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Extras Episódio 03

Assim que Ilo Rodrigues sumiu em 27 de dezembro de 1986, matérias de imprensa da época passaram a especular sobre o que poderia ter acontecido. Em um primeiro momento, Ivan teve acesso às reportagens por meio do dossiê que o pai do piloto, Castorino Augusto Rodrigues, montou em 1989. Uma delas é do jornal Gazeta do Povo, de 3 de janeiro de 1987, exatamente uma semana após o desaparecimento.

Leia abaixo:

O monomotor Beechcraft 24-R, prefixo PT-IVO, encontra-se desaparecido desde a sua decolagem às 14 horas de sábado passado, do Aeroclube de Foz do Iguaçu com destino ao Aeroporto do Bacacheri, em Curitiba. Um avião Bandeirante de buscas e um helicóptero, ambos da FAB, estiveram mobilizados durante todo o dia de ontem na tentativa de localizar a aeronave, que possivelmente caiu durante a viagem. O único ocupante da aeronave é o seu proprietário, Ilo Rodrigues, 40 anos, chefe do escritório regional do Ministério da Agricultura, em Foz do Iguaçu. 

De acordo com os esclarecimentos prestados pela esposa do piloto, Cristina Rodrigues, a viagem estava efetivamente prevista à capital, onde Ilo iria encontrar-se com os familiares para passar as festas de final de ano. Cristina, que em várias oportunidades auxiliou o marido em voos, explicou que o mesmo não tinha plano de voo porque a decolagem do aparelho tinha ocorrido no Aeroclube, próximo à Santa Terezinha. O avião tinha autonomia de quatro horas e meia e em nenhum momento houve contato com qualquer torre de controle. Presume-se que o piloto tenha sido surpreendido por um temporal quando sobrevoava a região Oeste. 

Matéria da Gazeta do Povo, de 3 de janeiro de 1987 – “Avião some no percurso entre Foz e Curitiba e começa busca

A Cristina citada é Tereza Cristina, a nova companheira de Ilo após a separação dele com Wanda, mãe de seus dois filhos. Na matéria, também há outro ponto importante: quando voou, Ilo não havia elaborado um plano de voo – algo que, nos dias de hoje, é essencial. Antes de decolarem, pilotos são obrigados a informar às torres de controle a rota que pretendem seguir. Em 1986, esse procedimento não era padrão. 

Se Ilo deixasse o avião no aeroporto, até seria obrigado a fazer um plano de voo por questões de segurança. Mas, como decolou do aeroclube de Foz, não havia nenhuma cobrança. Assim, após o desaparecimento, não era possível saber exatamente qual trajeto ele faria.

De qualquer forma, a rota era bem conhecida por Ilo e por qualquer condutor de avião que já tivesse cruzado o estado do Paraná. Até hoje, muitos pilotos que passam por ela e sabem da história de Ilo acreditam que não foi acidente. Para eles, caso fosse, seria difícil que nenhuma peça do Beechcraft tenha sido encontrada. Justamente por isso, já naquela época, com a falta de respostas, os temores começaram a aumentar. 

No episódio passado, Wanda e Cassiano contaram a Ivan sobre o carro de Ilo, uma Belina, que teria sido encontrada ainda no aeroclube, destrancada e com a chave na ignição. Além disso, vários pertences dele estariam lá dentro – quais exatamente, a família não sabe dizer. 

A partir dessa narrativa, presente nas conversas com a família e também no dossiê de Castorino, Ivan pôde questionar Cristina sobre algumas das questões levantadas. Isso já no primeiro contato entre eles, feito por telefone. As respostas, posteriormente, foram compartilhadas pelo jornalista com a família Rodrigues.

De acordo com Cristina, logo após Ilo sair de casa no fatídico dia 27 de dezembro, ela foi abordada em casa por dois homens com sotaque castelhano. Na ocasião, a dupla lhe perguntou pelo piloto, e, acreditando se tratar de conhecidos do então companheiro, ela respondeu que ele já tinha ido pegar o avião no aeroclube. Ambos, então, entraram em um carro e saíram em disparada, como se estivessem com muita pressa.

Uma matéria publicada pelo jornal Gazeta do Povo em 6 de janeiro de 1987 já menciona a possibilidade de sequestro. Um trecho está disponível abaixo:

Até mesmo a polícia já está convencida de que o piloto Ilo Rodrigues, 40 anos, diretor do escritório regional do Ministério da Agricultura em Foz do Iguaçu, foi sequestrado e levado para o território paraguaio juntamente com o seu avião, o monomotor prefixo PT-IVO. Várias informações passadas à 6ª Subdivisão Policial de Foz, contrastando com as diligências processadas, passaram a reforçar tal hipótese e fizeram com que fossem iniciados os primeiros contatos com as autoridades paraguaias, no sentido de que auxiliem nas buscas. 

Um dos principais detalhes que fazem aumentar o crédito quanto a ação de um grupo organizado por trás do desaparecimento refere-se a um significativo número de depoimentos – nenhum oficializado – relacionando Ilo a alguns negócios ilícitos envolvendo brasileiros e paraguaios radicados fora da fronteira. Algumas fontes garantem que o funcionário do Ministério da Agricultura, detentor de vultosa fortuna pessoal, teria sido vítima de algum tipo de vingança ou mesmo seus captores podem estar pretendendo obtenção de resgate. Até agora, contudo, a família, concentrada em Curitiba, ainda não recebeu nenhum pedido de tal natureza e sequer teve qualquer espécie de informação sobre o seu paradeiro. 

O delegado Edval Simões, titular da Subdivisão de Foz, confirmou ontem que o automóvel de Ilo Rodrigues, uma Belina, fora deixado até mesmo com as chaves em seu interior, após estacionado nas imediações do Aeroclube de Foz, que fica perto de Santa Terezinha do Itaipu numa área de pouco movimento. Simões admite que tal detalhe sugere que Ilo tenha sido levado à força até o aeroporto e lá decolado com sua aeronave, uma das mais modernas da região, levando consigo os sequestradores. Isso explicaria o fato de o piloto não ter elaborado plano de voo e tampouco mantido contato com o aeroporto do Bacacheri, em Curitiba, onde supostamente deveria chegar.

Ontem, policiais não conseguiram fazer contato com dois pilotos que, conforme uma fonte, teriam mantido contato via rádio com Ilo Rodrigues, depois que o aparelho decolou de Foz, às 14 horas do dia 27 de Dezembro, um sábado. Um desses pilotos seria do Mato Grosso e estaria se dirigindo para Ponta Porã. O outro, conforme a fonte, teria intermediado a conversação entre os dois colegas pilotos por causa das dificuldades de comunicação. O inquérito sobre o desaparecimento de Ilo foi instaurado pela Subdivisão que, oficialmente, nada tem de concreto. 

Matéria da Gazeta do Povo, de 6 de janeiro de 1987 – “Buscas no Paraguai a piloto do Paraná tido como sequestrado”

Cerca de duas semanas após o desaparecimento, as buscas oficiais se encerraram. Os pilotos citados na matéria acima, que teriam se comunicado com Ilo pelo rádio, nunca mais foram mencionados em lugar algum.

Apesar do dossiê de Castorino conter muitas informações, ele possuía poucas partes do inquérito em si. A essa altura da investigação, Ivan já tinha dúvidas demais. Por exemplo, o que havia dentro da Belina? O veículo estava mesmo destrancado, com a chave na ignição? Que história é essa dos dois homens estrangeiros procurando por Ilo? Que fim levaram os pilotos citados no jornal? Quem eram eles? E teriam eles realmente conversado com Ilo pelo rádio?

O GOLPE DE MILHÕES

À medida que o jornalista avançava nas pesquisas, antes mesmo de pensar no acesso ao inquérito, surgia uma nova peça do quebra-cabeça. Ivan só não sabia se ela fazia parte do mesmo conjunto, mas estava lá, dentro do dossiê de Castorino. Era uma matéria do jornal O Paraná, da cidade de Cascavel, de 15 de fevereiro de 1987. É um texto longo e, nele, conhecemos um novo personagem na trama: o gerente de banco Rubens Rodrigues. Acompanhe um trecho:

Um golpe digno das estórias de ficção policial de Conan Doyle, com investigações de Sherlock Holmes. Pelo menos assim se estabelece o quadro do desaparecimento de Rubens Rodrigues, gerente da agência Banestado/Ceasa em Foz do Iguaçu. O pacato gerente de 41 anos de idade, há 19 anos funcionário do Banestado, está ligado a um golpe que já supera qualquer escândalo financeiro ocorrido nas Três Fronteiras. O montante, segundo se sabe, supera os 20 milhões de cruzados em Foz do Iguaçu e aproximadamente 6 milhões de dólares em Presidente Stroessner, no Paraguai. A fraude foi aplicada a mais de 15 empresários iguaçuenses, e um número ainda não preciso de paraguaios.

Rubens Rodrigues entrou em gozo de férias no dia 5 de janeiro, por um período de 35 dias, devendo retornar no dia 9 de fevereiro. Naquele dia, apresentou-se ao trabalho, desempenhando suas funções normalmente. Ao final da tarde, retirou-se, sendo a última vez que foi visto. 

Aqui entramos em uma famosa história em Foz do Iguaçu, o golpe do gerente do Banestado, Rubens Rodrigues. Basicamente, o que acontecia era um esquema de pirâmide. Você ia até a agência onde Rubens trabalhava e ele te oferecia uma série de alternativas de investimento. Lá pelas tantas, o gerente revelava, porém, que tinha uma opção muito melhor, um negócio que ele mesmo comandava. Você dava o seu dinheiro para ele, independente da quantia, e na hora recebia um cheque pré-datado para dali um mês, no mesmo valor, mas com um acréscimo de 10%. Ou seja, ele garantia ao cliente um elevado rendimento mensal, bem mais alto do que o comum para um banco. E um detalhe é importante: o cheque não era do Banestado, mas do próprio Rubens, o que significa que o dinheiro vinha da conta dele.

A reportagem afirma que pelo menos 15 empresários de Foz confiaram no gerente, mas segundo as pesquisas realizadas pelo Projeto Humanos, esse número é maior e conta também com clientes paraguaios. Durante meses, ou talvez até anos, Rubens apresentou esse negócio para quem se sentasse à sua mesa. Cada nova quantia que entrava no esquema servia para que o gerente pagasse os demais envolvidos, a quem ele estava devendo.

Mas, em certo momento, o dinheiro parou de entrar. Ou, de acordo com a matéria do jornal O Paraná, Rubens decidiu fugir após o início de uma investigação interna. Fato é que ele saiu de férias, retornou ao trabalho por um dia e sumiu, levando o dinheiro de todo mundo. Todos os cheques pré-datados emitidos para os clientes ficaram sem fundos do dia para a noite. 

E essa história ainda tem um clichê horroroso, que só poderia ocorrer na vida real: o gerente fugiu com a secretária, que era amante dele. Mas como isso se relaciona com a história de Ilo? Primeiro, por uma simples coincidência: os dois têm o mesmo sobrenome. 

A reportagem sobre o golpe fala um pouco mais sobre isso:

SUPOSIÇÕES

Pela semelhança dos nomes, e talvez até parentesco, alguns investigadores estão ligando o nome de Rubens Rodrigues a Ilo Rodrigues, engenheiro agrônomo desaparecido em 27 de Dezembro de 1986, ex-chefe do escritório regional do Ministério da Agricultura em Foz. 

[…]

Suposições e controvérsia, a verdade é que existem muitos fatos que coincidem no relacionamento de ambos, o que deixa tudo ainda mais obscuro. Vejamos: 

Ilo Rodrigues era cliente da agência Banestado/Ceasa, apresentando muita afinidade de relacionamento com o gerente Rubens Rodrigues

– Segundo comentários, quando Ilo desapareceu, sua conta bancária estava com saldo negativo em mais de 150 mil cruzados;

– Ilo teria feito um empréstimo como pessoa física no Banco Real no valor de 1 milhão de cruzados para pagamento do avião que adquiriu. Os avalistas seriam Rubens Rodrigues e Jorge H. Stijar – um paraguaio; 

– Outro empréstimo, no Banco Real, em nome deste mesmo paraguaio Jorge Stijar, no valor de 850 mil cruzados, teria sido avalizado por Ilo e Rubens; 

– O telefone instalado na residência do gerente Rubens Rodrigues está registrado em nome de Ilo Rodrigues;

– Já o terminal telefônico ligado na residência de Ilo é registrado no nome de Rubens. 

[…]

Os investigadores envolvidos no caso, a maioria sendo pessoas lesadas no golpe, possuem três pistas do paradeiro de Rubens e, talvez, do restante da quadrilha. 

A primeira informação é de que o golpista teria seguido para o interior do Mato Grosso. 

A segunda informa que Rubens estaria no Pará, numa grande mineração. 

A terceira é que Rubens Rodrigues teria seguido viagem com sua amante Marisa para Caracas, na Venezuela. Lá, iriam se encontrar com Ilo Rodrigues.

Matéria do jornal O Paraná, de 15 de fevereiro de 1987 – “Um golpe de milhões”

Aqui, lidamos com vários detalhes que nos transportam no tempo, memórias de um período peculiar, os anos 1980.

Primeiro de tudo, os valores monetários estão em cruzados, a moeda vigente em 1986 e 1987. Para se ter um parâmetro, em fevereiro de 1987, 100 mil cruzados equivaleriam hoje a cerca de 72 mil reais. Segundo a matéria, Rubens teria dado um golpe de 20 milhões de cruzados, o que corresponde a aproximadamente 14 milhões de reais – além dos seis milhões de dólares que tirou dos clientes paraguaios. 

Também de acordo com o jornal, Ilo estaria com a conta negativa em 150 mil cruzados, algo em torno de 100 mil reais. Para comprar o avião, teria feito um empréstimo de um milhão de cruzados pelo Banco Real – pouco mais de 718 mil reais. Isso tudo é para dar uma ideia da dimensão dos valores mencionados. 

Fora isso, as coisas ficam mais esquisitas quando o texto diz que Rubens teria uma linha telefônica no nome de Ilo e vice-versa. E, se você tiver menos de 30 anos, isso talvez seja um choque, mas houve uma época no Brasil em que linha telefônica era um bem, tal como um imóvel. As pessoas conseguiam uma boa renda extra comprando e alugando essas linhas. 

A reportagem também relata que Rubens teria sido avalista de Ilo no empréstimo para a compra do avião. Além disso, cita um paraguaio chamado Jorge Stijar, que estaria envolvido nesse rolo todo. Ivan tentou localizá-lo por meio de familiares, mas descobriu que ele já é falecido. E todos os esforços do Projeto Humanos em encontrar o tal gerente do Banestado não deram em nada. Ele fugiu e desapareceu de vez.

De todas as confusões, a única que Ivan conseguiu verificar com certeza é que, apesar dos sobrenomes iguais, Rubens e Ilo não eram parentes. Tinham idade próxima, eram sim bons amigos, provavelmente possuíam negócios juntos, mas nenhum parentesco. 

Rubens fugiu após aplicar um golpe milionário em Foz do Iguaçu em fevereiro de 1987, enquanto Ilo já estava desaparecido há pouco mais de um mês, sem qualquer vestígio de que seu avião pudesse ter caído. 

Segundo a imprensa, as investigações sobre a possibilidade de sequestro também não avançaram. Logo, uma nova hipótese surgia: Ilo Rodrigues poderia ter fugido. Para os jornais da época, essa hipótese parecia ganhar força à medida que a vida e os negócios de Ilo começavam a vir à tona.

AS POSSES DE ILO

No encontro com a família Rodrigues, Ivan percebeu que poucos sabiam exatamente o que o piloto fazia. Influenciados pelos anos de especulações, não duvidavam que o engenheiro agrônomo seria capaz de se meter em algo errado. Afinal, ele era o cara que roubava o carro do pai. 

Já Ivan tentava se manter aberto a todas as possibilidades. Ilo poderia ser apenas malandro nas relações sociais, não exatamente um criminoso. Mas, então, como já dito anteriormente, o jornalista descobriu que Ilo repassava para a ex-esposa, Wanda, todo o salário dele, para garantir aos filhos uma boa condição de vida.

De acordo com a portaria de nomeação de Ilo como delegado federal de Agricultura do Paraná, de 16 de Janeiro de 1980, ele recebia um salário de cerca de 16 mil cruzeiros – o que, em valores de hoje, corresponde a aproximadamente 5,3 mil reais. O engenheiro agrônomo vivia em uma casa cedida pelo Ministério, então não tinha gastos com moradia. 

Mesmo assim, como ele poderia ter a vida que tinha, com barco a vela, rádios, computadores e aviões, com esse salário, que ele cedia inteiramente à ex-companheira e aos filhos? Isso não fazia sentido. 

Nesse ponto, é preciso lembrar da tal loja de semijoias que Ilo estava montando. Era apenas mais um negócio para ele. Provavelmente, o último que inventava antes de sumir. Enquanto esteve em Foz, ele fez investimentos em ações, comprou terrenos, propriedades. Nas palavras de Wanda, boa parte desses bens se perdeu, não se sabe exatamente como. Ela acredita que as posses foram roubadas por parceiros do piloto após o desaparecimento.

Em uma das conversas com Ivan, Wanda falou de pessoas de quem suspeitava. Elas nunca foram acusadas formalmente de nada, e o jornalista não tem como verificar a veracidade dessas declarações. Por causa disso, esses nomes não serão citados aqui. Basta deixar claro que esse é o sentimento dela. A questão é que Ilo fazia procurações para cada indivíduo com quem fechava negócio, dando a eles sabe-se lá quais poderes. 

“Tudo o que o Ilo tinha ia sumindo. Inclusive dinheiro da poupança dos meninos. Era para eu estar rica, se fosse o caso. Mas nunca conseguimos nada”, disse a ex-esposa de Ilo em entrevista ao podcast.

Em meio a tanto mistério, surgem acontecimentos ainda mais estranhos em torno das finanças do engenheiro agrônomo. Segundo Cassiano, anos após o desaparecimento, um terreno do pai dele teria sido vendido com uma procuração bastante suspeita.

Ivan conseguiu verificar essa história em específico por meio de alguns documentos. Em resumo, Ilo comprou um terreno com outros três sócios – nenhum deles foi encontrado para conceder entrevista, mas a escritura é bem clara sobre o que aconteceu. Anos após o sumiço, os associados venderam as partes, restando apenas a de Ilo. E isso é até curioso: em teoria, a fatia de Ilo nunca foi vendida.

No entanto, de acordo com Cassiano, certo dia, Wanda recebeu a visita de um homem, que lhe deu dinheiro e disse que a quantia correspondia à parte de um terreno de Ilo. A história da procuração suspeita pode, na verdade, ser sobre esse bem em questão, mas não há como ter certeza.

Pode parecer difícil de acreditar, mas é necessário lembrar que estamos falando dos anos 1980 e início dos 1990. Poucas pessoas saberiam lidar com uma situação dessas, mesmo com a ajuda de advogados.

Mas, enquanto ouvia todas essas histórias, Ivan sentiu que precisava perguntar algo à Wanda: seria possível que Ilo fosse um cara enrolado, pilantra, cheio dos esquemas? 

“Eu acho que, de alguma forma, ele era de boa fé. De se meter nas coisas que ele não… Ele ia. Porque ele tinha dinheiro, sabe? Aquela coisa: dinheiro chama dinheiro”, respondeu a ex-esposa.

“Dinheiro chama dinheiro”. Esse era outro lema que Ilo falava com frequência. Apesar de entender a lógica, Ivan ainda não sabia como o piloto tinha condições de levar a vida que tinha. E, para contribuir com a aura misteriosa em torno dele, Iná, irmã mais velha do piloto, revelou que Ilo tinha uma identidade paraguaia. “Para quê ele precisaria de um documento como esse?”, questionava ela.

Momentos assim deixavam claro para Ivan que, por conta de tudo o que sabiam sobre Ilo, raramente os familiares botavam a mão no fogo para defender a honestidade dele. 

Pouco mais de um ano depois do sumiço, o nome do engenheiro agrônomo apareceu novamente nos jornais. E mais confusão entrou em cena.

Antes de avançar na narrativa, contudo, uma breve explicação é necessária. Afinal, o que ocorre quando alguém desaparece? O que acontece com o nome, trabalho e obrigações dessa pessoa? Quem cuida de tudo? Para entender isso melhor, Ivan entrou em contato com o advogado Maurício Bunazar.

A princípio, o jornalista sabia que Castorino havia contratado um advogado em Foz para organizar o que o filho deixou para trás. Nesse processo, Wanda descobriu que boa parte dos bens de Ilo teria sumido. Outro dado interessante é que, pouco tempo após o desaparecimento, outra pessoa foi apontada para ocupar o cargo do piloto no Ministério da Agricultura.

Na caixa entregue por Wanda, Ivan achou documentações com “declaração de ausência” e “morte presumida” – termos que nunca tinha ouvido falar. O jornalista, então, contou toda a história para o doutor Maurício e pediu para que ele explicasse quais procedimentos legais as famílias devem tomar em casos assim, mesmo naquela época, na década de 1980. 

De acordo com o advogado, existem dois tipos jurídicos de morte: a real, quando há corpo e atestado de óbito, e a presumida. Já a morte presumida pode ou não possuir a chamada declaração de ausência. Quando a situação é de extremo perigo e a probabilidade da pessoa não ter sobrevivido é altíssima, não há declaração de ausência. Um acidente aéreo, por exemplo, se encaixaria nesse contexto. Ou seja, se um avião colidiu, mesmo que o corpo do passageiro não seja encontrado, a presunção óbvia é de que houve morte. Por isso, ela é declarada imediatamente.

Por outro lado, quando um indivíduo desaparece, mas dá notícias ou concede a alguém o cuidado de suas posses, não é possível dizer que ele é ausente. “A ausência pressupõe que a pessoa desapareça do domicílio sem dar notícias e sem deixar alguém que lhe administre os bens. Neste momento, o Código diz o seguinte: existe patrimônio e esse patrimônio precisa ser cuidado. A ausência é fundamentalmente uma questão de administração patrimonial. Então, o que se faz nesse momento? Pede-se uma declaração de ausência”, explicou o doutor Maurício. 

Uma vez determinado que a pessoa sumiu sem deixar rastros, o juiz decreta a ausência e nomeia um curador. “Quem é esse curador? É alguém que vai administrar os bens dessa pessoa. Se depois de 10 anos, ela não voltar, não aparecer, com essa idade, 40 e poucos anos, decreta-se a abertura da sua sucessão definitiva. Ou seja, declara-se que ela está morta. Nesse momento, os bens dela são atribuídos aos herdeiros. Se a pessoa voltar depois, ela recebe os bens no estado em que se encontram”, completou. 

No caso de Ilo, os filhos eram menores de idade. Na época do desaparecimento, o piloto já havia se separado de Wanda, mas o processo de divórcio não estava completo. Além disso, quando sumiu, ele se relacionava com uma nova mulher, Cristina, há cerca de dois anos. 

Após o falecimento de Castorino em 1993, quem tomou as rédeas da busca pelas posses de Ilo foi Wanda, a ex-esposa. “Embora não houvesse ainda o divórcio, já não havia mais a sociedade conjugal, então, nada mais natural do que o pai ser nomeado curador. Na falta de pai ou mãe, os descendentes. Agora, se o filho era menor de idade, não há nenhum problema em a ex assumir, até representando o interesse dos filhos”, disse o advogado.

Como na época ainda não havia o conceito de união estável, dificilmente seria possível que Cristina conseguisse assumir a curatela, mesmo morando com Ilo há um bom tempo. Afinal, os dois não eram casados.

Oficialmente, ao menos em toda a papelada disponível, nada indica que Cristina tenha tentado se apossar dos bens de Ilo. Esse esforço se deu primeiramente por parte de Castorino e do advogado que ele contratou, Álvaro Albuquerque. Mais tarde, Wanda assumiu essa luta, pensando no futuro dos filhos.

De acordo com ela, para tentar entender a vida financeira de Ilo, Castorino conversou com Cristina e consultou a bagunça de papeis que o filho guardava em casa e no escritório. Ivo, irmão mais velho do piloto, acompanhou o pai nessas investigações. A cada pista que encontravam, a vida do engenheiro agrônomo se revelava cada vez mais enrolada. Enquanto isso, novidades sobre ele apareciam nos jornais.

FALSIFICAÇÃO DE ADUBOS

Uma reportagem do Jornal Nosso Tempo, de 29 de janeiro a 5 de fevereiro de 1988, chocou a família Rodrigues. Segundo a matéria, investigações da polícia apontaram que Ilo seria chefe de uma quadrilha que falsificava adubos em Foz. Um trecho está disponível abaixo:

[…] 

O desaparecimento do chefe da Delegacia local do Ministério da Agricultura ocorreu em 27 de Dezembro de 1986 e, na última vez que foi visto, pilotava o avião monomotor de prefixo PT-IVO. Logo em seguida, foi realizada uma ampla busca por parte da Salvaero, que vasculhou desde o Parque Nacional do Iguaçu até o aeroporto curitibano do Bacacheri, seu destino, de acordo com a rota que teria fornecido ao pessoal do tráfego aéreo. 

Não sendo encontrada nenhuma pista, as buscas foram encerradas, ficando aberto o inquérito policial que hoje possui 1893 páginas. 

Um mês depois do desaparecimento do engenheiro agrônomo e seu avião, a empresa de fertilizantes Solo Rico entrou com uma representação na justiça, dando conta de que estava sendo vítima de falsificadores que vendiam adubos fora das especificações exigidas e usando a marca Solo Rico. As embalagens eram feitas por uma máquina impressora onde a quadrilha falsificava os rótulos e sacarias do adubo, que era vendido como se fosse Solo Rico. 

Em 28 de Agosto, o delegado Joaquim Antonio Figueira assumiu o inquérito sobre o caso Solo Rico. Depois de inúmeras viagens e depoimentos, começou a costurar o caso dos adubos falsificados com o desaparecimento de Ilo Rodrigues. Descobriu ainda que o ex-delegado do Ministério da Agricultura alugou diversos armazéns no Paraguai. A gangue vinha agindo desde 1985 e, segundo o delegado Joaquim Figueira, aplicou um golpe de bilhões de cruzados. O adubo falsificado era vendido no Brasil e Paraguai – e além da Solo Rico, outra empresa lesada é a Cotrefal. 

No inquérito policial estão envolvidas várias empresas fantasmas e pessoas influentes em Foz do Iguaçu e região. 

Provavelmente, Ilo Rodrigues fugiu quando o golpe estava para ser descoberto e, segundo informações policiais, ele estaria agora na Colômbia ou em outro país latino-americano.

Matéria do jornal Nosso Tempo, de 29 de janeiro a 5 de fevereiro de 1988 – “Polícia descobre que agrônomo liderava quadrilha de falsificadores

Vários detalhes são importantes nessa matéria – que, não à toa, estava no dossiê de Castorino. A primeira de todas é a menção de que Ilo teria informado a rota que faria ao pessoal do tráfego aéreo. Talvez não fosse exatamente um plano de voo, mas já seria alguma coisa. No entanto, não havia nenhuma informação sobre isso no dossiê. Pelo contrário. De acordo com as reportagens publicadas logo após o ocorrido, o piloto não teria elaborado plano nenhum, tampouco informado o trajeto aos responsáveis. Assim, é provável que essa parte do texto tenha sido escrita com base no famoso “ouvi dizer”.

A segunda é que, a esta altura, pouco mais de um ano do desaparecimento, o inquérito sobre o paradeiro de Ilo já teria quase duas mil páginas. 

Por fim, a parte que mais chama a atenção é a suspeita de que Ilo estaria envolvido em uma quadrilha de falsificação de adubo – as primeiras denúncias sobre o crime teriam surgido cerca de um mês após o sumiço. Nessa linha de raciocínio, o piloto teria fugido porque percebeu que poderia ser pego. 

Em outras palavras, no decorrer de um ano, a família Rodrigues ouviu pelo menos quatro hipóteses sobre o ocorrido: acidente, sequestro por narcotraficantes, e fuga por conta do caso Banestado ou devido ao contrabando de adubo.

E, então, lembramos de Romeu Tuma dando o recado a Castorino. Do dinheiro de Ilo, que ninguém sabia direito de onde vinha. De todos os negócios paralelos, das tentações que o cargo no Ministério lhe trazia, de como Foz do Iguaçu era cheia de perigos. Do carro que roubava do pai quando era jovem. Do espírito aventureiro, do garimpo, do “dinheiro chama dinheiro”, “com Ilo não tem grilo”. Das histórias de enrolação com mulheres. Da Belina encontrada com a chave na ignição, dos homens que procuraram Ilo logo depois que ele saiu de casa. 

Diante de tanta coisa, Ivan decidiu focar naquilo que mais lhe interessou na reportagem: a informação de que o inquérito teria quase duas mil páginas. Esse detalhe o intrigou por um simples motivo. Como já mencionado no episódio anterior, ninguém da família conversou com a polícia. Portanto, quais depoimentos estariam lá? Por que havia tantas páginas assim? 

Se existia um lugar onde o jornalista poderia esclarecer parte das dúvidas, conferindo documentos e dados que a imprensa não divulgou, seria esse. Era finalmente hora de correr atrás do inquérito. 

EM BUSCA DO INQUÉRITO

O advogado Cleberson Lins, mais conhecido como Cleber Lins, foi quem Ivan escolheu para ajudá-lo nessa empreitada. Natural de Foz do Iguaçu, ele atua na área criminal e tem uma boa reputação na cidade, por possuir um perfil investigativo e ótimas fontes.

Ivan passou ao advogado algumas instruções e, meses depois, ambos se reuniram para conversar sobre as buscas. O doutor Cleber relatou que fez contatos com agentes públicos da época, e todos sinalizaram algo sobre o Ilo. De acordo com ele, o caso ficou bastante conhecido entre as autoridades, principalmente porque o piloto era um cidadão querido e influente em Foz. Por isso, diversos rumores se espalharam pela região.

Confira abaixo parte do relato dele para Ivan:

Dr. Cleber: […] Eu conversei com policiais da Delegacia de Homicídios na época, da Polícia Civil, e eles disseram que trataram o caso Ilo, no início, como um desaparecimento. Então, foi noticiado em dezembro de 1986 que o Ilo saiu supostamente para fazer uma viagem até a cidade de Curitiba, não chegou ao destino e não retornou para casa. Então, a Polícia Militar foi acionada e realizou buscas na mata, nas cidades vizinhas. Realizou buscas em Matelândia, Céu Azul, Santa Izabel do Oeste; outras próximas à região do Paraguai e mata nativa, no Parque Nacional do Iguaçu. E não encontraram nenhum vestígio da aeronave, por isso acabaram que descartaram as buscas e essa hipótese de acidente aéreo. 

[…]

Eu encontrei algumas coisas, alguns documentos de busca da Polícia Militar, da Polícia Florestal da época, com o nome dos agentes que realizaram essas buscas. Porém, assim, foram buscas curtas, de sete dias, não encontraram nada e pararam de procurar. Aí fui até a Polícia Civil. Na Polícia Civil, com alguns policiais que estão aposentados, eu tive contato. Tive contato com uma policial em específico. E ela me relatou que lembrava do caso Ilo, até propriamente do Ilo como pessoa. Porque, pelo o que eu entendi, ele era muito reportado em jornais da época, sabe? Jornais, colunas sociais aqui da região. […] E ela me falou que lembrava dele, porém não se recorda se foi a Polícia Civil que havia instaurado o inquérito. Então, nós fomos até a Polícia Federal e retornamos à Polícia Civil. Descobrimos que sim, foi a Polícia Civil que instaurou o inquérito a pedido da companheira do Ilo da época.

[…]

A companheira do Ilo da época, Tereza Cristina, constituiu um advogado. Esse advogado entrou com uma queixa de desaparecimento e pediu a instauração de um inquérito. Então, a Polícia Civil instaurou esse inquérito. Mas o que me chamou mais a atenção é que é um inquérito curto, de poucas páginas, um inquérito que não teve a oitiva dos familiares do Ilo. Os amigos próximos do Ilo não foram ouvidos. Então, eles canalizaram tudo em um desaparecimento, porém não desvendaram e não produziram nenhum elemento de prova, de investigação, que corroborasse com essa tese do desaparecimento.

Um resumo do que sabemos até aqui: ao entrevistar a família Rodrigues, Ivan ouviu repetidas vezes que nunca nenhum deles prestou depoimento à polícia. E, na conversa com Cristina, a companheira de Ilo na época, descobriu a história sobre os dois homens com sotaque castelhano que chegaram na casa dela procurando pelo piloto pouco antes do desaparecimento.

Dias após o ocorrido, quando as buscas por destroços não foram bem sucedidas, a polícia disse à imprensa que suspeitava de sequestro, já que a Belina de Ilo estaria aberta e com as chaves na ignição – sugerindo que ele teria saído às pressas, ou levado à força de lá. 

E, então, surgem as matérias sobre o gerente Rubens e o tráfico de adubo. Esta última, inclusive, cita uma volumosa investigação acerca do desaparecimento de Ilo. 

Mas, quando o doutor Cleber de fato encontrou o inquérito, Ivan verificou que a investigação só foi aberta porque, assim que Cristina notou que o companheiro havia sumido, ela contratou um advogado, Juarez Ayres de Aguirre Filho. Ele, então, entrou com um pedido para que as autoridades procurassem por Ilo, o que ocorreu no início. 

O documento continua com relatórios sobre as buscas, além de matérias de jornais que citam tanto a hipótese de queda quanto a de sequestro. 

No fim, o inquérito que Ivan esperava encontrar, de 1893 páginas, citado em uma reportagem, tinha só 25 folhas. E, após um ano sem notícias, ele foi arquivado. Não há nele nenhum relatório sobre a possibilidade de sequestro. Não há nenhum depoimento tomado. Não há registros de conversas com o pessoal do tráfego aéreo, ou de pilotos que teriam falado com Ilo enquanto ele voava. Nada de gerente do Banestado, nada de adubo, nada de traficantes. 

O Projeto Humanos também tentou achar o inquérito sobre o tráfico de adubo, crime em que a empresa lesada chamava-se Solo Rico. Nas pesquisas, Ivan descobriu que há várias empresas com esse nome. Ele entrou em contato com algumas delas e não conseguiu nenhuma informação relevante. Não foi possível sequer confirmar qual seria a certa – se é que ela ainda existe. Por conta dessas dificuldades, se esse inquérito estiver arquivado em Foz do Iguaçu, a chance de achá-lo é ínfima. 

Já na documentação que investiga o sumiço de Ilo, o detalhe mais importante está em uma breve declaração de Cristina, datada de fevereiro de 1987. Nela, a ex-companheira de Ilo fala apenas sobre como teriam sido as buscas, e reafirma que também estava mobilizando esforços para que ele fosse encontrado. Meses depois, o promotor encarregado recomendou que o caso fosse arquivado por falta de informações, e o juiz aceitou. Essa conclusão intrigou o doutor Cleber Lins, como mostra outro trecho da conversa com Ivan:

Dr. Cleber: Quando o Ministério Público não se contenta com uma investigação policial, ele pode fazer requerimentos. Pode requerer que outro delegado seja nomeado para investigar o caso, pode requerer diligências. Por exemplo, os familiares do Ilo, de Curitiba, não foram ouvidos nesse inquérito, os amigos do Ilo aqui de Foz do Iguaçu não foram ouvidos nesse inquérito. Então, é um inquérito, como eu disse, de poucas páginas, muito raso. E isso me causou, no mínimo, estranheza. Porque eu, que atuo na área criminal, sou acostumado com inquérito de 3 mil páginas, 2,5 mil páginas, já tive caso de 10 mil páginas. Aí você pega o caso de um cara que era bem conhecido na cidade, que era bem quisto pela comunidade, que tinha um cargo elevado; de repente esse cara desaparece, e investigam assim, rasamente, e acabam não produzindo nenhum elemento de convicção que corrobore com aquela tese inicial do desaparecimento do Ilo.  

[…]

Isso não é nada comum. Inclusive, é até, no mínimo, estranho. Porque é obrigação da polícia investigar qualquer indício de crime. Então, da mesma forma que pode ser um desaparecimento, pode ter sido um sequestro. Pode ter sido um homicídio, pode ter sido um latrocínio, enfim, uma série de coisas pode ter acontecido. Mas, no mínimo, os familiares deveriam ser ouvidos. […] Então, disseram que o Ilo desapareceu, mas desapareceu como? Foi um acidente, não foi? Foi um crime? O que levou a ter esse entendimento? Ah, levou a ter o entendimento porque ele não apareceu no destino que informou que estaria e não retornou para casa. Ok, mas por que os familiares não foram ouvidos? Por que a esposa não foi ouvida? Por que a esposa teve que procurar, teve que insistir? E, mesmo procurando e insistindo, não tem o depoimento claro dela dizendo: “olha, o Ilo acordava às nove horas da manhã, ia dormir às oito horas da noite, ele frequentava determinados lugares”. Então, ao meu ver, não se investigou nada nesse caso Ilo. 

[…]

Eu tive uma conversa com um policial da época, escrivão de polícia, na verdade. Ele disse que, no período, se costumava deixar a cargo de um investigador. Então, acontecia um determinado fato, eles nomeavam um investigador, e esse investigador produzia as provas que achava necessárias. Então, no caso do Ilo, nós nem sabemos quem é ou quem foi esse investigador nomeado, porque não existe essa informação. Se é que foi nomeado algum investigador.

Na conversa por telefone, Cristina contou a Ivan que, logo após o caso sair na imprensa, ela começou a receber ameaças. Desconhecidos ligavam na casa dela, diziam que tinham sequestrado Ilo e que queriam dinheiro para o resgate.

Desesperada, a ex-parceira do piloto pediu ajuda à Polícia Federal (PF) – provavelmente via Castorino, que mantinha contato frequente com ela. A PF, então, grampeou a linha telefônica de Cristina, para monitorar as ligações. Durante certo período, um agente teria até dormido na residência com o objetivo de garantir a segurança dela. Novamente, nada disso consta no inquérito.

O documento também não menciona os tais homens com sotaque castelhano que procuraram por Ilo no dia do desaparecimento. Ivan tinha a esperança de que tudo isso estivesse em um inquérito elaborado pela própria PF. Essa, portanto, foi outra tarefa repassada ao doutor Cleber: descobrir onde estava tal documentação.

Na Polícia Federal, no entanto, o advogado não achou nada. Não havia nenhum tipo de registro por lá. Ele partiu, em seguida, para a Polícia Militar, pois alguns policiais da reserva lhe disseram que acompanharam os rumores na época, e que a P2 – Serviço de Inteligência da PM – teria sido responsável por investigar o caso. Contatada, a corporação explicou as dificuldades em encontrar um arquivo tão antigo, ainda mais físico, mas se prontificou a tentar recuperá-lo.

Nos meses que se passaram, o doutor Cleber continuou buscando e insistindo, sem sucesso. Em outras palavras, tudo o que há de oficial sobre a investigação do desaparecimento de Ilo Rodrigues é o inquérito de 25 folhas. De resto, Ivan só tinha à disposição matérias de imprensa, que podiam estar equivocadas, e memórias de pessoas que conviveram com o piloto, lembranças de quase 40 anos atrás, confiáveis ou não.

E, enquanto o jornalista se contentava com a frustração de um inquérito tão fraco, ele se perguntava: por que a documentação é assim? Por que não há nenhum depoimento tomado, nenhum relatório de investigação? Por que não conseguimos encontrar nada na Polícia Federal? 

Nesse ponto, Ivan se lembrou de um momento da conversa com a família Rodrigues. Acompanhe uma parte do diálogo abaixo. Quem fala é Iná, irmã mais velha de Ilo, e Isinha, filha dela:

Ivan: Tem uma coisa que você me falou, Iná, que ficou muito na cabeça. […] O seu Castorino nunca levou a sério a possibilidade do Ilo estar envolvido com crime.

Iná: Jamais. Ele dizia “filho que eu criei não faz nada errado”. Ele nunca aceitou. Inclusive, o Ivo e eu tentávamos, e ele rebatia na hora, fechava a conversa.

Isinha: Eu acho que ele tinha recursos e meios inclusive para interromper qualquer… O medo dele era escândalo. Então, assim, se está indo para esse lado, para. Ele podia. 

Iná: E ele devia saber, devia ter percebido… 

[…]

Ivan: Então, pode ser que o seu Castorino, em algum momento, cruzou com a confirmação de que: “ok, meu filho estava envolvido com o crime, mas eu vou… Não, impossível, não pode ter sido isso”? 

Isinha: Ignorou. E mais, para aqui. […] E mais, não quero delegado tal, troca. Não quero fulano, tira. 

Ivan: Mas o seu Castorino tinha poder para isso? 

Isinha: Ele não, mas os amigos dele sim. 

Aqui, Isinha está falando sobre os contatos políticos de Castorino, bem como os relacionamentos poderosos que ele construiu na maçonaria. Segundo a família, o pai de Ilo chegou a fundar uma loja maçônica em Rio Branco do Sul, na região metropolitana de Curitiba.

Como o doutor Cleber comentou anteriormente, não é comum um inquérito de desaparecimento ser tão superficial. Ainda mais considerando quem era Ilo Rodrigues naquela cidade, naquele momento. 

Com essas informações, algumas hipóteses começaram a se desenhar diante de Ivan: o acidente aéreo, a falsificação de adubo, o envolvimento de Rubens Rodrigues no golpe do Banestado e o tráfico de aviões. Essas eram as linhas mais evidentes no momento, mas ainda havia espaço para surpresas. 

Além disso, havia também na família a suspeita de que Castorino teria descoberto algum podre do filho e mantido isso em segredo. Afinal, parecia possível que ele tivesse usado a influência que possuía para abafar qualquer escândalo que envolvesse os Rodrigues.

Ao mesmo tempo, Ivan tinha dificuldades em entender exatamente qual era a extensão do poder de Castorino. Até começar a investigar essa história, o jornalista nunca sequer tinha ouvido falar dele. Agora, descobria a importância dessa figura por meio da família e do nome de rua em Curitiba. 

A essa altura, o próximo passo parecia claro. Ivan precisava compreender melhor quem era Castorino Augusto Rodrigues, o pai que elaborou um dossiê de 132 páginas sobre o desaparecimento do filho. Será que estamos diante de um agente político cheio de poder no passado e que agora entrava no esquecimento? Seria Ivan a primeira pessoa a tentar enxergar de verdade quem ele foi? 

É fundamental, então, entender não só quem foi ele, mas também o verdadeiro alcance da influência que exercia naquela época.