assim, as informações que ela passa sobre o cadáver durante o depoimento correspondem com as observações de Aragão.

Por outro lado, existe no processo um breve laudo cadavérico de Jaenes, datado de 06 de outubro de 1992, assinado por Liliane e outro médico, chamado Aroldo Rodrigues Alves. É um documento curto, que diz apenas o seguinte:

Cadáver em estado de putrefação, apresenta castração peniana e testículos, provocado por objeto cortante; lesão cortante no punho direito em toda a sua extensão; ausência de globos oculares.

Estranhamente, Liliane não menciona esse exame quando é ouvida em juízo. A possível explicação é que as pessoas presentes no depoimento confundiram Jaenes com Judirley. Indício disso é que ela comenta que Aragão fez uma nova análise do cadáver dias depois da dela, fato que aconteceu no caso de Jaenes.

Portanto, o que se supõe é que a médica deve ter produzido um laudo sobre Judirley, mas, por algum motivo, ele não foi incluído no inquérito. Somente foi anexado aos autos a necropsia conduzida pelo doutor Aragão. No caso de Jaenes, o mesmo procedimento teria ocorrido. Desta vez, entretanto, ambos os documentos foram adicionados ao processo.

Laudo de Jaenes assinado por Liliane

Laudo provisório de exumação de Jaenes assinado por Aragão

Ata de exumação de Jaenes assinada por Aragão

Laudo de Judirley assinado por Aragão

Além da questão dos laudos, a médica revelou em depoimento uma informação que contrariava o testemunho de Césio. De acordo com ela, o colega de trabalho havia visto um dos corpos dos meninos mortos, diferente do que ele havia relatado ao delegado Éder Mauro. Na ocasião, ele chegou a dizer que não foi ver nenhum cadáver de vítima “por não suportar cheiro de carne podre, pois isso lhe causava náuseas”.

Depoimento de Liliane Tabosa em juízo

Então, a dúvida que fica é: quem está falando a verdade? A resposta, como tudo neste caso, parece ser mais complexa. Anexado ao processo, há o laudo de um dos meninos que tem a assinatura de Césio. A vítima em questão era Ailton Fonseca do Nascimento, desaparecido em maio de 1991 e cuja ossada foi achada no mês seguinte.

Ou seja, realmente, o médico não viu um corpo, mas sim uma ossada. O documento dizia:

Procedemos a verificação da ossada humana desmontada, sendo impossível estabelecer a causa mortis e a identificação da mesma.  

Após esse procedimento, os restos mortais de Ailton foram levados pela polícia à Belém e nunca mais voltaram à Altamira. Isso foi suficiente para alimentar os rumores de que o médico teria dado um “sumiço” nos fragmentos para apagar evidências e atrapalhar as investigações.

Ailton, porém, não é considerada uma vítima oficial no processo contra os suspeitos, já que não é possível saber se ele foi ou não emasculado.

Laudo de Ailton assinado por Césio

Auto de recebimento da ossada de Ailton

DEFESA DE AMAILTON

Voltando à nova fase de instrução, duas testemunhas apareceram para prestar depoimento favorável a Amailton. Uma delas é uma mulher de 48 anos chamada Terezinha Martins Cavalheri. Ela afirmou que no dia primeiro de janeiro de 1992 – quando Judirley foi atacado – o filho de Amadeu estava na sua chácara, onde passou a tarde toda, até as 17h30. Segundo os relatos, o garoto havia desaparecido perto das 14h.

Depoimento de Terezinha Martins Cavalheri

A segunda testemunha de defesa de Amailton é Antônio Gonçalves de Oliveira, de 45 anos. Ele trabalhava na empresa de transportes dos Gomes e dizia ser amigo da família há décadas. Em depoimento, o funcionário comentou que sabia dos planos antecipados da viagem de Amailton ao sul do Brasil.

Antônio relatou ainda que, por volta das 11h30 do dia primeiro de outubro de 1992, esteve na residência de Amadeu para se inteirar da administração da firma durante a ausência de Amailton. Pai e filho chegaram na casa cerca de meia hora depois para dar continuidade aos trabalhos.

Depoimento de Antônio Gonçalves de Oliveira

Terezinha e Antônio, as duas últimas testemunhas a serem ouvidas nesta fase, prestaram depoimento em 13 de dezembro de 1993. Amailton estava preso há mais de um ano e essa era a primeira vez que pessoas apareceram para confirmar o álibi dele. Isso causa estranhamento, principalmente para a acusação, que acreditava que ambos os relatos eram inventados.

IMPRONÚNCIA

Após os depoimentos dos réus, informantes, testemunhas de defesa e acusação, o juiz deve definir se existem ou não indícios para levar os acusados a júri popular. A decisão, neste caso, era do doutor Arrifano.

Nos argumentos finais, a defesa fez os trabalhos protocolares e argumentou que ninguém deveria ser julgado. Em vez de serem enfáticas e denunciar as contradições do caso, as peças se limitaram a indicar que não havia nada de concreto contra nenhum dos acusados.

Alegações finais a favor de Césio

Alegações finais a favor de Carlos Alberto

Alegações finais a favor de Aldenor

Alegações finais a favor de Amadeu

Alegações finais a favor de Amailton

Alegações finais a favor de Anísio

Novas alegações finais a favor de Anísio

Alegações finais a favor de Valentina

Quem, por outro lado, surpreenderia a todos era o promotor Roberto Pereira Pinho. Diferente do que se esperava, ele concordou com alguns pontos da defesa e se convenceu de que o processo estava mal fundamentado. Ao listar cada um dos réus e o resumo do que havia sido coletado contra eles, o representante do Ministério Público repetia a mesma conclusão:

Por tudo o que foi coletado até aqui sobre essa pessoa, solicitamos a sua impronúncia – ou seja, que esse réu não deve ir a júri.

Apenas Valentina de Andrade fugiu desse critério. De acordo com o promotor, pesou contra a ré os seguintes pontos: o fato de ela não ter se apresentado para prestar depoimento; o relato do ex-marido, Duílio Nolasco Pereira, que afirmava que ela esteve em Altamira na década de 1980; e a suspeita do envolvimento dela no caso Leandro Bossi, em Guaratuba, no Paraná. “Em face do contexto existente na instrução criminal, há indícios suficientes para que se requeira o pronunciamento da ré”, concluiu Pinho.

Pedido de impronúncia do promotor Roberto Pereira Pinho

O documento do promotor é datado de março de 1994. Amailton, Carlos Alberto, Césio e Anísio ainda estavam presos, enquanto Aldenor encontrava-se foragido. José Amadeu permanecia em liberdade e Valentina ainda não havia se apresentado para ser interrogada.

É neste momento que o assistente de acusação, o advogado Antônio César de Brito Ferreira, contratado pela família de Jaenes, resolve agir. Este será o assunto do próximo episódio.