Extras Episódio 05

A essa altura, Ivan Mizanzuk já pesquisava o caso Ilo Rodrigues há meses. Ele decidiu, então, olhar mais de perto para a história dos aviões sequestrados no final da década de 1980 no Brasil. Parte dessas informações estavam espalhadas em matérias coletadas por Castorino Augusto Rodrigues, pai do piloto, no dossiê que ele montou. Foram as primeiras pistas que o jornalista descobriu, e ele tentou segui-las até o fim.
Após juntar alguns desses dados, Ivan ligou para Cassiano, filho de Ilo, com o objetivo de compartilhá-los com ele.
Para relembrar, Ilo desapareceu em 27 de dezembro de 1986. Pouco mais de uma semana sem nenhuma pista sobre o paradeiro do piloto, os jornais que cobriam o caso começaram a levantar a possibilidade de sequestro.
Na época, a suspeita inicial era de que contrabandistas estavam por trás de tudo. No dossiê de Castorino, a primeira menção a aviões roubados para este fim aparece em uma matéria do jornal Gazeta do Povo, de 21 de junho de 1987. Leia um trecho abaixo:
PIRATARIA AÉREA
A Força Aérea Brasileira está preocupada com o roubo de aviões em seus aeroportos.
Só este mês, três aparelhos do tipo “Seneca” foram furtados e desapareceram, provavelmente levados para países limítrofes que fazem do contrabando uma fonte de receita.
O Itamaraty será acionado, a fim de que as investigações possam atravessar fronteiras.
O avião Seneca é pequeno e bimotor. É rápido e consegue levar muito peso, além de ser ótimo para pistas pequenas, principalmente em lugares onde as vias não são pavimentadas – como aeroclubes, fazendas e locais clandestinos -, mas sim compostas geralmente de grama ou terra.
Nesse contexto, quando Ivan menciona fazendas e pistas clandestinas, é imprescindível lembrar da ação de narcotraficantes de cocaína. Afinal, estamos falando dos anos 1980, período dos famosos cartéis bolivianos e colombianos, de Pablo Escobar e toda aquela turma.
Ao considerar tudo isso, mais o fato de Ilo estar sempre metido em falcatruas, Ivan logo se recorda de um filme chamado “Feito na América”, lançado em 2017 e estrelado por Tom Cruise. Baseado em uma história real, ele conta as façanhas de um piloto chamado Barry Seal, que foi recrutado pela CIA para executar uma das maiores operações dos Estados Unidos contra o narcotráfico.
Ivan chegou a mencionar o filme durante o encontro com a família Rodrigues, e perguntou a eles algo bem específico: seria possível que o piloto estivesse envolvido com o tráfico de drogas?
A primeira a responder foi Isinha, filha de Iná e sobrinha de Ilo. “Ele não mexeria com droga. Não. A índole dele não… Por causa dos meninos. […] Ele não ia chegar nesse nível”, afirmou.
Já a outra sobrinha do piloto, Cátia, filha de Ivo, diz que essa hipótese foi sim ventilada entre alguns familiares. “Lá em casa, eu me lembro que foi falado da suspeita de que ele estivesse envolvido com narcotraficantes. Porque o tipo de avião dele era utilizado naquela época”.
Ela também disse que Cristina, a companheira de Ilo no período, comentou com a família que o piloto “agiu de forma estranha” uns dias antes de sumir. Daí a desconfiança de que o engenheiro agrônomo tenha sido sequestrado por traficantes, e até mesmo obrigado a trabalhar para eles, sem poder escapar.
A matéria citada acima não fala de narcotráfico. No entanto, com o passar dos anos, mais e mais aviões foram furtados, roubados ou sequestrados. A partir de então, ficou evidente que o tráfico de drogas havia entrado em cena.
O ápice de casos como esses aconteceu em 1989. No mês de agosto, a Gazeta do Povo lançou uma reportagem intitulada “Paraná na rota dos ladrões de aeronaves”. O texto divulga a prisão de membros de uma quadrilha internacional de tráfico de cocaína e roubo de aviões, em Novo Hamburgo, na região metropolitana de Porto Alegre. De acordo com a matéria, no último voo realizado pelos suspeitos, mais de 200 quilos da droga foram transportados.
Além disso, há a informação de que quatro aeronaves haviam sido roubadas até então, uma no Paraná e três no Amazonas. Tudo indica que, na realidade, esse número era bem maior. Isso porque os dados de cada estado eram mantidos isolados, cada delegacia trabalhava sozinha, e a Polícia Federal nem sempre investigava situações como essa. Ela só passou a se envolver de maneira expressiva quando esse tipo de crime se tornou mais recorrente.
Por fim, a reportagem traz um detalhe importante: a quadrilha teria a prática de roubar ou sequestrar aviões no Brasil, levá-los para a Bolívia e, em seguida, trocá-los por cocaína.
No dia 15 de outubro de 1989, a Gazeta publicou uma matéria mais completa sobre o assunto. Confira um trecho:
A prisão de uma quadrilha de traficantes formada por 15 brasileiros e dois bolivianos levou a Polícia Federal a descobrir um cemitério clandestino na Bolívia, onde podem estar enterrados os corpos de 36 pilotos brasileiros assassinados pelo narcotráfico. Oficialmente, a Coordenação de Combate ao Crime Organizado ligada à Divisão de Repressão aos Entorpecentes da Polícia Federal, em Brasília, reconhece a morte de apenas cinco pilotos. Os demais estão formalmente desaparecidos, e a confirmação de que foram assassinados só poderá ser feita quando os traficantes confessarem os crimes e os corpos das vítimas forem identificados.
A descoberta de que os pilotos foram eliminados pelos traficantes foi feita pelo filho do piloto Florindo Poliselli, de 52 anos. Marco Antonio Poliselli, de 26 anos, também piloto de pequenas aeronaves, investigou por conta própria o desaparecimento do pai, mas desistiu quando ele próprio foi vítima de tentativa de assassinato em Rondônia.
[…]
O principal líder do tráfico internacional praticado pela quadrilha é o boliviano Yayo Rodriguez, proprietário da fazenda La Cruz, na região de San Ramon. A liderança no lado brasileiro era exercida pela traficante Maria de Lourdes da Silva Soares, que está presa em Ji-Paraná com mais 16 cúmplices.
Nesta reportagem, Ivan encontrou pela primeira vez o nome de um personagem que passou a assombrá-lo nos meses seguintes: Yayo Rodriguez, um poderoso chefe do narcotráfico boliviano, que supostamente morava próximo à fronteira do estado de Rondônia.
O jornalista buscou por vários cantos os detalhes sobre a história de Yayo – ou melhor, de Don Yayo, como chegou a ser chamado por parte da imprensa na época. Ao ler as matérias, ele obviamente imaginava uma figura poderosa e notória tal como o colombiano Pablo Escobar.
Aqui, o maior interesse de Ivan era buscar mais informações sobre o suposto cemitério clandestino na Bolívia, onde estariam enterrados 36 pilotos brasileiros. Obviamente, a primeira pergunta que vem à cabeça é: será que o corpo de Ilo Rodrigues poderia estar lá?
Só que havia um problema. Em todo lugar onde o jornalista procurava, especialmente em livros e artigos sobre o narcotráfico boliviano, Don Yayo raramente aparecia. E, quando aparecia, os dados divulgados eram os mesmos presentes na reportagem da Gazeta. Ou seja, que ele seria o principal interessado no sequestro e roubo de aeronaves no Brasil e, para cada avião recebido, pagaria entre 40 e 60 quilos de cocaína. Além disso, as fontes diziam que de fato havia na fazenda dele o tal cemitério clandestino, descoberto em 1989.
Tudo isso era grande demais e levava a mais perguntas. Quem exatamente encontrou essa fazenda? O que aconteceu com os supostos 36 corpos enterrados lá? Eram mesmo de brasileiros? Como sabiam disso? Quem era Yayo Rodriguez?
Com a falta de informações, Ivan decidiu começar as pesquisas sobre o assunto a partir de uma simples dúvida: quando foi a primeira vez que Don Yayo apareceu na imprensa brasileira? A resposta, até onde o jornalista conseguiu verificar, é o dia 15 de outubro de 1989, justamente na matéria da Gazeta do Povo citada anteriormente.
Em certo ponto do texto, a atuação do traficante é detalhada ainda mais:
[…] Yayo efetuava o pagamento dos aviões roubados pelo bando com uma parcela em dólares e outra em cocaína. A parte em cocaína variava de 40 a 60 quilos, neste último caso quando se tratava de um Seneca. Na verdade, Yayo comprava os aparelhos pela metade do preço, já que cada quilo de cocaína era vendido ao bando por mil dólares (o valor dessa venda é triplicado no exterior), ou seja, por 50 mil dólares, enquanto que, no mercado legal, um pequeno avião custa em torno de 200 mil dólares.
Nos últimos três meses, o bando comercializou para o mercado interno e para o exterior mais de meia tonelada da droga. A quantidade de cocaína comercializada por Yayo é ainda desconhecida pelas autoridades, mas pode superar a meia tonelada negociada pela quadrilha.
Os aviões roubados em pequenos aeroportos brasileiros eram levados diretamente para a propriedade de Yayo, onde eram descaracterizados. A Polícia Federal não acredita que Yayo Rodriguez seja preso na Bolívia.
Neste ponto, um pouco de contexto histórico é importante. Em 1989, os Estados Unidos atuavam com grande afinco na América Latina, justamente no combate ao tráfico de drogas. Faziam cooperações com vários países, especialmente Colômbia e Bolívia, que eram pontos centrais da produção de cocaína.
Durante essas operações, era comum que, ao localizarem um aeroporto clandestino comandado por narcotraficantes, os EUA bombardeassem o local, para destruir os meios de transporte utilizados. Nesse contexto, o roubo de aviões brasileiros passou a ser uma necessidade para algumas quadrilhas. Ao que tudo indica, Yayo Rodriguez seria o maior mandante desse tipo de crime.
Aqui, é essencial entender o seguinte: Yayo não agia diretamente nessas ações, tampouco o círculo mais próximo dele. Segundo as pesquisas, a maioria dos roubos, furtos e sequestros seriam realizados por outros grupos criminosos que tinham o Don como principal cliente.
As formas de operar variavam. Muitas vezes, esses grupos furtavam o avião na calada da noite, em algum aeroporto ou aeroclube sem muita segurança. Um crime sem vítimas fatais, mas que gerava enorme temor nos donos de aeronaves.
Uma edição do Globo Repórter, de janeiro de 1989, dedicado a esse tema, mostra o modus operandi dessas quadrilhas.
Em uma das imagens, há uma aeronave acorrentada. “Esse avião é meu, está aqui amarrado. Prefiro deixar amarrado do que voar. Então, não adianta trabalhar, você ficar trabalhando feito um doido, para depois os caras chegarem, levarem, e ainda matarem os pilotos, como acontece. Matar um pai de família que está trabalhando, ganhando o seu pão”, desabafa o dono de uma empresa de táxi aéreo.
Como vemos na reportagem, o furto de aviões era a situação menos grave. Em casos mais extremos, havia o roubo: pouco antes da decolagem, o grupo se aproximava da aeronave, rendia o piloto e o tirava de dentro dela. Em seguida, um dos criminosos – que sabia pilotar – assumia o comando, e eles partiam em fuga. Seria algo semelhante a um roubo de carro, em que há ameaça, mas os ladrões fogem assim que conseguem o que querem.
Nesse contexto, algumas vítimas tentavam localizar o avião, muitas vezes por conta própria. Uma pessoa com quem Ivan conversou, que passou por essa situação, disse que as autoridades brasileiras não tinham capacidade de elucidar esses casos, ainda mais na grande frequência com que ocorriam.
Então, ela decidiu agir com recursos próprios e, no decorrer das investigações, acabou encontrando a aeronave em um aeroporto boliviano. Em seguida, acionou o Itamaraty e a Polícia Federal, mas não obteve resposta.
Em uma conversa com agentes americanos que atuavam na Bolívia, essa pessoa chegou a ouvir o seguinte: “se você fosse americano, a gente tirava o avião dali agora mesmo. Mas, sendo brasileiro, não podemos fazer nada”.
Diante disso, o que ela fez? Subornou muita gente e furtou o avião de volta. A essa altura, a aeronave estava totalmente depenada, já que os traficantes precisavam de mais espaço para transportar drogas. Por isso, o dono teve que pilotar para casa usando apenas uma bússola. E, se essa história parece maluca demais, na edição especial sobre o assunto, o Globo Repórter cita um evento bastante parecido.
“Agora vamos mostrar um caso concreto de avião roubado e com o prefixo modificado na Bolívia”, afirma o repórter. “Este avião foi roubado, mudaram totalmente a pintura, e o prefixo usado é de um avião que já foi destruído em um acidente. Portanto, está comprovado. Neste caso, o avião está a serviço do governo boliviano. O Globo Repórter descobriu que pelo menos 21 aviões foram roubados do Brasil nos últimos dois anos. A maioria está na Bolívia”, completa.
Muitas vezes, o governo boliviano tirava alguns desses aviões das mãos dos traficantes. Mas, em vez de devolvê-los ao Brasil, os incorporava à própria frota. Por esse motivo, agir por conta própria, como fez a pessoa mencionada por Ivan, parecia ser a única forma de recuperá-los.
No entanto, com a corrupção generalizada e as autoridades bolivianas aceitando recursos dos traficantes locais, a operação era sempre arriscada. E, muitas vezes, não valia o risco.
Ainda no Globo Repórter de janeiro de 1989, a equipe de reportagem acompanhou um grupo de pilotos que procurava um avião roubado em Alta Floresta, no estado do Mato Grosso. A matéria deixa evidente que o perigo ali é constante, em um cenário com traficantes fortemente armados, em áreas sem nenhum tipo de fiscalização. Aparentemente, a tentativa da equipe não teve sucesso e a aeronave não foi recuperada.
Além dos furtos, roubos e sequestros, em que eventualmente o piloto conseguia sobreviver, existiam casos ainda piores. Aqueles em que as vítimas eram rendidas em pleno voo.
A tática geralmente era a seguinte: um grupo contratava uma empresa de táxi aéreo para fazer uma viagem. No meio do voo, um indivíduo sacava a arma e rendia o piloto. Se nenhum dos criminosos soubesse pilotar, a vítima era obrigada a fazer o trajeto para eles. Nesse tipo de situação, também abordada pelo Globo Repórter, poucos pilotos sobreviviam.
Em um trecho do programa, um sobrevivente, que aparece de costas, conta como tudo aconteceu. “Eles colocaram dois revólveres, um no meu ouvido e outro na nuca, e me renderam. Me puseram para trás do avião, no banco de trás, e dois deles eram pilotos. Não muito piloto, né? Mais manicaca do que piloto. A princípio, eles queriam me dar um tiro na cabeça, abrir a porta do avião e me jogar na selva, com o avião voando mesmo. […] Eles falaram que eu não era nem o primeiro, nem o segundo com quem fizeram isso”.
De acordo com o relato, em seguida, os criminosos pousaram em uma fazenda, onde começaram a discutir sobre o destino do piloto, se o matariam ou não. Depois de horas intermináveis de terror, a vítima, felizmente, conseguiu escapar com vida. “Você estar na mão de cinco bandidos, sua vida dependendo de cinco bandidos, eles julgarem se vão te matar ou não, é a coisa mais horrível do mundo”, disse.
Porém, houve quem não teve a mesma sorte. Algumas matérias citadas neste episódio mencionam um homem chamado Marco Antonio Poliselli. Isso porque o pai dele, Florindo Poliselli, foi um dos pilotos vítimas das quadrilhas de roubo de aviões.
MARCO PROCURA O PAI
Marco Antonio aceitou conceder entrevista ao podcast, mas preferiu se encontrar com Ivan em um local público. Logo no início da conversa, ele deixou claro o quanto a carreira de Florindo influenciou a vida dele. “Meu pai era piloto comercial. Praticamente, eu nasci vendo ele voar e, graças a Deus, ele me deu essa herança profissional. Hoje eu sou piloto, de tanto vê-lo na profissão”, contou ele.
Antes mesmo de nascer, dentro da barriga da mãe, Marco Antonio já andava de avião com o pai. E, em 1964, quando o filho veio ao mundo, Florindo era um jovem de apenas 23 anos de idade. Duas décadas depois, ele havia se consolidado na aviação, e realizava voos executivos na TAVAJ, companhia aérea que atuava na região do Amazonas e do Acre, e em empresas de táxi aéreo.
Na época, segundo o filho, Florindo morava no Norte do país, e operava principalmente na cidade de Rio Branco e em estados como Rondônia e Mato Grosso. Anos antes, ele havia se mudado para lá pelas oportunidades de trabalho, já que o local dependia da aviação devido à falta de infraestrutura nas rodovias.
De acordo com Marco Antonio, a aeronave do pai era um Seneca 3, um bimotor, com capacidade para seis pessoas. Um avião que, operacionalmente, decola e pousa em qualquer situação de pista, inclusive em trechos mais curtos. Além disso, não é pressurizado, voa em baixa altitude e carrega bastante peso – todas características que chamam a atenção de traficantes.
“Naquela época, como dependia-se muito de transporte, tanto pessoal como para levar mantimentos, o que eles faziam? Geralmente, só ia o piloto, tirava-se todos os bancos e colocava-se os mantimentos. […] Ou até mesmo as pessoas iam amontoadas. […] Quanto mais você colocava, de transporte, mais você ganhava. O piloto ganhava”, explicou Marco Antonio.
Só isso já era perigoso, principalmente pelo excesso de carga. Mas os riscos não paravam por aí. Segundo o filho de Florindo, com a divulgação na imprensa, os casos de roubos de aeronaves brasileiras já eram conhecidos por quem trabalhava na área. Ele jamais imaginou, contudo, que um dia o próprio pai poderia ser uma das vítimas.
No final de outubro de 1988, Florindo Poliselli foi contratado para levar três pessoas de Rio Branco até Ji-Paraná, em Rondônia. “Eu fiquei sabendo que foi exatamente assim, o avião era da empresa, e eles pagaram 25 mil reais para ela. Obviamente, o percentual do piloto já está ali. Meu pai viu o dinheiro, viu tudo certinho na caixa, e foi. Como você vai imaginar que aquelas pessoas bem vestidas eram mal-intencionadas? É a estratégia deles”, comentou o filho.
Conforme as pesquisas realizadas por Marco Antonio, no meio do voo, o trio teria rendido Florindo e o colocado no banco de trás. Enquanto isso, um dos criminosos, que sabia pilotar, passou a conduzir o avião. E, a partir daí, o piloto e o Seneca foram dados como desaparecidos.
“Eu recebi a notícia através do meu irmão, que estava em São Paulo. Ele me comunicou que fazia aproximadamente três dias que tinha perdido contato com o nosso pai. E a empresa não sabia o que poderia ter acontecido com ele, se teve uma queda com o avião ou algo parecido”, disse Marco Antonio.
A reação do filho foi rápida: ele viajou imediatamente para Rio Branco, para contatar a empresa responsável. Em seguida, informou o caso ao Centro de Coordenação de Salvamento Aeronáutico, o Salvaero, que conduziu as buscas pelo piloto por cerca de 15 dias. O próprio Marco Antonio fretou um avião na época para ajudar a Força Aérea, e voou pelo trajeto que o pai teria feito no dia do desaparecimento.
As pesquisas do filho não se limitaram, no entanto, apenas ao céu. Ele também aprofundou as investigações por terra. Como consequência, pouco tempo após o sumiço, ele já tinha certeza que o pai havia sido alvo de uma quadrilha perigosa, assim como outros pilotos da região – um grupo comandado por um homem chamado José Alves de Souza, o “Fininho”, conhecido por ser violento e não deixar nenhuma vítima viva.
Fininho foi destaque em uma edição do programa Linha Direta do início dos anos 2000, que abordou os inúmeros casos de roubos de aviões no Brasil. Segundo a reportagem, ele começou a vida como garimpeiro na região de Rondônia, mas não demorou muito para mudar de ramo. Logo passou a roubar aeronaves para traficantes de cocaína na fronteira com a Bolívia, liderados pelo poderoso Don Yayo Rodriguez.
Desesperado para encontrar o pai, Marco Antonio decidiu se arriscar e a investigar a situação por conta própria. No início, fez contato com policiais civis e federais e, depois, tentou se infiltrar nos grupos criminosos, mentindo que procurava por um trabalho como piloto. Para isso, morou por um tempo na região da fronteira e percorreu diversas cidades onde as quadrilhas se movimentavam. Uma delas é Guajará-Mirim, localizada em Rondônia – e separada da Bolívia pelo Rio Mamoré. Do outro lado dele, a primeira cidade boliviana possui praticamente o mesmo nome: Guayaramerín.
Uma matéria sobre Don Yayo afirma que uma de suas bases de operações ficava no departamento de Beni. Em termos gerais, os departamentos na Bolívia seriam o equivalente aos estados no Brasil. E o município de Guayaramerín está situado no departamento de Beni.
Sem conseguir adentrar nenhuma das quadrilhas, Marco Antonio resolveu procurar o núcleo de reportagens especiais da Rede Globo. A emissora se interessou pela pauta e fretou uma aeronave para que a equipe de produção fosse até a Bolívia, junto com o filho de Florindo, para gravar as matérias.
Na ocasião, Marco Antonio foi acompanhado pelo jornalista Francisco José, que trabalhava para o Globo Repórter. Segundo o piloto, a equipe conseguiu falar com vários envolvidos na história, inclusive chefões do narcotráfico. Nesses casos, eles geralmente negavam os crimes e não permitiam serem filmados. Ou, então, culpavam outros suspeitos conhecidos, como o próprio Don Yayo.
“Não tinha segurança alguma. Era eu, o grupo da Rede Globo, o Francisco José, e o cinegrafista. Nós pousávamos na fazenda com todo o risco, e fazíamos as entrevistas com toda a cautela possível. E aí descobrimos algumas coisas, algumas pistas”, disse.
Entre os criminosos mais notáveis que encontraram, estava um chefe do tráfico que ocupava o cargo de comandante da Força Militar da Bolívia. Como mencionado anteriormente, a maioria dos aviões roubados acabavam sendo incorporados à frota boliviana.
De acordo com Marco, a equipe de reportagem visitou cerca de oito fazendas que serviam como base das organizações criminosas. Paralelo a isso, o piloto mantinha contato com a Polícia Federal em Brasília, por meio do “Máscara Negra”, Departamento de Núcleo Especial da corporação. À medida em que descobria novas pistas, ele as compartilhava com os agentes. O problema é que, com o tempo e o cerco se fechando, o filho de Florindo passou a receber ameaças por telefone e também pessoalmente.
“Na época, a minha esposa estava grávida, de 1990 para 1991. E eles [suspeitos] disseram que, se eu ainda quisesse ter a minha família e o meu filho, era para eu parar com as investigações”, contou ao podcast.
A partir daí, com medo, e depois da divulgação das reportagens gravadas com a Globo, Marco decidiu parar de lidar com o assunto. Principalmente quando percebeu que estava sendo procurado para realizar fretes bastante suspeitos, parecidos com o serviço que o pai aceitou antes de sumir.
Questionado sobre a pista mais importante que obteve sobre o caso de Florindo, Marco mencionou uma conversa com um suposto advogado de Goiânia, ocorrida em 1989. “Ele ligou para mim, pedindo para que eu fosse encontrá-lo. Eu não me recordo o nome. Lá, ele estava com uma pessoa que diz ter visto o meu pai, e que inclusive o teria enterrado na fazenda de um homem chamado Márcio Martins”.
Na entrevista com Ivan, Marco falou várias vezes sobre o tal Márcio Martins. O jornalista tentou cruzar esse nome com outras informações repassadas pelo filho de Florindo, mas enfrentou diversas dificuldades no caminho. Isso devido à precariedade da documentação e à quantidade de operações policiais feitas em todo o Brasil na época.
No entanto, o Linha Direta, mencionado há pouco, revela mais detalhes sobre essa pessoa. Em um trecho da reportagem, um homem aparece de forma anônima. Ele é identificado apenas como um mecânico que já havia trabalhado na manutenção de aviões usados no tráfico de drogas.
Talvez, esse seja o tal indivíduo com quem Marco conversou, que sabia do destino do pai dele. Ivan descobriu, porém, que quem intermediou o encontro não foi um advogado, mas sim o delegado federal de Goiás Domingos Passerini, também citado no Linha Direta.
Na reportagem, o indivíduo anônimo afirma que o corpo de Florindo estaria enterrado em Altamira, no sul do Pará, na região do garimpo Esperança V. Essa mesma informação teria sido repassada por ele em depoimento à Polícia Federal.
Segundo o relato, o mecânico estava na região com mais três companheiros, quando o carro que usavam acabou atolando. Ao procurar por um objeto que ajudasse a retirar o veículo da lama, ele se deparou com um cadáver. Ao lado do corpo, os documentos não deixavam dúvidas: era o piloto Florindo Poliselli, desaparecido em 1988.
“A gente achou ele no chão. Foi quando tivemos a ideia de tirá-lo dali e enterrá-lo em um lugar diferente, para o dia que a gente saísse de lá”, diz o anônimo. Ele e os amigos, então, decidiram colocar Florindo e os documentos em uma cova rasa, mais fácil de acessar.
Na sequência, a matéria revela que, no depoimento à PF, a testemunha garantiu que Florindo havia sido morto por um traficante chamado Márcio Martins. No dia do assassinato, estariam com ele Don Yayo Rodriguez e José Alves de Souza, o “Fininho”.
Apesar da divulgação de todas essas informações, a família de Florindo não obteve uma resposta concreta e jamais encontrou o corpo dele.
Para Marco Antonio, não é possível saber se a testemunha anônima está falando a verdade. “Eu não sei. Eu falei com ele em Goiânia, e ele chegou a vir até Curitiba para falar comigo depois disso. Aí eu comuniquei a Polícia Federal sobre esse fato, e a PF o deteve. Mas, desde então, eu não soube mais nada a respeito dessa pessoa”, disse.
Na ocasião do encontro com a testemunha, Marco recebeu a proposta de fretar um avião para ir até a fazenda de Márcio Martins e descobrir onde o corpo do pai foi enterrado. Apesar do perigo, ele pretendia aceitar a ideia. Só que, antes dele seguir com o plano, o local foi alvo de uma operação da Polícia Militar, que acabou com muitas pessoas mortas e pistas destruídas. No fim, o piloto não teve como viajar até lá.
Ao pesquisar sobre o tal Márcio Martins, Ivan encontrou informações acerca de um homem com esse mesmo nome, conhecido como o “Rambo do Pará”. Segundo as fontes consultadas, ele foi morto na fazenda da qual era dono na década de 1990 em uma megaoperação policial.
Se o “Rambo do Pará” for a mesma pessoa citada pelo Linha Direta e por Marco, ele seria parceiro do pistoleiro Fininho. E ambos atuariam como fornecedores de Yayo Rodriguez.
REVELAÇÕES DE UM EX-DELEGADO
De todas as hipóteses levantadas, o sequestro pareceu a Ivan ser mais plausível também para o desaparecimento de Ilo Rodrigues.
Afinal, o avião que ele usava, o melhor do aeroclube, era bastante visado por narcotraficantes. Somado a isso, a fazenda na qual a aeronave ficava não possuía nenhum tipo de segurança, e era de fácil acesso para qualquer um que chegasse lá.
Havia também o relato de Cristina, companheira de Ilo na época, sobre os dois homens com sotaque castelhano que teriam procurado pelo piloto no dia do desaparecimento.
Seria esse o significado do recado de Romeu Tuma a Castorino Augusto Rodrigues? De que Ilo poderia ter sido alvo de narcotraficantes e, por isso, ele não deveria se meter nessa história?
Essa explicação faz sentido. Apesar disso, uma dúvida permanece: se este foi o caso, teria o piloto sido uma vítima ao acaso – alguém vulnerável, que possuía um bom avião? Ou será que ele já tinha envolvimento com algum desses grupos?
Fora isso, há a questão do garimpo. Como dito em episódios anteriores, pouco antes de sumir, Ilo estava montando uma loja de semijoias em Foz do Iguaçu, e dizia que usaria o novo avião para buscar ouro em garimpo.
Aparentemente, os roubos de aeronaves pelo narcotráfico nesse período envolvem pessoas ligadas ao garimpo, especialmente nos estados do Pará, Rondônia e Mato Grosso. Não sabemos se Ilo chegou a viajar com esse objetivo. Mas, se este for o caso, não seria improvável que tivesse tido contato com grupos responsáveis pelo transporte de ouro ou de drogas.
A cada novo passo nas pesquisas, Ivan queria descobrir mais sobre Yayo Rodriguez. De alguma forma, ele lhe parecia ser a figura chave para o desenvolvimento da tese de sequestro. Com isso em mente, o jornalista entrou em contato com um dos delegados federais à frente das investigações na época, Teófanis Afonso. Na ocasião, ele era chefe da Delegacia de Repressão de Entorpecentes da Superintendência Regional da PF em Rondônia. Aposentado desde 1998, atualmente, atua como advogado.
Ivan chegou nessa fonte justamente por conta do programa Linha Direta exibido no início dos anos 2000. O ex-delegado aparece na reportagem, explicando o modus operandi das quadrilhas.
Na entrevista com o doutor Teófanis, o jornalista tinha a intenção de esclarecer alguns pontos importantes. Por exemplo, o número de aviões roubados e furtados, e de pilotos sequestrados no Brasil. Isso porque essa estatística varia muito, dependendo da fonte consultada. Infelizmente, o ex-delegado não soube dizer a quantia exata, mas é seguro afirmar, pela divulgação na imprensa, que o índice é elevado.
De um detalhe, porém, ele se lembrava: os grupos que estavam por trás do sumiço de aviões brasileiros. De acordo com o então delegado, duas quadrilhas eram responsáveis por esse crime, a de Fininho, e a de um homem chamado Manuel Pereira.
“O Manuel Pereira atuava em Rondônia, Goiás e Paraná, nessas regiões todas. Agora, o Fininho era mais para o Norte, porque lá ele tinha facilidade para jogar um piloto onde nunca ninguém ia encontrar, entendeu? Então, a gente viu que começou a aparecer um bocado de casos de pilotos mortos, pilotos que foram desenterrados. […] Eles [os suspeitos] não eram otários. Tinham estratégia. Para quê deixar pistas, se podem jogar o piloto do avião em uma área densa de floresta?”, relatou ao podcast.
Manuel Pereira, citado por Teófanis, seria outro chefão do tráfico no Brasil na época. Aqui, o que importa é que havia mais de um grupo interessado no roubo de aviões brasileiros. E tudo indica que todos tinham o mesmo destino: Yayo Rodriguez.
De acordo com o então investigador, o nome de Don Yayo apareceu em interrogatórios com os traficantes presos, que admitiram vender os aviões roubados para o chefe boliviano. Isso teria ocorrido no segundo semestre de 1989, período que coincide com as primeiras publicações encontradas mencionando Yayo.
A pista mais forte sobre a existência do Don surgiu quando Teófanis prendeu dois pilotos bolivianos em Ji-Paraná, em Rondônia. “Aí, então, nós tivemos conhecimento para onde eles levavam os aviões. Era para a organização criminosa chefiada pelo Don Yayo Rodriguez. A gente começou a investigar, e nós sabíamos que ele estava em um determinado local lá na Bolívia, mas que era inacessível. Ninguém conseguia chegar nele. Os dois pilotos eram sobrinhos dele”, explicou o ex-delegado.
Com o passar dos anos, e agora sob uma nova Constituição que ainda engatinhava, o Brasil começou a se preocupar cada vez mais com a questão do narcotráfico nos países vizinhos. Como mencionado anteriormente, os Estados Unidos já atuavam nesses lugares com forte repressão. Faziam isso especialmente por meio de agentes do DEA, o Drug Enforcement Administration, departamento americano responsável pelo combate ao tráfico. Nesse contexto, Ivan imaginava que esse órgão estaria cooperando com o Brasil nas investigações, compartilhando informações, por exemplo.
Segundo Teófanis, no entanto, a coisa não era bem assim. A única colaboração da qual ele tinha conhecimento era monetária, já que os EUA enviavam ao governo brasileiro quantias em dólares para ajudar a financiar a repressão ao tráfico.
Já em relação aos agentes bolivianos, a Polícia Federal também encontrava dificuldades para consolidar qualquer tipo de parceria. “Era muito problemático, porque os policiais na Bolívia ganham pouco, e não se exige muita instrução. Eram pessoas com baixíssima instrução, facilmente corrompíveis. […] É difícil você chegar e depositar toda a confiança, mesmo naqueles designados para atuar na repressão de entorpecentes”, comentou Teófanis.
Em algumas matérias sobre Don Yayo, há a informação de que a fazenda dele teria sido invadida por oficiais americanos e até mesmo pela Polícia Federal do Brasil. Também encontra-se nos textos o nome da operação conduzida pelos EUA, intitulada Snowcap.
Ivan leu relatórios americanos e livros que mencionam tal operação, mas não achou nada sobre Yayo Rodriguez. O mais próximo que o jornalista conseguiu de obter mais dados acerca dele foi justamente na conversa com o doutor Teófanis.
Agora, é preciso avançar no tempo. O ano é 1991. Pela primeira vez em décadas, o Brasil tem representantes eleitos pelo voto direto. Em Brasília, ocorre uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar o narcotráfico. Nela, um deputado federal de Rondônia, Jabes Rabelo, é acusado de envolvimento nesse tipo de crime.
Essa história por si só daria uma nova temporada do podcast, então aqui vai um resumo. Jabes era um empresário de café na cidade de Cacoal, em Rondônia. Tinha mais de 10 irmãos.
Em julho de 1991, durante a CPI do Narcotráfico, algo inacreditável aconteceu: a PF apreendeu 554 quilos de cocaína em São Paulo.
Os detalhes estão na notícia abaixo:
A Polícia Federal apreendeu na madrugada de ontem mais de meia tonelada de cocaína em Cajamar, município a 40 km de São Paulo. Segundo o diretor da PF, Romeu Tuma, foi a maior apreensão da droga, pronta para exportação, já feita no Brasil num só local.
Foram presos Abidiel Pinto Rabelo, 38 anos, assessor parlamentar, e Noabias Pinto Rabelo, 33 anos, piloto privado. Todos moram em Cacoal, Rondônia. Abidiel e Noabias são irmãos do deputado federal Jabes Rabelo. Segundo a PF, eles assumiram o transporte da droga.
O delegado responsável afirmou que não há, por enquanto, qualquer indício que prove o envolvimento do deputado federal Jabes Rabelo no tráfico.
Apesar da falta de provas, havia o fato de que Abidiel Rabelo tinha uma carteira de assessor parlamentar do irmão, Jabes. Ivan teve acesso ao processo em questão, graças à ajuda do jornalista Allan de Abreu, da Revista Piauí, um dos maiores especialistas sobre a história do tráfico de drogas no Brasil.
De acordo com o documento, no momento em que foi abordado pelos policiais, Abidiel teria mostrado a tal carteira, tentando se livrar da situação. Mas não conseguiu.
Isso foi suficiente para que o deputado federal sofresse um processo de cassação de mandato por quebra de decoro parlamentar. O pedido foi aceito pela Câmara em agosto de 1991 e, em novembro, ocorreu a votação.
Como resultado, Jabes Rabelo foi cassado com 270 votos favoráveis ao requerimento. Nos anos seguintes, acabou absolvido de todas as suspeitas. Diferente do irmão, que foi condenado.
O Projeto Humanos tentou contato com Jabes Rabelo para uma entrevista. Devido a uma série de problemas pessoais, no entanto, não foi possível realizá-la. Mas Ivan pode adiantar que o ex-deputado sempre negou as acusações e nunca foi condenado por nada referente a esse assunto.
Já com Abidiel Rabelo, a história foi diferente. Ele já foi preso ao menos três vezes por ligação com o narcotráfico. A última prisão ocorreu em 2020. Atualmente, aos 71 anos de idade, ele cumpre pena em regime domiciliar.
Ivan também tentou uma entrevista com ele, mas não obteve sucesso. O que o jornalista pode afirmar é o seguinte: Abidiel tem medo de falar. Conversar com Ivan ou com qualquer membro da imprensa não é um risco que vale a pena para ele, mesmo que já se tenham passado 30 anos dos eventos. Ele não tem nada a ganhar com isso.
De lá pra cá, muita coisa mudou no narcotráfico brasileiro. No período, não existia o PCC ou outras grandes facções criminosas. Ainda assim, durante as pesquisas, Ivan se deparou com alguns nomes da época que, atualmente, são figuras essenciais dentro dessas organizações. Antes, eram jovens, com 20 anos. Hoje, com mais de 50, permanecem na mesma atividade. Abidiel seria um desses exemplos. Mas ele é peixe pequeno. Tem gente que cresceu muito mais. Essa, porém, é outra história.
Por que estamos dando tanta importância para o que ocorreu com a família Rabelo?
Três semanas após a prisão de Abidiel com meia tonelada de cocaína, a Folha de S. Paulo publicou a seguinte reportagem:
A Polícia Federal já tem um fato-dossiê com informações sobre o fornecedor dos 554 quilos de cocaína pura apreendidos em São Paulo, no dia 9 de Julho, em poder dos traficantes Abidiel e Noabias Pinto Rabelo, irmãos do deputado federal Jabes Rabelo.
O barão da coca é um boliviano de 50 anos, conhecido por Don Yayo Rodriguez. Fazendeiro, irmão do ex-senador boliviano Chucho Rodriguez, vive na província de San Joaquin, na região de Beni, sul da Bolívia, onde mantém grandes quantidades de cocaína armazenadas em depósitos subterrâneos.
Don Yayo foi o principal alvo da chamada Operação Excentric, desencadeada pela Polícia Federal em 1986, mas escapou ileso e hoje é tido como o mais importante fornecedor de droga que passa pelo território brasileiro a caminho dos Estados Unidos e da Europa. Nos últimos anos, 18 aviões brasileiros teriam sido sequestrados por ele, e três pilotos brasileiros estariam mortos.
Poucos meses depois, em 10 de setembro de 1991, o jornal lançou mais uma nota ligando a família Rabelo a Yayo Rodriguez:
A polícia boliviana prendeu ontem Yayo Rodriguez, considerado o maior traficante de cocaína no país. Ele seria o fornecedor dos irmãos do deputado Jabes Rabelo, presos em julho em São Paulo com 554 quilos de cocaína. O diretor da PF, Romeu Tuma, está em La Paz.
Ivan reforça: é notável como Don Yayo parece uma figura gigantesca. Só que, como já disse, o jornalista não conseguiu mais nenhuma informação sobre ele. Não é possível saber se o traficante realmente foi preso, ou morto. De qualquer modo, nessa época, tudo apontava para ele.
Todavia, com o passar do tempo, a origem da droga que Abidiel Rabelo transportava foi esclarecida.
Segundo o ex-delegado Teófanis, os Rabelo nunca tiveram nenhuma ligação com Yayo ou com a quadrilha que furtava aviões. “Era um modus operandi totalmente diferente. Eles não mexiam com a Bolívia. Eles tinham atuação direta com o cartel de Cali ou de Medellín, não lembro agora. Mas era um desses dois, com quem acertavam a compra de cocaína. E, depois, eles não compravam dois, três quilos, era uma tonelada para cima”, comentou.
Ao ser questionado sobre o conhecimento do então diretor-geral da PF, Romeu Tuma, sobre as investigações, Teófanis afirmou que é muito comum que pessoas em cargos mais altos na corporação falem com a imprensa, mesmo sem terem ido a campo. Isso significa que as informações divulgadas podem conter detalhes errados ou aumentados. Exemplo disso é a fala de Tuma em diversos jornais sobre a conexão entre Yayo e os Rabelo.
“Às vezes a pessoa está lá em Brasília e alguém diz ‘tem que falar isso, que vai dar repercussão’. […] Mas, em nenhum momento durante as investigações que nós fizemos naquela região, aparece o envolvimento de Don Yayo Rodriguez [com os Rabelo]. Para falar a verdade, você tem que entender uma coisa: Don Yayo não tinha envolvimento com ninguém no Brasil, a não ser com as pessoas que levavam aviões para ele. Só isso. A cocaína ia para os Estados Unidos. Ele mandava diretamente nesses aviões”.
Sobre a abordagem e sequestro de pilotos, outro detalhe importante trazido por Teófanis tem a ver com a competência de investigação. Quem deve apurar a morte de uma vítima é a Polícia Civil, não a Federal. “Porque quem morreu foi um civil. Quem é competente? A Polícia Civil. ‘Mas ele estava envolvido com o tráfico’. O piloto não. O piloto é vítima, vítima do tráfico. Então, caberia à Civil investigar. Nós não tínhamos autorização para isso, porque não era da nossa competência”.
Além da jurisdição, outro problema enfrentado pelas corporações na época era a falta de recursos. “A Polícia Civil não tinha dinheiro para fazer investigação desse porte. Às vezes, nem mesmo a Federal tinha. […] A Civil não tem como fazer, mas o inquérito é aberto, porque assim manda a lei. Aí vai para a justiça, volta com prazo, vai para a justiça, volta com prazo. Passam-se anos, ninguém consegue descobrir nada, e mandam arquivar. Isso aconteceu em quase todos os estados”, concluiu.
De todas as lendas que leu sobre Yayo Rodriguez, a que Ivan tinha a maior curiosidade em descobrir era a do cemitério clandestino encontrado na fazenda dele, com os corpos de 36 pilotos brasileiros. Segundo o ex-delegado, porém, esse fato não procede. Nunca houve uma operação, seja do governo boliviano, brasileiro ou americano, que tenha invadido a base do traficante e revelado esse suposto local.
Ou seja, ao que tudo indica, a história do cemitério clandestino pode ser apenas uma informação equivocada, um boato que alguém ouviu e nunca conseguiu confirmar. Ela está presente em várias fontes que falam de Yayo, mas sem nenhuma prova, nada de concreto. O Projeto Humanos chegou a pedir ajuda a um jornalista pesquisador na Bolívia, para procurar por pistas em publicações antigas. Contudo, não houve resultado.
Muitos dos supostos comparsas de Don Yayo já morreram, ou estão foragidos. Já em relação a outras testemunhas, não dá para saber se estão vivas ou mortas, e é quase impossível localizá-las. E, mesmo que isso fosse plausível, é improvável que elas queiram falar. Assim como Abidiel Rabelo, devem ter muito medo – e não estão erradas.
No fim, Ivan não faz ideia se o cemitério clandestino é ou não real. Mas imagina que, caso seja, uma informação chocante dessas não seria esquecida pelo ex-delegado.
Para o jornalista, o mais impressionante é o seguinte: se Don Yayo realmente fez tudo o que foi publicado na imprensa, como é possível haver tão pouco de factual sobre ele em fontes oficiais?
Hoje, Ivan o vê quase como uma lenda urbana. Um fantasma que ronda essa história em vários cantos, do qual só temos vislumbres. E essa foi mais uma frustração que Ivan enfrentou ao longo da produção desta temporada, outro mistério sem resposta.
NOVOS PASSOS
Com todas as informações levantadas, Ivan marcou a reunião que aparece no início deste episódio, o encontro com Cassiano, filho de Ilo. No meio da conversa, os dois discutiram sobre a possibilidade do piloto ter tido contato com algum desses grupos criminosos.
Foi aí que ambos perceberam algo óbvio: em Curitiba, não havia onde procurar por pistas. Na internet, muito menos. Ivan teria que ir para Foz do Iguaçu e falar com quem de fato conviveu com Ilo. Apenas essas pessoas poderiam fornecer mais detalhes sobre a vida dele antes do desaparecimento. Cassiano, então, compartilhou com o jornalista o nome de alguns amigos do pai – que já estavam presentes nos documentos guardados na caixa de Wanda.
“Pô, eu sou doido para ir para Foz um dia, só para ver essas figuras. Eu tenho que ir lá, tenho que ir lá um dia. De repente, a gente vai junto, meu camarada”, disse Cassiano durante a conversa com Ivan. E foi assim que os dois se juntaram à jornalista Natalia Filippin, embarcaram em uma nova aventura e foram parar em Foz do Iguaçu.
A primeira pessoa que o trio procurou por lá não poderia ser outra: Cristina, a companheira de Ilo na época do desaparecimento, a protagonista do próximo episódio.