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Finalmente, Ivan Mizanzuk e Cassiano, filho de Ilo Rodrigues, embarcaram em uma jornada para desvendar a parte da história que ficou submersa em Foz do Iguaçu – como uma Atlântida particular, uma terra perdida que, nesse caso, ainda existia e poderia revelar algo. 

A essa altura, Ivan carregava consigo uma série de perguntas, acumuladas ao longo do tempo. Quais histórias seriam confirmadas? Quais se revelariam enganosas, ou talvez completamente inéditas? Existiriam mais gavetas a serem abertas, além das hipóteses que já surgiram até aqui? 

A Foz do Iguaçu visitada por Ivan e Cassiano em 2024 é bem diferente daquela dos anos 1980, quando Ilo viveu lá com Wanda e os filhos, e mais tarde com Cristina. Ao caminhar pelas ruas, é evidente que a cidade se transformou. Porém, como qualquer outro lugar, ela ainda guarda vestígios do passado. Eram essas as marcas, e as pessoas que delas fizeram parte, que a dupla precisava identificar. Mas ambos tiveram uma ajuda extra: a jornalista Natalia Filippin, do Projeto Humanos, os acompanhou nessa jornada.

Para relembrar, atualmente, Cassiano mora em São Gabriel da Cachoeira, no interior do Amazonas, a cerca de mil quilômetros de Manaus. Para chegar em Foz, ele encarou dois dias de viagem, mesmo de avião, e praticamente atravessou o país.

CRISTINA

A primeira conversa do trio seria com Cristina, a companheira de Ilo na época do desaparecimento. No primeiro contato por telefone, Ivan percebeu que ela não gostava de ser chamada de Tereza Cristina, como era conhecida em Curitiba pelos familiares do piloto. Na ocasião, ela também demonstrou resistência em conceder entrevista. Disse que não falaria com jornalistas sobre o assunto, e que não queria reviver a história. 

No entanto, Cristina mudou de ideia ao descobrir que Ivan havia produzido o Caso Evandro, e que o principal interessado na conversa era Cassiano. Nesse caso, ela aceitou falar, mas só pessoalmente. Por conta de tudo isso, Ivan estava ansioso por essa conversa. 

Em 1986, quando o pai desapareceu, Cassiano tinha 12 anos. Já Cristina era uma jovem de 26, e Ilo, um homem de 40 anos. Na época, o filho do piloto chegou a conhecer a nova companheira do pai e a passar férias com o casal. Após Ilo sumir, porém, eles cortaram contato.

Agora, 38 anos depois, esse encontro finalmente estava prestes a acontecer. Ivan já tinha visto Cassiano pessoalmente, mas agora conheceria Cristina, que hoje está com 64 anos. 

“Ah, Cassiano, como você ficou lindo! Teu pai teria orgulho de te ver assim. Eu estava esperando um cara careta, sabe? Um grande executivo de Curitiba, insuportável”, revelou Cristina, ao ver Cassiano pela primeira vez depois de quase quatro décadas.

“Aquele gênio do seu Ilo lá, o aventureiro, caiu todo para mim”, respondeu o filho de Ilo.

Logo no início do encontro, Cristina mostrou para o trio uma pasta rosa, cheia de fotografias dela com Ilo, Cassiano e o irmão, Luciano, ainda crianças. Fotos antigas de viagens e passeios que fizeram juntos. Por um breve momento, eles pararam para ver as imagens, que serviram como uma eficiente máquina do tempo. 

Mas, em minutos, o passado virou presente, e Cristina se mostrou interessada na vida de Cassiano e Luciano. Ela queria saber como eles estavam, e o que faziam profissionalmente. Para ela, era importante recuperar o tempo com eles, com pessoas que também fizeram parte da história dela.

Hoje aposentada, a ex-companheira do piloto exerceu profissões importantes ao longo da vida. Foi funcionária da Caixa Econômica Federal por muitos anos, e chegou a virar presidente do Sindicato dos Bancários. Posteriormente, graduou-se em Direito, o que a levou a ter uma carreira como professora universitária. Mas, antes de tudo isso, ela tinha uma vida totalmente diferente. 

Em 1984, Cristina trabalhava na Marinha e era encarregada da Escola de Fluviários de Foz do Iguaçu, que cuidava da formação de marinheiros e navegadores amadores. Ela conheceu Ilo justamente porque ele procurou a escola para tirar a carta de arrais, a “carteira de motorista” dos condutores de embarcações.

“E aí eu dificultei aquela carta dele. […] E ninguém teve tanta dificuldade de tirar uma carta de arrais-amador no mundo”, contou Cristina, rindo. “A gente ficou disfarçando. Ele era interessado pela navegação de cabotagem, navegação disso, daquilo, para pilotar um ‘catamarãzinho’. Eu fui dando todas as informações que podia. Aí, quando finalmente tive que entregar a carta, a gente já estava muito interessado um no outro”.

Os dois, então, passaram um tempão conversando por telefone. Quando Ilo finalmente a chamou para sair, ele se mostrou, segundo ela, “a pessoa mais romântica da face da Terra”.

“Ele era um espetáculo de pessoa em tudo o que fazia. Era um homem delicado, sabe? Um homem que se interessava por tudo, de astronomia à astrologia. Só não falava de física quântica porque a gente não falava de física quântica na época. Então, ele era um intelectual e, ao mesmo tempo, um homem gentil e simples. Não existe ninguém igual ao Ilo. Ele tinha que sumir mesmo, porque não tem ninguém igual a ele. Não existe”, disse.

O relacionamento entre os dois avançou com o tempo, mas havia um problema: como a lei do divórcio ainda não existia, Ilo e Wanda tinham passado somente pelo processo de desquite. Isso significava que a separação demoraria mais uns anos para ser oficializada. Enquanto isso, Cristina enfrentava a tradicionalidade da família, que exigia que ela se casasse antes de morar junto com o namorado. 

Porém, ainda em 1984, um acontecimento terrível adiantou os planos do casal. Certo dia, Cristina olhava pela janela do apartamento onde morava, quando presenciou o suicídio de uma vizinha, que se jogou do prédio, andares acima do dela. Traumatizada, ela saiu de casa e começou a passar os dias com Ilo, na residência cedida a ele pelo Ministério da Agricultura. Dias viraram meses, que viraram anos, e os dois juntaram as escovas, mesmo sem se casarem.

De acordo com Cristina, nos dois anos de relacionamento, Ilo teria comprado pelo menos dois terrenos: um para a loja de semijoias e outro com uma pequena casa, onde ela morou depois do desaparecimento.

Cristina forneceu o endereço deste segundo imóvel para Ivan, que correu atrás da escritura, mas não conseguiu localizá-la. Segundo o que a família Rodrigues levantou na época, essa era uma situação recorrente na busca pelos bens de Ilo. A ex-esposa, Wanda, sempre comenta que muitas das posses sumiram junto com ele, provavelmente levadas por outras pessoas. Talvez por indivíduos ligados a ele, para os quais o piloto teria dado procurações, por exemplo – algo que fazia com frequência.

Outra possibilidade também é simples: Ilo poderia ter comprado o imóvel diretamente do proprietário, sem qualquer registro. Isso também era comum na época, e ainda é até hoje, especialmente em cidades do interior. 

Fato é que, se o próprio Castorino, com a assistência de um advogado, não conseguiu levantar informações sobre isso, seria difícil que as pesquisas de Ivan tivessem um resultado diferente.

Cristina também não se lembra do que aconteceu com a tal casa. O desaparecimento de Ilo foi um baque tão grande, que ela apagou da memória vários eventos relacionados ao ex-companheiro. “Quando uma pessoa morre, você sofre, enterra e esquece. Uma [pessoa] ausente, as coisas se renovam, sabe? Então, para sobreviver, eu tive que esquecer”, comentou.

O último laço com o piloto que ela resolveu apagar foi um telefone fixo. “Eu pensava assim, a única coisa que o Ilo pode ter é esse número de telefone. E eu mantinha esse telefone ligado. Eu me mudava e ligava. E ninguém mais tinha telefone fixo. Eu tinha sem usar. Ele ficava dentro de uma gaveta. Eu nem abria aquela gaveta. Se um dia tocasse, eu daria um jeito de ouvir tocar ali dentro. Até que, sete anos atrás, eu falei ‘chega’. Desliguei, me mudei, e esqueci o número”. 

Ainda em relação a posses e dinheiro, Cristina admite que Ilo era uma pessoa ambiciosa. Tinha comprado o avião, queria administrar a loja de semijoias, e fazia inúmeros investimentos. Segundo ela, porém, o objetivo não era ostentar, mas sim deixar os filhos amparados. “Ele falava que queria dar para vocês [Cassiano e Luciano] o que o seu Castorino não tinha dado para ele. Eu não lembro bem o quê, mas, se pudesse traduzir hoje, eu diria que o seu Castorino devia ter muita grana e não facilitou a vida para ele. E ele queria ter grana para que vocês tivessem uma vida mais fácil”, revelou.

Durante esta temporada do podcast, as irmãs de Ilo sempre disseram que ele era o filho preferido, o mais protegido, o mais amado. Aqui, no entanto, temos um vislumbre do que ele pensava sobre o assunto.

Em uma das entrevistas, Ivan ouviu de Iná que os pais, Castorino e Gecy, se bastavam, e nunca amaram os filhos de verdade. Portanto, mesmo visto pelos irmãos como o preferido, talvez o próprio Ilo não se sentisse assim. 

AS JOIAS

A ambição de Ilo perpassava a ideia de usar o avião que havia comprado para buscar ouro em garimpo. Até mesmo Cassiano disse ter ouvido isso do pai. Já Cristina afirmou que o então parceiro jamais compartilhou tal pretensão com ela.

Na opinião da ex-namorada, estava claro que Ilo queria montar uma loja de semijoias, ou seja, não necessariamente só com metais preciosos e caros. Cristina chegou a ver algumas das peças que seriam vendidas e, após o sumiço do piloto, parte delas ficou guardada na casa do Ministério. Com medo do alto número de assaltos à residências na região, ainda mais com a repercussão do desaparecimento na imprensa, ela decidiu entregar todo esse material para Ari de Quadros, um dos amigos de Ilo. 

Nesse ponto, Ivan já estava em contato com o filho de Ari, para saber se seria possível marcar uma conversa com ele durante a viagem para Foz. O jornalista recebeu a informação, porém, de que Ari passava por problemas de saúde e talvez não conseguisse conceder uma entrevista. Mesmo assim, continuou tentando.

Para desvendar o paradeiro das tais joias, ou semijoias, Ivan analisou documentos contidos na pasta rosa de Cristina. Como resultado, ele descobriu que as peças não foram entregues para Ari. Mas sim para os sócios da loja de Ilo, que se recusaram a falar com a produção do podcast. Por isso, Ivan não pôde confirmar essa informação.

De qualquer forma, Cristina conta que passou por várias tentativas de assalto à residência na época. Isso porque, com o desaparecimento do piloto, parte da imprensa passou a dizer que Ilo tinha fugido e deixado em casa muito dinheiro e posses de valor. 

Cerca de seis meses após o sumiço, a ex-companheira decidiu viajar para o Rio de Janeiro, onde tinha parentes, a fim de mudar de ares e esfriar a cabeça. Com esperança de que Ilo pudesse procurá-la em Foz, resolveu deixar uma mensagem na secretária eletrônica, avisando da ausência. Isso foi o suficiente para que ladrões aproveitassem a oportunidade e fizessem uma limpa na casa. Segundo Cristina, eles levaram tudo, inclusive uma coleção de moedas raras e vinhos caros, pertencentes ao Ilo. No fim, só sobraram a geladeira, o fogão e o sofá. 

Ainda na pasta rosa, há uma declaração interessante, datada de 7 de janeiro de 1987, menos de duas semanas depois do desaparecimento. Nela, Cristina afirma ter entregado diversos itens de Ilo – materiais de rádio amador, computadores, impressoras, etc – para uma mulher. O motivo que a levou a se desfazer desses objetos, de acordo com o documento, era justamente o medo de assaltos.

Ivan tentou encontrar a pessoa citada na declaração, mas descobriu que ela faleceu em 2001. Em contato com a família da mulher, o jornalista confirmou que os equipamentos citados teriam ficado na casa dela por cerca de um ano. Depois disso, ela se mudou, e o destino dos itens permanece incerto. Não se sabe se eles foram descartados ou repassados para alguém.

Voltando à questão das joias, como mencionado anteriormente, Ivan tentou entrar em contato com os sócios de Ilo na loja, para entender melhor como o negócio funcionava. Mas nenhum deles quis falar com o podcast.

Em relação ao assunto, o jornalista conseguiu levantar que Ilo estava muito empolgado com o novo empreendimento, assim como os parceiros. Mas, quando ele sumiu, todo mundo perdeu o chão. Os sócios enfrentaram sérios problemas financeiros e, até hoje, eles têm dificuldades em falar sobre isso. 

Desde as primeiras conversas com a família Rodrigues, surgiram dúvidas sobre como Ilo, com o salário que recebia, poderia bancar a vida que tinha e ainda comprar terrenos, ações, barco e até um avião. Somado a isso, Wanda, mãe de Cassiano, já havia dito que o engenheiro agrônomo mandava para ela todo o salário que recebia. 

Após o desaparecimento, começaram a circular em Foz rumores de que Ilo poderia estar envolvido em atividades ilegais. Como ninguém sabia se ele havia sumido por vontade própria ou não, a questão do dinheiro poderia ser uma boa pista e precisava ser esclarecida. 

De acordo com Cristina, a fonte de renda de Ilo vinha do salário como funcionário do Ministério da Agricultura e da quantia que havia aplicado em investimentos e na poupança. Ela também disse ser possível que o ex-parceiro realmente enviasse para Wanda e os filhos tudo o que recebia pelo cargo público. Enquanto isso, como o pagamento na Caixa Econômica era alto, Cristina dava conta das despesas da casa – que não eram muitas, já que a residência era cedida pelo Ministério.

“Eu era uma pessoa mega simples. Ele também. Então, o que ele gastava era para o avião”, contou ela. Além de usar o que tinha na poupança, para bancar o hobby de aviação, Ilo fez um empréstimo no antigo Banco Real. Depois do desaparecimento, quem tentou quitar a dívida foi o pai dele, Castorino.

GOLPE DO BANESTADO

No meio desse imbróglio financeiro, há outro acontecimento que marcou a vida de Ilo e Cristina, e de muitos outros moradores de Foz do Iguaçu: o famoso golpe do Banestado, arquitetado pelo gerente Rubens Rodrigues, explicado em detalhes no terceiro episódio desta temporada.

Para relembrar, Rubens era amigo de Ilo. E, apesar de compartilharem o mesmo sobrenome, não eram parentes. Na época, especulou-se que ambos poderiam ter aplicado o golpe juntos e fugido em seguida – o piloto em dezembro de 1986, e o gerente em fevereiro de 1987. Até agora, contudo, não há nenhuma prova concreta que confirme essa hipótese.

Cristina relata que conheceu Rubens quando foi ao banco para fazer investimentos com ele. Isso, claro, antes de saber que se tratava de um esquema duvidoso. Quem a incentivou a tomar essa atitude foi o próprio Ilo, que não queria que ela deixasse dinheiro na poupança, quando poderia fazê-lo render muito mais com o auxílio do gerente do Banestado. 

“Aí eu peguei minha poupancinha e dei na mão dele, e ele aplicou com o Rubens. E sumiram os dois. […] Eles se diziam irmãos. Por conta do Rodrigues, eles brincavam que eram irmãos. […] Ele não era um gerente de banco, era um amigo. O Ilo, eu acho que ia quase todo dia na agência”, disse ela.

Vislumbrados com o alto rendimento oferecido por Rubens, o próprio Ilo e outros moradores de Foz, como Ari de Quadros, por exemplo, aceitaram entregar dinheiro nas mãos dele. 

Em resumo, o que acontecia era o seguinte: a pessoa dava uma quantia para o gerente, e na hora recebia um cheque pré-datado para dali um mês, no mesmo valor, mas com um acréscimo de 10%. O cheque não era do Banestado, mas de Rubens, o que significa que o dinheiro vinha da conta dele, sem afetar a agência. 

“Ele não levou nada do banco. Não esqueça que depois eu virei presidente do Sindicato dos Bancários. Eu conheci os bancários que trabalharam com ele. Eu conheço a história por dentro também. Ele não fez nada de errado no banco, porque não era besta”, comentou Cristina

Pouco antes de sumir com a grana dos clientes, Rubens fez algo completamente inesperado. Em janeiro de 1987, ele visitou Cristina e, como quem não quer nada, perguntou se ela não gostaria de retirar do banco o montante que havia investido. Com a saúde debilitada devido ao desaparecimento de Ilo, ela não deu importância à questão e respondeu que Rubens poderia reaplicar o dinheiro, porque ela não tinha cabeça para lidar com aquilo no momento. 

No mês seguinte, o gerente do Banestado fugiu, para nunca mais ser visto. “Como eu fui burra! Era grana. Você não tem ideia do quanto era grana. Era muita grana. […] E eu dava cada centavo para ver o Ilo chegando por aquela porta”, desabafou.

Nesse momento da conversa, Cristina explicou que, assim que Ilo sumiu, ela começou a anotar nomes e números de telefone de todas as pessoas para quem ligava, ou que entravam em contato com ela. Tudo isso em busca de pistas que levassem ao paradeiro do piloto. Estas folhas, com as anotações, foram entregues a Ivan. 

Quando o companheiro desapareceu, Cristina chegou a ligar para o irmão de Rubens, que morava em Cascavel, para perguntar se ele tinha notícias de Ilo. Infelizmente, a resposta foi negativa. Meses depois, quando o gerente do Banestado fugiu, a situação se inverteu e foi o irmão dele quem procurou por ela. Do mesmo modo, Cristina também não soube dar nenhuma informação a ele. 

De acordo com ela, empresários que investiram grandes quantias com Rubens, como Ari, por exemplo, passaram a procurá-lo por conta própria. Como os boatos davam conta de que o gerente havia fugido com a secretária, uma das ações iniciais foi tentar localizar a família dela.

Ari de Quadros é um empresário conhecido em Foz até hoje. E, em torno dele, circulam muitas histórias. Há quem acredite, por exemplo, que ele conheceria vários negócios escusos na cidade. Porém, após uma pesquisa aprofundada, inclusive judicial, Ivan pôde verificar que a maioria desses comentários são fofocas sem fundamento. 

Entre os empreendimentos de Ari, o mais famoso é uma empresa de táxi aéreo. Na época do desaparecimento de Ilo, ele tinha uma renda considerável. E, pelo o que Ivan escutou enquanto estava em Foz, o empresário já era cliente de Rubens Rodrigues

Ao conversar com moradores de lá, o jornalista ouviu que Ari teria contratado capangas para intimidar a família da secretária que fugiu com Rubens. Como resultado, eles descobriram que o casal estava escondido em Santos, no litoral de São Paulo. Os capangas, então, tentaram ir atrás deles, mas os golpistas foram mais rápidos e conseguiram escapar.

Dos clientes lesados, Ivan encontrou apenas um que aceitou falar sobre o assunto, porém sem gravar. Essa pessoa provavelmente foi a única a ter algum tipo de reparação financeira, já que ficou com um apartamento de Rubens, por meio de ação judicial.

Fato é que o gerente do Banestado prejudicou bastante gente. E, aparentemente, as vítimas se escondem até hoje. Ninguém quer contar essa história. Para piorar, segundo o que circula na cidade, alguns clientes tentaram processar o Banestado. No entanto, como o caso estava relacionado ao esquema de Rubens e não diretamente ao banco, acabaram perdendo mais dinheiro. 

Enquanto uma boa parcela dos empresários de Foz olhava para os bolsos vazios, e Cristina ainda se via sem rumo, Ari de Quadros se aproximou para ajudá-la. Afinal, ele também sentiu a dor da ausência de Ilo.

“O Ari foi quem sustentou a barra lá em casa. Falava comigo, corria atrás, me ajudava a entender as coisas que eu não estava entendendo. […] O Ilo tinha uma chácara na beira do lago. Ele levou um golpe, o cara falsificou a assinatura dele, eu fiquei sabendo disso. […] E o Ari pegou o meu cavalo. Ele levou a égua, não sei, levou para cuidar em algum lugar, para não sumirem com isso. Tempos depois, eu fiquei sabendo que venderam a chácara”, contou Cristina.

Ela se lembra que ouviu de Álvaro Albuquerque, o advogado contratado por Castorino para resolver as pendências de Ilo, que ele teria visto a documentação da chácara assinada, como se o piloto tivesse passado uma procuração para permitir a venda.

Ainda em Curitiba, Ivan tentou por várias vezes entrar em contato com o advogado. O filho de Álvaro, então, lhe informou que o pai estava muito doente por conta da idade, e não tinha a menor condição de falar. 

Da papelada da época, nada mais restou. A essa altura, o jornalista já sabia que Ilo possuía muitos bens e, segundo Cristina, também tinha uma grande poupança. Como o casal não precisava pagar moradia e ela cobria as demais despesas, o piloto poderia ter investido esse dinheiro em diferentes ativos. 

No entanto, como mencionado antes, a ex-esposa, Wanda, é categórica em dizer que todas as posses do então marido sumiram após o desaparecimento dele. E essa informação foi confirmada por Cristina.

A pergunta aqui é: as pessoas que tomaram os bens se aproveitaram da situação, ou isso pode ser uma pista relacionada ao próprio sumiço?

LIGAÇÕES GRAMPEADAS

Outra questão essencial a ser esclarecida é a postura de Castorino, na época, em relação à Cristina. Ele tinha contato com ela e compartilhava as investigações que conduzia? Ou mantinha sigilo em tudo, como fazia com a família?

“Eles [Castorino e Gecy] gostavam muito de mim. A gente conversava, saía para jantar. Quando eu ia para Curitiba, visitava a casa deles e tal. Quando o Ilo sumiu, eles ficaram lá em casa, eu não sei dizer quanto tempo. Posso dizer uma semana ou dois meses. Tanto faz. Ficaram um tempão lá, e contrataram advogado. Me entregaram na mão do advogado. Arrumaram tudo o que podiam arrumar. Organizaram, pegaram todos os documentos, botaram em caixas para levar para Curitiba”, comentou ela.

Apesar do bom relacionamento com os sogros, Cristina mal conseguia conversar com eles sobre Ilo, porque isso a afetava demais. Ela se recorda de ligações telefônicas com Castorino, em que ambos só choravam, sem se aprofundarem no assunto. Também por isso, a ex-companheira não sabia quais atitudes exatamente o pai do piloto estava tomando em busca do paradeiro do filho.

Completamente sem chão, Cristina passou muito tempo em frangalhos, sem cuidar direito da saúde física e mental. Nos primeiros meses após o sumiço, quando esta situação estava no auge, ela recebeu uma ligação estranha em casa: supostos sequestradores disseram que estavam com Ilo e ameaçavam agredi-lo, caso o dinheiro do resgate não chegasse até eles. 

Desesperada, ela contou tudo para Castorino, que teria feito contato com policiais federais. Como consequência, por alguns dias, um agente da PF se hospedou na casa dela e colocou escutas no aparelho, para acompanhar as ligações que Cristina recebia.

Assim que o telefone tocou, com os tais sequestradores do outro lado da linha, o policial pôde ouvir a ligação. Cristina estava tão abalada, porém, que sequer tentou tirar qualquer informação dos bandidos. Ela só conseguia gritar, descontrolada, pela vida de Ilo. 

“Eles ligaram várias vezes e não conseguiram falar em nenhuma. Porque todas as vezes eu dizia que ia ficar quietinha e destrambelhava. Eu começava a implorar e implorar. Porque eles falavam coisas muito pesadas. Aí eu começava a implorar, implorar, implorar. Eles viam que não tinham nem como conversar com a louca, e desligavam”, relatou.

Cristina não sabe por que a Polícia Federal entrou no caso dessa maneira, e não a Civil. Ela acredita que isso esteja relacionado aos contatos de Castorino, e também a uma possível falta de confiança nas forças policiais locais. A ex-companheira do piloto tinha a sensação de que, assim como ela, Castorino havia percebido certa má vontade e deboche por parte da Polícia Civil ao tentar buscar ajuda. 

Após alguns dias de escuta na residência, um delegado informou Cristina que as ligações dos tais sequestradores não passavam de trotes, feitos por oportunistas que só queriam dinheiro. De acordo com o investigador, nada indicava que Ilo tivesse de fato sido capturado, e estivesse vivo em algum lugar, esperando por resgate. Depois de um tempo, as ligações pararam por completo, e Cristina não teve mais contato com os policiais da PF.

Durante a conversa, Ivan continuou encucado com essa história. Afinal, grampear telefonemas e fornecer um agente para acompanhar tudo e até mesmo dormir na casa de alguém não é algo nada banal. No mínimo, isso deveria estar registrado em algum documento.

No entanto, o Projeto Humanos não conseguiu encontrar nenhum inquérito ou qualquer outro arquivo da Polícia Federal relacionado à Cristina ou ao Ilo. 

ATIVIDADES ILEGAIS

Apesar disso, Ivan ainda guardava na mente o famoso encontro entre Castorino Augusto Rodrigues e Romeu Tuma, o diretor-geral da PF no período. Será que ele teria alguma relação com os eventos narrados por Cristina?

Sobre isso, ela disse que, na época, ficou sabendo que o sogro falaria diretamente com Romeu Tuma. Isso lhe deu até certa esperança, de que finalmente o caso seria solucionado. O conteúdo do diálogo entre os dois, contudo, não era uma informação que ela tinha. 

Ivan, então, lhe explicou o que ouviu da família Rodrigues: Tuma recomendou a Castorino que ele parasse de investigar o desaparecimento de Ilo, porque pessoas perigosas poderiam estar envolvidas no ocorrido. 

Nesse contexto, uma das teorias ventiladas é que Castorino descobriu que o filho participou de atividades ilegais e buscou encobrir as investigações para protegê-lo. Cristina, porém, reluta em acreditar que o ex-companheiro cometeu qualquer tipo de crime. Assim como ela foi alvo da imprensa, que chegou a chamá-la de “concubina” de Ilo, Cristina acha que o mesmo aconteceu com ele, ao ser rotulado como “traficante” ou “contrabandista”. 

“Eu não sei até onde o Ilo iria com a ambição dele, sabe? Ele era muito operativo. Ele era uma pessoa de trabalhar. Ele adorava curtir a vida, mas ele trabalhava. Então, para mim, ele não procuraria um caminho fácil. Por exemplo, pegar ouro no garimpo para fabricar joias em Foz do Iguaçu faz sentido. Você entende? Consegue construir esse Ilo que trabalhava que nem um camelo no Ministério da Agricultura, e viajava para pegar ouro e fabricar joia? Está vendo ele trabalhar? Trabalhando, estudando. Então, assim, o tráfico é muito fácil. E não se esqueça que ele tinha os meninos. O calcanhar de Aquiles dele eram os meninos”, comentou ela.

Cristina não foi a primeira a falar isso: o amor da vida de Ilo eram os filhos, Cassiano e Luciano, por quem faria tudo. Por eles, jamais se meteria em algo tão perigoso quanto o tráfico de drogas. Muito menos fugiria por tantos anos sem dar notícia.

Mas, então, lembramos da reportagem mencionada no terceiro episódio, sobre a suspeita de Ilo estar envolvido com uma quadrilha de adulteração de adubo.

Pelo o que Ivan conseguiu verificar, a polícia nunca apurou nenhuma das duas possibilidades – tráfico de drogas e contrabando. Contudo, a própria Iná, irmã do piloto, disse em entrevista não duvidar que Ilo participasse de algum esquema ilícito. Uma das coisas que a levava a acreditar nisso era a tal carteira de identidade paraguaia que ele possuía. 

Ivan descobriu que, na verdade, naquela época, era muito fácil – e comum – que os moradores de Foz fizessem esse documento, principalmente porque facilitava as interações com a aduana. Isso, portanto, não necessariamente relacionava Ilo à ilegalidades. 

POSSIBILIDADE DE SEQUESTRO

De todas as hipóteses que cercam o desaparecimento de Ilo, uma sempre ressoou na mente de Cristina: a de sequestro. Isso tem como origem a já citada visita dos dois homens misteriosos na casa dela, no dia do desaparecimento, 27 de dezembro de 1986.

Ela se lembra que era um dia quente, e Ilo havia acabado de sair rumo ao aeroclube de Foz. O casal morava na residência cedida pelo Ministério da Agricultura, que ficava ali do lado. Era perto do horário do almoço e ela precisava ir ao mercado.

Mesmo com preguiça, Cristina criou coragem para sair e caminhou em direção ao carro dela. Assim que entrou e deu ré, notou que havia um Fusca azul estacionado na rua. No gramado ao lado, estavam dois homens deitados.

Quando viram que o veículo começou a andar, eles se levantaram e andaram até ela. Foi nesse momento que ambos perguntaram por Ilo, em tom de urgência, como se precisassem falar com ele naquele exato minuto. Ao notar o desespero da dupla, Cristina contou que o companheiro havia acabado de sair rumo ao aeroclube, e que, se eles fossem rápidos, daria tempo de encontrá-lo antes dele levantar voo. Com essa informação, os homens entraram no Fusca e dirigiram em disparada pela rua.

“E aí que a terapia durou mais 10 anos para mim. Porque fui eu que entreguei o Ilo. No meu sentimento de culpa. […] Cara, eu bati muita cabeça na parede. Eu bati muita cabeça na parede. Eu e a minha boca grande. Por que eu fui falar? Sabe?”, desabafou.

Do estranho encontro, um detalhe chamou a atenção de Cristina: os homens tinham sotaque castelhano. Posteriormente, ela os identificou como bolivianos. O caso se tornou ainda mais claro para ela depois que assistiu a uma reportagem especial da Rede Globo sobre os roubos de aviões. 

“Lembra o avião do Ilo? Porta-malas enorme. Ele se colocou ali na vitrine, ‘me sequestre’. Foi para um lugar ermo com aquele avião. Estava perfeito para os bolivianos o sequestrarem. Então, se você me perguntasse qual é a possibilidade mais plausível, para mim, aqueles bolivianos vieram sequestrá-lo, ou o avião, ou ele e o avião”, opinou ela. 

“E, conhecendo ele um pouquinho, ele não morreu não. Ele não resistiria. Ele tinha jogo de cintura para servir essa galera pensando em um dia fugir. E isso eu alimentei. Enquanto eu imaginava que ele tinha idade para fugir, eu pensava ‘um dia ele vai conseguir fugir’. Está lá, está servindo ao tráfico, está pilotando para os caras, e um dia vai fugir”, completou.

Mesmo acreditando na possibilidade de sequestro, para Cristina, não foram os verdadeiros responsáveis que ligaram para a casa dela na época. Primeiro, porque ela acha que as vozes no telefone eram de brasileiros. Segundo, os interlocutores nunca pediram uma quantia específica de dinheiro, não ofereceram nenhum tipo de negociação e, no fim, pararam de ligar. 

Já em relação aos homens que a visitaram naquele dia 27 de dezembro, ela afirma ter certeza que tinham sotaque castelhano e que dirigiam um Fusca azul. 

Ivan ficou interessado em saber sobre a cor do carro porque já tinha ouvido falar em um Fusca que teria sido visto na ocasião do sumiço. Antes de ir para Foz, ele contratou a jornalista Izabelle Ferrari, que mora lá, para ajudá-lo nas pesquisas. Um dos objetivos era entender melhor o aeroclube, onde ele ficava e se alguém trabalhava no local na época. 

Durante as apurações, uma fonte contou à Izabelle sobre o tal Fusca, que seria branco. Mais tarde, no entanto, Ivan descobriu que essa história não era verdadeira. Se alguém de fato avistou este veículo por lá, provavelmente era de um conhecido que frequentava o aeroclube.

Ainda na busca por pistas sobre o roubo de aviões e o tráfico de drogas, especialmente na região de Foz do Iguaçu, Ivan encontrou uma matéria de jornal sobre a CPI do Narcotráfico, que aconteceu no Paraná no início dos anos 2000. Na reportagem, há uma menção ao empresário e amigo de Ilo, Ari de Quadros. A suspeita, de acordo com o texto, era de que a pista de decolagem de Ari seria usada por traficantes.

Em uma conversa com Ivan, o delegado federal da época afirmou que essa acusação nunca foi para frente. Como outras narrativas que rondam a figura do empresário, essa também parecia ser apenas um boato. Claro que, independente disso, o Projeto Humanos teria que checar melhor essas informações no futuro. 

SEPARAÇÃO?

No início dos trabalhos para esta temporada, Ivan entrevistou Wanda, a ex-esposa de Ilo. Já nesta ocasião, ela lhe contou o que se lembrava do Natal de 1986: pouco antes do dia 25 de dezembro, o piloto ligou para ela e disse que não poderia ir para Curitiba ficar com os filhos, porque estava com problemas. 

Segundo Wanda, esses contratempos estariam relacionados à vontade de Ilo de se separar de Cristina, já que foi o que ele comentou com ela por telefone. Depois do sumiço, no entanto, Wanda e Cristina nunca conversaram. Por isso, Ivan precisava esclarecer de vez essa história.

Ao questionar Cristina sobre as condições do relacionamento com Ilo, na época do desaparecimento, ela disse que tudo ocorria bem, dentro do possível. Isso porque, como estava insatisfeita com o trabalho e sofrendo muito por isso, ela se considerava uma companhia chata. Mesmo assim, nenhum dos dois tinha a intenção de se separar, até onde ela sabia. O piloto, pelo menos, nunca falou sobre isso.

“Essa é outra culpa que eu carrego. Sabe, assim, lembrança dele chegando em casa, e não é um homem feliz chegando em casa? […] Você sabe o que é uma pessoa com gastrite crônica, sem comer, só vomitando e passando mal, e só sabe falar de doença? Era eu. Eu era insuportável. Então, pode ser que ele pensasse em largar ‘aquela chata’. Se ele pensou isso, não estava errado não”, falou. 

Quando conheceu Ilo, Cristina trabalhava na Marinha. Um tempo depois, prestou alguns concursos e passou em todos. Enquanto ela estava indecisa, sem saber se deixava ou não o atual emprego, o piloto decidiu ajudá-la. Ele conversou com o gerente dela, para saber se havia oportunidade de crescimento na Marinha, e a resposta foi negativa. Isso se tornou decisivo para que Ilo a incentivasse a mudar de área – o que ela fez. Com o tempo, porém, Cristina percebeu que odiava o novo trabalho, que acabou por adoecê-la.

Esse era o contexto no fatídico mês de dezembro de 1986. Com o acúmulo de tantos eventos traumáticos, Cristina diz que não consegue se lembrar se passou a celebração natalina com Ilo ou não. “Eu apaguei. Você sabe que eu já tentei lembrar desse Natal, e não consigo. Todo Natal, eu tento lembrar daquele Natal. Eu pergunto: o que comeu? Comeu onde? Fez o quê?”, questionou.

Como Cristina não tinha família em Foz, o mais provável era que o casal celebrasse a ocasião com amigos. Ela não pode afirmar com certeza, porém, se foi isso que aconteceu.  

“Dos dias anteriores dele sumir, eu apaguei. Eu só consigo lembrar da gente almoçando, e ele dizendo que estava indo para Curitiba e voltava no outro dia. Eu não me lembro se ele ia buscar as crianças ou se só ia ver as crianças”, completou.

Sobre o Ano Novo, a situação é a mesma: Cristina não se lembra de nada, se teria ou não feito planos com o piloto para o Réveillon. Aqui, vale relembrar uma história compartilhada por Iná, irmã de Ilo, já detalhada no segundo episódio

De acordo com Iná, uma mulher chamada Elza, conhecida da família Rodrigues, lhe contou que Ilo havia combinado de passar com ela o Ano Novo de 1986, em uma celebração romântica.  

Quando Ivan contou essa história para Cristina, que não fazia ideia de nada disso, ela ficou surpresa. E, logo em seguida, mostrou para o jornalista a folha de papel com vários nomes e telefones de pessoas que ligaram para ela à procura de Ilo. Adivinha só? “Elza” estava lá, descrita como “amiga” do piloto.

Nesse ponto, Ivan já havia descoberto que Ilo enganava as mulheres com quem se relacionava. Claro que, por si só, isso não o tornava um criminoso.

A história de O Piloto teve como foco inicial a figura de um avô, um filho e um neto. No entanto, vocês já notaram que quem mais conta essa história são as mulheres da família? Tudo começou com Vanessa Brudzinski, que foi a primeira a falar sobre o caso. Depois, vieram Wanda, Iná, Isa, Isinha. E, agora, Cristina. Os relatos evidenciam como elas eram tratadas pelos homens em volta. Todas foram afetadas por eles, e tiveram que trabalhar o dobro para sobreviver e se reerguer. 

Cristina, por estar mais próxima de Ilo na época, acabou também sendo acusada de ser cúmplice dos supostos crimes que Ilo teria cometido. Tudo isso em conversas que rolavam soltas na boca do povo. Ivan pode dizer que verificou tudo o que podia sobre ela, em diferentes fontes. No fim, ele encontrou apenas fofocas, nada de concreto. 

Ao compartilhar a história pessoal, Cristina revelou uma série de eventos trágicos envolvendo homens. No primeiro casamento, ela foi sequestrada durante a Lua de Mel. Depois disso, a relação com o marido não deu mais certo. Ela queria se separar, mas a família era contra. Posteriormente, veio o desaparecimento de Ilo. Anos mais tarde, ela teve um namorado que morreu atingido por uma bala perdida. Todos esses acontecimentos deixaram marcas profundas nela, feridas difíceis de cicatrizar. Mas o sumiço de Ilo parece ser o pior, justamente por não ter um desfecho. 

“Não dá para falar de saudade quando se fala de ausente, e um ausente com todas essas possibilidades. […]  E aí, quando a gente pensa em alimentar uma saudosa lembrança, vem uma coisa pesada, maior, que não deixa. Sabe como? Não deixa. Eu perdi esse noivo, que morreu de tiro, e passou. Quando eu lembro dele, só tem coisa boa. Não dói mais. Mas o Ilo ainda dói. Porque eu não sei nem o que dói. Não sei nem que dor eu sinto. Uma coisa eu sei. Quando eu olhei para o Cassiano, dissipou qualquer sentimento ruim”, disse Cristina.

DEMÔNIOS INTERIORES

À primeira vista, quem ouve uma história criminal tende a acreditar que ela é composta apenas por fatos e pistas que claramente apontam para o crime. Mas, com o tempo e a experiência, Ivan notou que nem sempre é assim. Muitas vezes, detalhes que parecem irrelevantes tornam-se fundamentais. 

Por isso, o jornalista precisava também mergulhar na vida pessoal de Ilo, procurar onde, à primeira vista, ninguém prestaria atenção. 

Foi aí que Ivan perguntou para a ex-companheira de Ilo sobre as buscas dele por autoconhecimento, pouco antes de sumir. Assim como as cunhadas Iná e Isa, Cristina confirmou que ele realmente estava fazendo terapia. Além disso, por ser antenado em diferentes áreas, também se interessava por consultas com astrólogos e cabalistas. 

Apesar de respeitar a relação entre terapeuta e paciente, e não querer revelar mais detalhes sobre as sessões de Ilo, Cristina disse não saber exatamente o que o piloto procurava nessas consultas. 

Ela não tem certeza se é uma pista, mas, dentre os documentos antigos que encontrou na pasta rosa, estava uma poesia que Ilo escreveu para ela. Um poema pesado, que não parecia se encaixar na personalidade leve que o então parceiro tinha.

Segundo ela, a poesia dizia algo assim: “hoje eu vou falar de um lado meu que eu quero que você nunca conheça. Eu estou flácido, eu estou pessimista”.

Algum tempo depois da entrevista, Cristina fez a gentileza de mostrar para Ivan alguns poemas que Ilo havia escrito para ela. A maioria era do início do namoro, declarações de amor quase juvenis, com rimas bregas, porém encantadoras. 

Após meses investigando a história do piloto, esta foi a primeira vez que Ivan leu algo que o próprio Ilo havia escrito. Não uma anotação em uma agenda ou em um documento. Mas um poema com ideias e vontades, com voz. 

Infelizmente, Cristina não autorizou a publicação de nenhuma dessas poesias, por serem pessoais. Mas, no meio delas, havia o tal texto que carregava sentimentos mais pesados. Este em específico, ela autorizou a leitura no podcast – feita por Luiz Felipe Leprevost, que já emprestou a voz para o quarto episódio, em que narra uma carta espírita de Ilo.

O tal poema sombrio não está datado, mas provavelmente também era do início do relacionamento do casal. Datilografado em uma máquina de escrever, ele é assim: 

Eu tenho rasgado as minhas lágrimas
e tentado delas fazer um lençol
para ocultar minha angústia.
Mas, qual dilúvio; as dúvidas recaem sobre o meu peito,
já esmagado pela descrença.
Não me desfiz dos horrores
desconheci esplendores,
me envolvi em pavores
abrindo portas a invasores.
Com sorriso mórbido
Temperamento sórdido
Juramento sólido,
justo, tornei-me flácido.
Ouvi da montanha a verdade
Peguei, busquei a vaidade
Gritei com intensidade
Sufocando a calamidade.
Eu tenho, tentado tentar
Em vão, buscando voltar
No transe, calado, ouvida
Do que me tem feito parar.
Creia-me silêncio
Me cansa te acompanhar

Junto aos meus rumores, suspiros. Dores.
Tentei…
Ah!… meus amores da madrugada
Meu sonho inviolável,
Minha causa infindável,
Que louca ilusão carregada!
Feras que roem os meus ossos
Morcegos que sugam o meu sangue
Na breve explosão da alegria
Enterro o passado. Sem choro.

Eu tenho rasgado as minhas lágrimas
E tentado com elas,
aguar esse jardim. Meu sonho.

Um pouco de um lado meu que não quero que conheça.
Nunca.

O poema mostra que Ilo tinha demônios interiores, o que não parecia ser percebido pela maioria das pessoas ao redor dele. Mas que demônios seriam esses? Essa era outra linha de investigação que Ivan precisava manter em mente.

Em certo momento da conversa com Cristina, o jornalista decidiu mostrar para ela a carta espírita mencionada no episódio 4. Ivan admite ser cético em relação a esses assuntos, mas lembra que essa história nem sempre será sobre fatos concretos. 

“Eu fui espírita durante muitos anos. Hoje eu sou budista. Mas o fundamento espírita não saiu de mim. Eu gostaria muito de conhecer essa carta”, falou Cristina, quando Ivan mencionou a mensagem psicografada. 

Ao conhecer o conteúdo da carta, tanto ela quanto Cassiano compartilham da mesma opinião: Ilo não falaria, ou escreveria, as coisas que a mensagem diz. Para ambos, ela parece ter sido escrita por uma pessoa da família, preocupada com os acontecimentos da época. Para relembrar, em 1993, quando a carta foi psicografada, Castorino estava doente e muito debilitado – e o texto fala justamente para Iná e Ivo, irmãos de Ilo, “deixarem o pai partir”.

“É muito sutil essa linha do animismo e da comunicação mediúnica. Comunicações mediúnicas são muito mais raras do que as pessoas pensam, se é que efetivamente existem”, comentou Cristina.

Após mais de três horas de conversa, Ivan, Cassiano e Natalia se despediram de Cristina. Mas o contato não parou por aí. O jornalista voltou a falar com ela uma vez ou outra, por telefone ou mensagem, para apurar novas informações que surgiam. 

Por exemplo, no episódio 2, Ivo afirma que Cristina lhe contou o seguinte: dias antes de sumir, Ilo teria dito para ela “para onde vou, não sei se volto”. Em contrapartida, a ex-companheira falou para Ivan que nunca disse isso para Ivo, e que jamais ouviu tal frase de Ilo – ou, pelo menos, ela não se lembra de nada disso.

No geral, a entrevista com Cristina foi importante para confirmar algo que Ivan já imaginava: o trauma do desaparecimento parecia ter deixado cicatrizes mais profundas em Foz do Iguaçu do que em Curitiba. E também serviu para perceber que, aparentemente, Ilo era um homem de muitos segredos. Afinal, Cristina não sabia que o piloto disse para Wanda que eles estavam se separando, e nunca tinha ouvido falar de Elzinha, a moça do Réveillon. 

Já sobre os negócios, Cristina só tinha conhecimento do que ele lhe contava. Mas, certamente, Ilo não falava tudo. E, no futuro, Ivan descobrirá que o piloto não dividiu com a companheira questões ainda mais importantes. 

No fim, apesar de ter sido mantida no escuro em muitos assuntos, Cristina tinha uma última lembrança que poderia auxiliar nas investigações sobre o desaparecimento. Uma informação sobre um objeto específico, que teria sido deixado para trás no dia do sumiço.

“O Ilo só andava com a máquina fotográfica dele. Ele gostava mais da máquina do que de todos nós juntos. A única coisa que eu conseguia fazer piada na época era sobre isso. Eu dizia assim, ‘olha, ele jamais desapareceria voluntariamente sem levar a máquina dele’. E ele deixou a máquina. Então, a gente se apega a algumas coisas para não ficar maluca, e eu me apegava naquilo”, revelou.

Nesse momento, Ivan se perguntava se conseguiria encontrar um desfecho para essa história, e se seria capaz de explorar todos os pontos dela, até mesmo os que pareciam perdidos. 

Até que, por telefone, o filho de Ari confirmou que o pai estava disposto a conceder uma entrevista. Com o conhecimento de que Ilo não contava tudo para a companheira, ele precisava verificar o quanto o piloto se abria com os amigos – mais especificamente, com os parceiros de aeroclube. Este é o objetivo principal do próximo episódio.