Enciclopédia do caso Evandro

EXTRAS EPISÓDIO 16

14 DE ABRIL DE 1992 ATÉ JULHO DE 1992

Alcides Bittencourt Neto foi promotor do caso desde três dias após o corpo ser encontrado no matagal até o momento das prisões. No momento que as prisões ocorreram o promotor substituto Samir Barouk era o designado para o caso, já que o Dr. Alcides estava de férias. Apesar disso ambos acompanharam o depoimento dos presos no dia dois de julho de 199, no quartel de Matinhos. Lá também estava Carlos Roberto Dal’Col porém ele não acompanhou os depoimentos. Como o Dr. Alcides estava de férias quem acompanhou parte das diligências policiais após as prisões foi o Dr. Barouk.

O Dr. Barouk ficou pouco tempo no caso, no dia 3 de julho de 1992 assumia o promotor Antonio Cesar Cioffi de Moura, o mesmo que a Dra. Isabel Kugler Mendes dizia ser um dos responsáveis pelas torturas que Osvaldo, Vicente e Davi teriam sofrido.

No depoimento de 2004, Osvaldo chegou a citar o que o Dr. Cioffi teria feito com ele no presídio do Ahú em Curitiba. Seguindo Osvaldo, o Dr. Cioffi chegou a dizer para ela que bastava ele confirmar a participação das Abagge no caso que ele estaria livre.

 

 

28 DE JULHO DE 1992

Em uma audiência com a Dr. Anésia Edith Kowalski todos os acusados negaram participação no crime e alegaram torturas.

 

3 DE SETEMBRO DE 1992

O Dr. Cioffi envia à juíza Anésia um pedido para que seja aberto na delegacia de polícia local o inquérito de investigações das alegações de tortura. Apesar disso, ele deixa claro que acredita que não existem indícios suficientes para tal.

 

9 DE NOVEMBRO DE 1992

Dia da abertura do inquérito sob responsabilidade do delegado Valmir Soccio, de Paranaguá. Durante todo o inquérito ele fez uma série de interrogatórios com os envolvidos, incluindo os policiais do Grupo Águia, os promotores, advogados, testemunhas, médicos etc.

 

11 DE FEVEREIRO DE 1994

Um ano e meio após as prisões, o promotor Cioffi declarou num depoimentos para a juíza Anésia que inúmeras diligências foram feitas mas que nada foi levantado de concreto. Ele também menciona o dossiê “Tortura Nunca Mais” e de como havia um esforço para que ele fosse levado ao Ministério da Justiça e para que isso ocorresse tal requisição deveria ser feita pela Procuradoria da República do Paraná. Cioffi comentava que o caso não precisava ser passado para a esfera  federal, uma vez que o Ministério Público estadual tinha competência para resolver o caso e era o maior interessado na sua resolução.

Ao final do documento ele pede uma extensão do prazo, porque acreditava que era importante ter os depoimentos de duas testemunhas que até aquele momento não haviam sido interrogadas. Essas testemunhas era  os médicos legistas do IML: o Dr. Raul de Moura Rezende e o Dr. Manabu Jojima.

 

14 E 19 DE ABRIL DE 1994

O Dr. Raul de Moura Rezende e o Dr. Manabu Jojima prestam os seus depoimentos.

Aos olhos do Ministério Público, representados na figura do Dr. Cioffi, não havia nenhum indício que apontasse torturas. Com isso a defesa continua a argumentar o quanto é estranho o promotor designado para montar a acusação dos réus ser o mesmo que acompanha o inquérito de alegações de tortura contra eles.

O depoimentos dos dois médicos parece ter sido o ponto final para a conclusão sobre as acusações de tortura. Uma vez que elas nada disseram e que de qualquer forma eles seguiram com os exames e não detectaram nada.

 

25 DE MAIO DE 1994

Um pouco mais de um mês após os depoimentos dos médicos a Dr. Elaine Sanches é designada do inquérito sobre alegações de tortura.

O pedido de arquivamento da Dr. Elaine Sanches não foi encontrado mas é possível ter-se uma ideia do que havia nele com base em dois outros documentos:

  1. Um relatório da Secretaria de Segurança Pública do Paraná intitulado “Comissão de Sindicância”. Ele possui cerca de oito páginas e relata todos os dados, procedimentos e depoimentos obtidos durante a investigação do delegado Valmir Soccio. No geral o documento explicita que foi feito tudo que estava ao alcance  e que com base no que foi obtido não havia motivo para acreditar nas alegações de tortura. 
  2. Um dos advogados das Abagge, o Dr. Osmann de Oliveira, num documento datado de 23 de janeiro de 1998 e endereçado a juíza Marcelise Weber Lorite. Em certo momento do documento ele menciona o inquérito sobre torturas,  mencionando o depoimento de Acemar Silva, um médico que atendeu as Abagge no dia da prisão. Nesse depoimentos dele cita as manchas escuras nos dedos de Beatriz e também o estado físico de Celina. Osmann argumenta que não é suficiente a alegação da Dr. Elaine sobre conhecer o Dr. Barouk e saber que ele não permitiria as torturas, uma vez que ele não acompanhou as Abagge durante todo o tempo no dia das prisões e que após as prisões o promotor Cioffi teria manipulado o inquérito porque de acordo com relatos obtidos no dossiê Tortura Nunca Mais ele também foi um  dos torturadores, especialmente contra os homens.

Porque os depoimentos dos dois médicos do IML e dos policiais parecem ter mais peso do que o depoimento das testemunhas que afirmam que viram marcas de sevícias no corpo das Abagge?

No julgamento de 2004 onde Osvaldo, Davi e Vicente foram considerados culpados, Isabel é questionada quantos casos o Conselho da Condição Feminina investigou, o caso das Abagge foi o único até aquela data.

 

Segundo Osvaldo foi apenas na prisão que ele foi ameaçado pelo Dr. Cioffi, esse relato se encontra apenas no dossiê Tortura Nunca Mais, na segunda versão datada do dia 13 de julho de 1993. O dossiê demorou para ser feito e a data que consta no depoimento de Osvaldo é 19 de fevereiro de 1993. Cioffi teria chamado Osvaldo em uma sala do presídio e dito que sabia da inocência dele e que arrumaria advogados e ficaria solto caso afirmasse que apenas as Abagge cometeram o crime. Ao se recusar a seguir as recomendações de Cioffi sofreu ameaças.

Estaria Cioffi apenas disposto a provar que não houve tortura e que os acusados realmente eram culpados e por isso ele mesmo pediu a abertura do inquérito e fez o acompanhamento? Ou ele estaria tentando manipular a investigação?

Os laudos de lesões corporais de Sergio Cristofolini e Airton Bardelli não constam nos autos do processo apenas dos outros três homens e das Abagge ou então não foram encontrados.

A estranheza que permanece: como o inquérito de investigação de tortura não levou em consideração que Osvaldo não deveria estar no início da fita cassete supostamente gravada no carro? Essa fita sumiu em algum momento do processo, a primeira menção do seu sumiço ocorreu por volta de 1995. É provável que Soccio nunca ouviu a fita e durante a investigação apenas leu a transcrição dela ou ouviu apenas os trechos que circulavam na imprensa na época.

 

19 DE MAIO DE 1993

No dossiê Tortura Nunca Mais, pela primeira vez, Davi afirma com segurança que a mulher com meias e sapatos vermelhos que viu no local enquanto era torturado seria a juíza Anésia, ele também afirma que Diógenes estava no local e que posteriormente também o reconheceu pelos pés. Essa riqueza de detalhes foi o que levou o juiz Etzel a perguntar para Isabel Kugler Mendes se ela achava isso estranho.

Para a defesa tem importância colocar a juíza Anésia no local das torturas uma vez que responderia onde ela estava no dia 2 de julho de 1992, quando as Abagge foram presas. Porque ela não estava no Fórum onde deveria estar? E se isso realmente aconteceu qual seria o interesse da Dr. Anésia de prejudicar os homens e consequentemente as Abagge? Sendo que ela era amiga próxima da família?

 

JÚRI DE 2004 – OSVALDO E DAVI EXPLICAM COMO SE CONHECERAM E O QUE FAZIAM EM GUARATUBA ANTES DO CASO ACONTECER

No júri de 2004, Osvaldo lembra que quando chegou em Guaratuba com sua companheira, no início de 1992, ele queria um espaço na feira de artesanato local onde os dois poderiam trabalhar. Segundo ele havia uma espécie de facção que comandava a feira, com grande influência de Diógenes Caetano, que não deixaram os dois exporem seu trabalho lá.

Diógenes na época queria lançar sua candidatura à prefeitura e era inimigo de longa data da família Abagge, chegando a fazer panfletagem contra a gestão de Aldo Abagge. Além disso quando Osvaldo, Andreia e Vicente quiseram transferir o título de eleitor para Guaratuba Anésia teria negado o pedido, justificando que os três estavam no partido errado.

Davi era vice-presidente da Associação de Artesãos de Guaratuba e diz que foi assim que conheceu Osvaldo e todos os outros envolvido no caso. Juntos montaram um escritório para a associação quando foram procurados por Celina, que precisava de assinaturas para homologar o PST na cidade.

Osvaldo nega que tinha um centro espírita e que realizava suas atividades de leitura de búzios na sua tenda na sua casa, junto da sua companheira. Celina queria montar um diretório do PST, então partido de Alvaro Dias que foi governador do Paraná entre 1987 e 1991 e com isso pretendia lançar uma candidata à prefeitura. Esta eleição foi disputada por José Carlos de Miranda do PDC, partido de Diógenes, e foi vencida por José Ananias dos Santos, do PDT, mesmo partido do vice de Aldo Abagge.

Se a juíza Anésia tinha intenções de prejudicar as Abagge a motivação seria política e um indício disso seria a dificuldade que Vicente, Osvaldo e sua companheira Andreia tiveram quando tentaram transferir seus títulos de eleitor para Guaratuba e consequentemente ajudando Celina Abagge a formar o diretório do PST. Osvaldo estava começando a ganhar notoriedade na cidade com sua leitura de búzios e Davi tinha influência entre os artesãos, havendo a possibilidade a se lançarem como candidatos a vereador.

O delegado Luiz Carlos de Oliveira relatou no júri de 2004 que apesar da própria juíza Anésia Edith Kowalski ter designado ele para ser o delegado do caso ela começou a causar dificuldades na sua investigação após o início das investigações. Esse atrito pode ser confirmado no depoimento feito pelo delegado da polícia civil o Dr. José Maria de Paula Correia no júri de 1998 e o motivo para o atrito seria porque o delegado Luiz Carlos estava construindo uma linha de investigação que poderia envolver o caso Evandro com o caso de Leandro Bossi mas sem a participação das Abagge e dos outros acusados. Para que essa linha de investigação se aprofundasse era necessário que alguns suspeitos fossem mantidos presos, o que não ocorreu por determinação da juíza. Segundo José Maria a Dr. Anésia não admitia nenhuma linha de investigação que não levasse a incriminação das Abagge e que ela teria afirmado que foi enganada pela polícia civil do Paraná.

Todas essas afirmações colocam em questionamento a idoneidade da juíza e, consequentemente, de toda a investigação. Envolver Anésia nas prisões e torturas poderia ser uma maneira de escapar dela e, talvez, fazer o caso cair nas mãos de algum juíz sob a influência de Aníbal Khury, que por sua vez era próximo da família Abagge. Fosse ou não a intenção em 1997 o caso foi desaforado de guaratuba e transferido para são josé dos pinhais, caindo nas mãos da juíza Marcelise Weber Lorite, que presidiu o julgamento de 1998 no qual as Abagge foram absolvidas.

 

AINDA SOBRE O GRUPO DE “COISAS QUE OS RÉUS PARECEM LEMBRAR ATÉ DEMAIS”: A CHÁCARA

Tanto Osvaldo quanto Davi lembram desse caminho com uma descrição muito rica de detalhes e senso de direção, apesar de estarem vendados e sob situação de estresse. Olhando os históricos dos depoimentos dos sete acusados essa descrição do trajeto é feita pela primeira vez por Celina Abagge na audiência feita no dia 28 de julho de 1992.

Anos depois, quando ainda estavam presas, as duas concederam uma entrevista para a jornalista Mira Graçano. Nela, Celina descrevia parte do mesmo conteúdo desse depoimento, dando detalhes do trajeto e as ameaças que teria sofrido. Ela narra a estrada de pedra e as curvas feitas pelo carro, mesmo tendo passado o caminho todo vendada com a sua própria blusa. Em determinados momentos, a blusa teria caído e ela teria conseguido olhar a casa sem obstruções. Ela afirmava que, mais tarde, teria sido feita uma sindicância, e que teriam descoberto que a casa pertencia ao pai de Diógenes Caetano dos Santos Filho.

No julgamento de 2004, quando foram julgados Osvaldo, Davi e Vicente, Beatriz foi uma das testemunhas. Em determinado momento do seu depoimento, ela confirmava a informação. Contudo, ela creditava tal descoberta à jornalista Mira Graçano – mas é possível conferir no vídeo da entrevista que a própria Celina diz à jornalista que outras pessoas teriam descoberto isso. 


Fita montada pela defesa para o julgamento de 1998. No início do vídeo, são mostradas cenas das fitas gravadas no IML de Curitiba, no dia 3 de Julho de 1992, com textos montados pelos advogados de defesa, explicando o que seriam ali os indícios das ameaças que os acusados teriam sofrido.

Aos 3min28seg, aparece Beatriz e Celina sendo entrevistadas no presídio, provavelmente em 1995, pela jornalista Mira Graçano, na época na rede CNT.

Aos 7min25seg, Celina começa a narrar o caminho para a chácara onde teriam sido torturadas.

Aos 14min44seg, a fita termina com um trecho de uma matéria do Fantástico (Rede Globo), no qual Beatriz e Celina relatam torturas.

 

 

 

No mesmo julgamento de 2004, ao responder perguntas da promotora Lúcia Inês Giacomitti Andrich, a testemunha de acusação Diógenes Caetano dos Santos Filho alegava que todo mundo em Guaratuba sabia que seu pai tinha uma chácara em Cubatão, região onde Celina narra que teria sido levada. Isso seria notório porque, segundo ele, não apenas seu pai era conhecido por ser o ex-prefeito, como também aquela era uma região frequentada apenas por moradores locais, não sendo nenhum turista.