Extras Episódio 24

QUEBRA DE INCOMUNICABILIDADE
A suspeita de que os jurados não respeitaram o isolamento durante o júri de Valentina de Andrade revelava uma desconfiança ainda mais grave: aos olhos de muitos, essa seria a prova de que os poderosos membros do Lineamento Universal Superior (LUS) subornaram o Conselho de Sentença para inocentar a líder do grupo.
A movimentação para investigar a chamada quebra de incomunicabilidade partiu dos observadores federais que acompanhavam os júris. Nesse contexto, três nomes se destacavam: Maria Eliane Menezes, subprocuradora geral da República; Douglas Martins, assessor do Ministério da Justiça; e Pedro Montenegro, chefe da Ouvidoria Geral da Cidadania da Secretaria Especial dos Direitos Humanos.
Sete dias após a absolvição de Valentina, em 12 de dezembro de 2003, o trio enviou uma carta à promotora Rosana Cordovil, responsável pelo caso dos emasculados de Altamira. O documento dizia o seguinte:
A perplexidade tomou conta da sociedade brasileira com a absolvição da ré, ante as provas que foram oferecidas à convicção dos jurados de sua culpabilidade. Disso é prova os tumultos registrados após o julgamento e as reportagens jornalísticas que há tanto tempo apontaram para a sensação de impunidade e frustração, que ficou no sentimento de todas as classes sociais, que por dezessete dias acompanharam o mencionado julgamento.
A propósito do fato, surgiram fortes rumores na cidade de Belém de que teria havido quebra de incomunicabilidade dos jurados, ocasionando o veredicto malsinado.
Adiante na carta, os observadores federais pediam que a promotora solicitasse abertura de inquérito para investigar a possível irregularidade. Se a suspeita fosse comprovada, o julgamento poderia ser anulado.
Carta dos observadores federais à promotoria
Vale relembrar: quando se inicia um júri, os jurados e testemunhas precisam ficar incomunicáveis. Eles não podem ter acesso ao telefone, à TV, jornais, ou qualquer fonte de informações externas. Os responsáveis por fiscalizar a regra são os oficiais de justiça, funcionários do tribunal.
Ao desconfiar que a norma não havia sido seguida, os representantes do governo requisitaram uma investigação e a quebra de sigilo telefônico e bancário de todos os envolvidos.
Em 15 de dezembro, em resposta à carta, a Polícia Civil do Pará abriu um inquérito para apurar o caso. Além disso, agentes federais também informaram que fariam uma investigação própria, com o mesmo objetivo.
A princípio, a promotora Rosana Cordovil acreditava que os jurados foram induzidos ao erro e votaram contra as provas dos autos. Só isso, para ela, já era motivo para pedir a anulação do júri. Agora, a suspeita de violação do isolamento também contribuía para a causa.
Tudo isso era acompanhado de perto pela mídia, que entrevistou os oficiais de justiça que atuaram no júri de Valentina. Nas reportagens, eles negaram que os jurados tivessem usado telefone ou assistido à TV no hotel onde estavam hospedados.
“Não houve quebra de incomunicabilidade nenhuma, uma vez que cada jurado permanecia no seu apartamento. Quem está achando que houve quebra de incomunicabilidade que prove”, disse o oficial de justiça Almiro Oliveira, na época, em entrevista ao programa “Sem Censura”, da TV Cultura do Pará.
Segundo ele, policiais militares posicionados na recepção e em frente ao hotel, que ajudavam na segurança, não reportaram nada de anormal na ocasião.
Além de Almiro, o oficial de justiça José Antônio dos Santos também foi ouvido no programa. Assim como o colega, ele disse desconhecer qualquer tipo de irregularidade durante o andamento das sessões. “Não tenho nada que comprometa a minha idoneidade aqui no tribunal”, completou.
À medida que o inquérito avançou, porém, a história ficou ainda mais estranha. A Polícia Civil teve acesso aos registros do hotel no período do julgamento e confirmou que os jurados de fato fizeram inúmeros telefonemas.
“Alguém deu a ordem para que fosse reinstalado o telefone, isso inclusive foi confirmado pelo dono do hotel”, afirmou à imprensa na época o promotor Ezedequias da Costa. Ele conduzia o caso junto com o colega Pedro Paulo Crispino.
Segundo as investigações, a determinação para religar telefones e televisores nos quartos tinha vindo de um integrante da justiça. Não estava claro, porém, de quem exatamente partiu a ordem. “Todos ligaram. Não temos o teor das ligações, mas isso por si só constitui-se em quebra de incomunicabilidade”, declarou o delegado Waldir Freire, um dos responsáveis pelo inquérito, na mesma reportagem.
O advogado de Valentina, Cláudio Dalledone Júnior, também concedeu entrevista na ocasião. Ele se disse indignado com o caso e questionou a própria jurisdição da polícia para atuar em uma situação como essa. “O delegado de polícia não tem competência constitucional, autorização legal, para se meter em questão de nulidade de julgamento. Quem diz se um júri vai ser anulado não é a polícia, mas as Câmaras Criminais reunidas”, alegou.
Em resumo, o caso era o seguinte: a análise dos registros indicou que os jurados realmente tiveram a incomunicabilidade violada enquanto estavam hospedados no Hotel Regente, em Belém.
Além da Polícia Civil, agentes federais realizavam uma investigação própria. Apesar de não haver nenhuma peça produzida pela corporação nos autos, a atuação da PF fica evidente em uma breve passagem na imprensa. O trecho, presente em uma matéria do jornal O Liberal, de 15 de dezembro de 2003, afirma:
A Polícia Federal já está trabalhando nas investigações dos sete jurados que absolveram Valentina de Andrade. A ação da PF é firme, embora não oficial.
Trecho do jornal O Liberal sobre a atuação da PF
Em depoimento à Polícia Civil, o gerente do hotel relatou que o responsável por pedir a reinstalação dos aparelhos foi o chefe da Divisão de Serviços Gerais do Tribunal de Justiça, Gilberto Nobre Pontes – que tinha justamente a função de garantir que a logística do júri corresse sem irregularidades.
No documento, Gilberto afirma que a ordem foi dada pelo próprio juiz Ronaldo Valle. À imprensa, no entanto, o magistrado negou que isso tenha ocorrido e alegou que o seu nome foi usado indevidamente no parecer.
Documento que pede a religação dos aparelhos nos quartos
O funcionário do tribunal foi chamado para prestar depoimento, mas não compareceu no dia. Enquanto isso, a pressão da opinião pública aumentava sobre Valle, que decidiu realizar uma coletiva de imprensa para esclarecer o caso.
“Em momento algum eu autorizei esse funcionário a fazer esse ofício, principalmente usando o meu nome. Inclusive, eu já solicitei à presidência do tribunal a abertura de sindicância contra ele. Solicitei também que prestasse depoimento na Polícia Federal, para confirmar se em algum momento eu dei essa autorização para ele”, disse na ocasião.
Dias depois, a polícia ouviu o chefe da Divisão de Serviços Gerais. Ele contou que tudo começou em 21 de novembro de 2003, terceiro dia de júri, com uma ligação da gerência do hotel. Nela, recebeu a informação de que o oficial de justiça Almiro Oliveira pedia a reinstalação imediata dos ramais telefônicos dos quartos. Segundo Almiro, a ordem havia partido do juiz Ronaldo Valle. O gerente, então, explicou à Gilberto que não cumpriria a determinação sem o amparo de um documento oficial.
Na manhã seguinte, além de conversar com Almiro, o chefe da Divisão de Serviços Gerais teria intermediado um encontro entre o dono do hotel, Carlos Freire, e o próprio juiz Valle. Por isso, Gilberto acreditou que todos os pontos estavam acertados e emitiu o parecer que determinava a religação dos aparelhos.
“O oficial de justiça trouxe a ordem, né? E mencionou o nome do juiz no momento em que ele solicitou a reinstalação dos ramais. O oficial de justiça é um homem que tem fé pública. Ele representa o TJE [Tribunal de Justiça do Estado] naquele momento no hotel”, disse Gilberto em entrevista ao Jornal Liberal, da Rede Globo.
O programa de TV promoveu um confronto ao vivo de versões entre o funcionário do tribunal e Ronaldo Valle. Na ocasião, Gilberto reiterou ao público que tomou a decisão sem qualquer ordem verbal ou escrita vinda diretamente do magistrado.
“Isso, para mim, é o suficiente porque vem confirmar de uma vez por todas que em nenhum momento, de viva voz ou de qualquer outro meio, eu passei esta ordem para o senhor Gilberto”, comentou o juiz em resposta.
Do outro lado, Almiro Oliveira também negou as acusações contra ele e ressaltou que nunca fez nada que pudesse atrapalhar o júri. “Eu tenho a minha consciência limpa. O ônus da prova é para quem acusa. Quem acusa tem que provar. Eu quero que o inquérito seja concluído, quero também tomar as providências cabíveis”, argumentou.
INVESTIGAÇÕES
O inquérito da quebra de incomunicabilidade teve início em 15 de dezembro de 2003. Em janeiro, as investigações continuaram com o depoimento de mais testemunhas. Duas delas eram funcionárias da recepção do hotel, que teriam presenciado o momento em que Almiro pediu para reinstalar os aparelhos. Como a gerência se recusou, diante da falta de uma ordem escrita, houve um breve desentendimento, que resultou na ligação para Gilberto Pontes.
De acordo com o delegado Waldir Freire, os sete jurados também estavam presentes na hora da confusão. Àquela altura, alguns deles inclusive já haviam se prontificado a falar no inquérito.
O próximo passo da polícia seria, então, promover um confronto de versões, a chamada acareação, entre os envolvidos. Primeiro, Gilberto e Almiro foram ouvidos juntos em 8 de janeiro de 2004; e, seis dias depois, foi a vez do relato do oficial de justiça ser comparado aos dos jurados.
Como a única declaração contraditória era de Almiro, a investigação concluiu que as demais testemunhas diziam a verdade. Ou seja, o oficial de justiça teria decidido sozinho solicitar a religação dos aparelhos nos quartos, citando uma ordem falsa do juiz. Entrou em contato, então, com a Divisão de Serviços Gerais do Tribunal, que emitiu o ofício por escrito.
De acordo com os depoimentos colhidos, essa situação teria se iniciado por causa de uma jurada de nome Sueli, que queria fazer uma ligação telefônica – o que Almiro dizia ter negado. De alguma forma, porém, as coisas escalaram até o ponto em que todos tiveram os telefones religados.
Infelizmente, o inquérito da quebra de incomunicabilidade não está completo nos autos de Altamira. O conteúdo anexado está disponível aqui:
Inquérito da PC sobre a quebra de incomunicabilidade
DENÚNCIA E SENTENÇA
Após a conclusão do inquérito, o Ministério Público do Pará produziu uma denúncia contra Almiro Oliveira e outros dois oficiais de justiça que trabalharam no júri de Valentina. O processo, de 29 de março de 2004, teve como base a acusação de falsidade ideológica. Isso porque, ao término do julgamento, todos assinaram uma declaração afirmando que a incomunicabilidade dos jurados não havia sido quebrada, o que não era verdade.
Denúncia do MP contra Almiro e outros dois oficiais de justiça
Nesse contexto, vale um comentário: no início do episódio, Dalledone afirmou que apurar uma suspeita como essa não seria tarefa da polícia. Ivan Mizanzuk levou essa dúvida para a pesquisadora e defensora pública Eliza Cruz, uma das consultoras jurídicas do podcast. Ela explicou o seguinte: polícia investiga crime. Quebra de incomunicabilidade não é crime. Logo, não deveria ser assunto da polícia.
Apesar disso, o motivo para uma investigação policial é claro. Afinal, havia a desconfiança de que a seita LUS poderia ter comprado os jurados, os coagido ou os ameaçado. É isso que está nas entrelinhas durante todo o desdobramento pós júri.
A denúncia do Ministério Público, no entanto, não diz nada sobre os membros do Conselho de Sentença. Nenhum deles sofreu nenhum tipo de processo. Pelo contrário, todos colaboraram com o inquérito na elucidação do caso. No fim, a polícia nunca encontrou nada que demonstrasse que eles tenham sido corrompidos. Além disso, ninguém do LUS foi acusado durante as apurações da polícia.
A sentença contra Almiro e os outros oficiais de justiça saiu apenas em 2010. Todos foram condenados, mas não chegaram a ser presos. A pena foi revertida em prestação de serviços.
Sentença contra Almiro e os outros dois oficiais de justiça
Acordão quebra de incomunicabilidade
Sobre Almiro em específico, Ivan Mizanzuk conseguiu confirmar que ele não chegou a perder o cargo. Em 2015, o funcionário do tribunal foi acusado de cometer crime de concussão com outro colega, um homem chamado João Luiz da Rocha Melo. Essa categoria engloba delitos praticados por servidores públicos contra a administração, com a busca de vantagem indevida. Por essa acusação, Almiro foi demitido.
Uma matéria no site do Tribunal de Justiça do Estado do Pará, de 9 de novembro de 2018, traz detalhes sobre o caso. De acordo com o texto, Almiro e João foram acusados de tentar extorquir R$ 3 mil de um casal que possuía um carro com parcelas vencidas. Os oficiais prometeram não apreender o veículo se os donos fizessem o pagamento solicitado.
O casal aceitou pagar R$ 500 na hora, enquanto o restante seria transferido posteriormente. No dia seguinte, no entanto, as vítimas denunciaram o caso para a polícia, que prendeu os funcionários do tribunal em flagrante.
Ainda segundo a matéria, o processo contra Almiro estava temporariamente suspenso pois a perícia constatou que ele sofria de “doenças mentais supervenientes”. Na sentença, diz o texto, o juiz determinou que ele continuasse o tratamento ambulatorial iniciado, para, mais tarde, ser submetido a um novo exame de sanidade mental. Leia a reportagem completa aqui:
“Condenado a 06 anos de reclusão por crime de concussão”
Em 2020, o magistrado responsável não aceitou essa alegação sobre as condições de saúde do réu, e Almiro acabou condenado. Em 2021, chegou a ter um pedido de reintegração negado.
Todos os documentos sobre o caso estão disponíveis abaixo:
Condenação por crime de concussão
Pedido de reintegração (negado)
Então, o que aconteceu no júri de Valentina? Teria Almiro sido subornado para liberar os telefones e televisores aos jurados? Se sim, por quem? Teria ele alguma condição que afetasse a sua saúde mental?
A resposta é frustrante. Não é possível saber o motivo pelo qual o oficial de justiça agiu dessa maneira. Ele sempre negou tudo.
No fim, nenhum tipo de pagamento ou coação entre os envolvidos jamais foi identificado pela polícia. Os jurados nunca disseram ter sido subornados ou ameaçados.
Certamente, se as investigações apontassem qualquer indício de que o Lineamento havia tentado manipular o Conselho de Sentença, isso seria um escândalo. Afinal, não faltava vontade das autoridades em encontrar evidências contra Valentina e os seguidores do LUS.
O que existe, na verdade, são apenas boatos de que os jurados teriam ganhado bens ou dinheiro para absolver a acusada. Nada nos autos, porém, comprova essa desconfiança.
APELAÇÃO
O pedido da promotoria para anular o júri de Valentina foi protocolado em 11 de dezembro de 2003 pela doutora Rosana Cordovil. Nele, não há nenhuma menção à suspeita da quebra de incomunicabilidade. Como já mencionado, em entrevistas que concedeu na época, ela dizia preferir acreditar que os jurados tinham sido induzidos ao erro, não corrompidos.
Apelação do MPPA para anular o júri
Em 2005, o Tribunal de Justiça do Estado do Pará votou a favor da anulação do júri, sob a alegação de que os jurados de fato não permaneceram isolados. No mês de outubro, um novo promotor, Ricardo Albuquerque da Silva, elaborou um parecer para reiterar que a decisão do TJ deveria ser mantida. Dessa vez, ele citou a quebra de incomunicabilidade e anexou matérias sobre o caso, dos jornais O Liberal e O Diário do Pará.
Parecer de Ricardo Albuquerque da Silva
Após a anulação, em teoria, Valentina deveria ser julgada novamente. Por uma série de motivos técnicos e recursos utilizados, porém, o crime acabou prescrevendo.
Fato é que, apesar do isolamento ter sido violado, muitos acreditam que a votação dos jurados não foi necessariamente afetada. O próprio juiz Ronaldo Valle, por exemplo, compartilha dessa opinião.
Em entrevista à TV Liberal na época, ele disse que os jurados telefonaram apenas para a família, com o intuito de receber notícias de casa. “Isso, ao meu ver, não é quebra de incomunicabilidade. A quebra de incomunicabilidade é caracterizada quando há um comentário sobre o processo. Nenhum jurado, nenhum oficial de justiça, foi corrompido. Ninguém recebeu dinheiro”.
Essa entrevista está disponível no canal do YouTube do jornal O Liberal, em uma série sobre crimes chamada “Somente a Verdade”. Em 2022, os episódios 3 e 4 foram dedicados ao caso dos emasculados de Altamira. Neles, porém, há detalhes que ainda vão aparecer no podcast.
Jornal O Liberal – “Somente a Verdade”
Baseado nessa declaração do juiz, Ivan Mizanzuk acredita que a falta de perspectiva sobre a duração do júri contribuiu para a confusão no hotel. A quebra do isolamento teria ocorrido em 21 de novembro, durante a terceira sessão. Vale relembrar: os julgamentos anteriores tinham se encerrado em três dias – ou seja, àquela altura já era para o de Valentina também ter acabado. Só que a defesa insistiu na leitura de peças, e o fim dos trabalhos ficou cada vez mais distante.
Frente à situação, talvez alguém – Almiro ou outra pessoa – tenha se sensibilizado com o fato dos jurados terem que ficar tanto tempo sem falar com a família, e decidiu liberar os telefones.
O advogado Dalledone, por sua vez, tem outra versão para o que aconteceu. Ele acredita que Ronaldo Valle autorizou a reinstalação dos aparelhos nos quartos, com o conhecimento da acusação.
“Nós não sabíamos que o juiz havia franqueado abertamente a situação dos jurados. Eles estavam se comunicando abertamente com tudo e com todos, estavam falando entre eles, com os familiares. Existiam reuniões dos jurados. Isso a gente veio saber depois porque o juiz disse ‘está liberado, desde que a defesa não fique sabendo disso’”, disse Dalledone ao podcast.
Segundo essa visão, o plano era claro: se Valentina fosse absolvida, o julgamento precisava ser anulado. A quebra de incomunicabilidade, então, seria a justificativa perfeita.
Ivan, por outro lado, acha difícil acreditar nessa hipótese. Não há no processo nenhuma testemunha afirmando que algo desse tipo tenha ocorrido, tampouco provas que indiquem a existência de um complô no júri. O próprio juiz sempre negou as acusações.
Para o advogado Arnaldo Faivro Busato Filho, os jurados votaram pela absolvição devido à falta de provas nos autos. Assim como Dalledone, ele desconfia da atuação da presidência do tribunal na quebra do isolamento.
“Absolver a Valentina contra tudo e contra todos é um ato de coragem cívica que poucas pessoas têm condições de avaliar. E, mesmo assim, essas juradas foram vítimas de ofensas e difamações porque teriam se beneficiado de algumas mordomias durante o julgamento. Mordomias essas que a presidente do Tribunal de Justiça do Pará autorizou o juiz a conceder, porque todos acreditavam que elas condenariam a Valentina”, concluiu.
Logo após a absolvição, o assistente de acusação Clodomir Araújo concedeu uma longa entrevista ao programa “Sem Censura”, da TV Cultura do Pará. A quebra de incomunicabilidade ainda não havia sido investigada, e a crença da promotoria era de que os jurados haviam votado contra as provas dos autos.
Na ocasião, Araújo criticou o que chamou de “teatralização” de Valentina durante o julgamento, para comover os jurados. Ele afirmou que ela teria dado “chiliques” no momento em que José Alfredo Teruggi foi citado na sessão. “Enquanto isso, ela apresenta nos autos uma certidão de casamento com um jovem rapaz de 34 anos de idade, 40 anos mais novo do que ela”, falou o assistente de acusação no programa.
Esse trecho é bastante revelador por uma série de motivos. Teruggi era o marido argentino de Valentina na década de 1990 – o mesmo que a acompanhou na viagem à Guaratuba na época. Ele morreu em um acidente de asa delta por volta do ano 2000. E como a líder do LUS relatou tantas vezes em diversas ocasiões, Teruggi teria sido o grande amor de sua vida.
Mas, em 2003, Valentina estava casada com outro argentino, Walter Muñoz, que era realmente muito mais novo do que ela. Na ocasião, ela tinha 72 anos de idade, e ele 34, quase 40 anos de diferença.
Nesse contexto, Clodomir Araújo acusava a ré de usar a memória do ex-marido para fazer um teatro e comover os jurados, enquanto já estava novamente casada. Esse argumento bastante problemático chama a atenção porque Valentina era apontada basicamente como uma “bruxa” que seduzia homens mais novos.
O histórico de casamentos dela, diante desse cenário, vira um alvo fácil: Walter já era o seu quinto marido. Antes dele veio Teruggi, que era 23 anos mais novo do que Valentina.
Previamente, o companheiro da líder do LUS havia sido Roberto Olivera, o argentino que ela conheceu em Altamira na década de 1970. Nesse período, Valentina ainda era casada com Duílio Nolasco Pereira, que se mudou para o Pará, enquanto ela permaneceu no sul do Brasil.
A distância fez com que o relacionamento com Duílio acabasse, mas Olivera, o novo pretendente, estava disposto a acompanhar a nova amada até o Paraná.
Por fim, antes de Duílio, havia Marcos, o primeiro marido de Valentina. Ele nunca havia sido mencionado no podcast pois é irrelevante nessa história.
Portanto, a vida amorosa da líder do LUS já era alvo de julgamentos alheios. Somado a isso, havia o grupo de argentinos a chamando de “mamãe”, os vídeos, as ideias polêmicas e as falas incisivas. Todos esses elementos sempre ajudaram a aumentar as lendas em torno de Valentina.
Desde o começo das investigações sobre o Caso Evandro, Ivan Mizanzuk sentia que precisava entender a história de Valentina a fundo. Para isso, as informações nos autos ou na internet não eram suficientes. Era necessário falar com ela – e o resultado será mostrado no próximo episódio.
*Este episódio usou reportagens da Rede Globo e da TV Cultura.