Extras Episódio 07

No dia seguinte ao encontro com Cristina, Ivan, Natalia e Cassiano conversaram com um dos melhores amigos de Ilo Rodrigues na década de 1980, quando ele desapareceu: Celso Maciel, uma figura quase folclórica de Foz do Iguaçu.
Quem conseguiu o contato dele e também participou da entrevista foi a jornalista Izabelle Ferrari, que é da cidade e auxiliou o Projeto Humanos em várias etapas das pesquisas. Meses antes da viagem à Foz, Ivan já havia falado com Celso por videochamada, junto com Izabelle. Desta vez, ao vivo, ao lado de Cassiano, o jornalista finalmente teria a oportunidade de entender melhor tudo o que aconteceu no aeroclube durante os anos 1980.
Celso Maciel é um senhor de 76 anos extremamente simpático. Baixinho, ele usava uma boina quando recebeu a equipe do podcast para a entrevista em Foz. Hoje aposentado, o empresário trabalhou por anos no mercado de autopeças e, onde antes era a loja que administrava, ele montou um pequeno hotel. Esse foi o local do encontro com a produção do Projeto Humanos.
Quem vê Celso não imagina as histórias que ele tem para contar. O amigo de Ilo era conhecido pelo apelido de “Capeta”, e compartilhava com ele o mesmo entusiasmo pela aviação. Durante a conversa para o podcast, Celso relembrou diversas aventuras que ambos viveram juntos. E uma delas tinha até uma foto para ilustrar: um avião virado de cabeça para baixo no meio de um campo.
“Foi arte minha e dele, ó. Nós fomos lá para o Rio Grande do Sul com esse [avião] BKU. Olha como ele ficou. […] Só danificou isso aqui”, disse ele. “Mas nós fizemos um pouso, rapaz, no meio dessas duas palmeiras aqui, que foi de arrepiar”, completou.
Segundo Celso, na ocasião, faltou combustível durante o voo, exatamente no momento em que eles passavam por uma tempestade. Por isso, precisaram fazer um pouso de emergência, que acabou com o avião virado de cabeça para baixo.
De acordo com a caderneta de voo, Ilo tirou o brevê em 1964, mas só começou a pilotar de verdade em 1981, após um intervalo de 17 anos. O documento registra as horas voadas entre 1981 e 1983, assim como o nome das pessoas que o acompanharam – Celso Maciel, inclusive, era quem mais aparecia ali.
Apesar do principal objetivo da viagem à Foz ser a busca por pistas sobre o desaparecimento de Ilo, Cassiano também queria reencontrar pessoas que não via há 38 anos, como Cristina e, agora, Celso. Ele queria conhecer histórias do pai que nunca havia ouvido antes.
Uma delas, por exemplo, tem a ver com o avião que Celso e Ilo compraram juntos, em sociedade. O empresário conta que a aeronave estava quebrada, porque havia sofrido uma queda com o antigo dono. Por isso, ele e Ilo saíram para todo lugar atrás de peças – como hélice, asas, trem de pouso, motor – para baratear o conserto. Segundo Celso, o avião levou anos para ficar pronto.
Nesse contexto, aqui vai um detalhe importante: embora a aviação já fosse regulamentada na época, a atividade, no geral, ainda parecia bem precária. E nem todos os protocolos eram seguidos à risca.
Ao falar sobre o relacionamento com Ilo, Celso se dirige a Cassiano. “Eu acho que convivi dez vezes mais com o teu pai do que você. […] A gente estava quase todo dia junto vendo uma coisa ou outra, vendo aquilo ali, né? Então, o teu pai foi uma pessoa que ficou na minha memória, sabe? Eu tinha muita consideração por ele. Ele era uma pessoa muito legal. Eu gostava muito”, comentou.
Para Celso, esse é um dos motivos pelos quais ele acredita que o amigo jamais sumiria por vontade própria e passaria anos sem mandar notícias. “Tu acha que uma pessoa que ia fugir estaria natural, como ele estava? No dia do Natal? No outro dia que a gente foi lá, ele me convidou para ir junto”.
E, sem mais nem menos, o empresário revelou uma informação nova, essencial para o caso: na ocasião do desaparecimento, Ilo convidou o amigo para viajar com ele.
BUSCA PELOS BENS DE ILO
Antes de voltar a esse dia específico, com ainda mais detalhes, outro assunto recorrente surgiu, em relação à fonte de renda e ao destino dos bens de Ilo. Como já mencionado, familiares do piloto sempre estranharam a forma como as posses dele também sumiram misteriosamente.
A investigação inicial sobre isso apontou duas questões principais: se o salário do engenheiro agrônomo seria suficiente para adquirir tudo o que ele tinha, e o que realmente aconteceu com esses ativos.
Uma peça fundamental para solucionar essas dúvidas é o advogado Álvaro Albuquerque, contratado pelo pai do piloto, Castorino Augusto Rodrigues, para cuidar das pendências do filho. Infelizmente, porém, ele não está bem de saúde e não pôde conceder entrevista ao Projeto Humanos.
O empresário Celso Maciel, contudo, diz se lembrar do doutor Álvaro por causa de um fato bastante curioso. Em certa ocasião, Ilo e o advogado teriam brigado e acabado virando inimigos. Ele não sabe dizer, no entanto, o motivo do desentendimento entre os dois.
“Eu não sei por que eles encrencaram. Porque o Ilo também era meio queixo duro, né? Ele era bom de marra, era um caboclinho de coragem. Quando tirava para encrencar, encrencava mesmo. E ele se desentendeu com o doutor Álvaro. Daí brigaram e brigaram, e não podiam se ver”, afirmou. “Aí vem o teu avô e justamente pega o doutor Álvaro para cuidar do caso”, completou, dirigindo-se a Cassiano.
A afirmação de Celso deixou Cassiano bastante incomodado, porque a mãe, Wanda, nunca conseguiu resgatar nada de Ilo, e isso fez com que ela acreditasse que havia sido passada para trás. É importante reforçar que essa é a impressão da família, não possível de ser comprovada durante as investigações do podcast.
Após o desaparecimento do ex-marido, Wanda ficou completamente desamparada, sem qualquer renda para cuidar dos filhos. Para sobreviver, contou com a ajuda de pessoas do lado dela da família – já que, segundo Cassiano, Castorino jamais lhes forneceu qualquer tipo de auxílio financeiro.
Além disso, a ex-esposa precisou alugar a própria casa financiada, e se mudar para um lugar mais barato. Também teve de se desdobrar entre cursos profissionalizantes e o trabalho, enquanto cuidava dos meninos. Somente anos mais tarde, Wanda conseguiu estabilidade financeira para se manter.
E, durante todo esse período, ela esperava que os bens de Ilo fossem encontrados. Mas isso nunca aconteceu. Nesse contexto, quem ajudava Castorino a organizar as posses do piloto era justamente o doutor Álvaro.
Sem poder falar diretamente com o então advogado, Ivan entrou em contato com o filho dele. O rapaz explicou que, durante a pandemia, o antigo escritório do pai ficou abandonado e acabou sofrendo uma enchente, além de uma série de arrombamentos. Tudo isso resultou na perda de toda a documentação armazenada no local.
No fim, a hipótese de Ivan sobre os bens de Ilo é a que compartilhou com Cassiano no episódio passado: o piloto tinha rolo com muita gente, quase sempre em negócios não formalizados. Eram contratos feitos em papel, escritos à mão, o famoso “acordo de bigode”. Cassiano não descarta essa possibilidade. Mas, por ter enfrentado dificuldades junto com a mãe naquele período, ele não tem certeza se foi isso mesmo que aconteceu.
Ao ler os documentos produzidos por Álvaro, guardados na caixa de Wanda, Ivan chegou à conclusão de que é improvável que qualquer desavença entre ele e Ilo tenha influenciado na atuação profissional como advogado. Somado a isso, trocas de cartas sugerem que Álvaro seguiu todos os trâmites pedidos por Castorino.
Para Ivan, o sumiço dos bens parece ser resultado da falta de formalidade nos negócios. Exemplo disso é uma busca que o jornalista fez em um site capaz de puxar todas as propriedades que uma pessoa tem ou já teve em determinado estado. Ao consultar o nome de Ilo, ele não encontrou todos os imóveis descritos nas documentações da caixa de Wanda.
O sistema não é perfeito e inconsistências sempre podem ocorrer, mas, por meio dele, Ivan confirmou algumas das propriedades que já pertenceram ou ainda pertencem à família: um terreno no litoral que Ilo e Wanda venderam em 1980; um apartamento de um conjunto habitacional, onde o casal morou entre 1977 e 1981; e a casa onde Wanda vive até hoje. Em Foz do Iguaçu, aparecem apenas dois terrenos que o piloto comprou com sócios em novembro de 1986, pouco antes de desaparecer. Ambos foram vendidos anos depois, em rolos difíceis de serem explicados.
Não há mais nada. Nada de fazendas, mais apartamentos ou casas. Pelo menos, oficialmente. Isso leva Ivan a crer que, se Ilo realmente deixava anotações dizendo que tinha isso ou aquilo, tudo poderia ser fruto de negociações informais. E, após o desaparecimento, qualquer pessoa com más intenções tinha meios de se apropriar dessas posses novamente. Nesse caso, não há advogado que ajude.
A essa altura, também não é possível rastrear se a poupança de Ilo seria suficiente para pagar por esses bens. Até porque não sabemos de onde vinha esse dinheiro. Pode ser que Castorino tenha ajudado, já que os irmãos sempre dizem que o piloto era o “protegido” da família. Existe ainda a possibilidade de que Ilo sequer possuísse tanta coisa assim. De qualquer modo, é provável que ele tenha dado todo o dinheiro que tinha para Rubens Rodrigues, o gerente do Banestado, que sumiu em fevereiro de 1987.
No entanto, um comentário de Cristina, a ex-companheira de Ilo, traz uma visão diferente sobre o assunto. Na entrevista para Ivan, ela contou que o piloto se esforçava para ganhar dinheiro e garantir uma vida mais tranquila para os filhos – o que dá a entender que a criação dele, na verdade, não teria sido tão fácil quanto parecia.
PARCEIROS DE AVIAÇÃO
Mesmo sem sabermos o que aconteceu com Ilo, é evidente que ele gostava de se meter em rolos e se aventurar pelo desconhecido. Prova disso é a famosa história das joias, da tal ideia de buscar ouro em garimpo.
“Olha, ele comentava esse negócio do ouro. Ele gostava muito desse negócio de joia e ouro. […] Ele também não tinha, assim, nada definido. Decerto ele ia pesquisar onde tinha, como vendia, como era, né? Porque estava tudo no início”, explicou Celso Maciel.
Apesar de conhecer esse interesse pelo ouro, o empresário não soube dar mais detalhes sobre isso ou até mesmo sobre planos futuros que o amigo tinha. Embora muito próximos, Ilo não se abria com Celso quando o assunto era a vida pessoal dele.
Mas Ivan ainda tinha esperança de que o empresário pudesse explicar alguns pontos acerca do sumiço do piloto. Ao ser questionado sobre a entrada da Polícia Federal no caso, por exemplo, Celso disse ter um palpite: assim como outros frequentadores do aeroclube, ele e Ilo tinham amizade com policiais federais.
De acordo com o empresário, anos depois do desaparecimento do amigo, ele próprio procurou os agentes da PF ao passar por uma situação bastante perigosa. “Uma vez, a gente suspeitou que uns caras estavam querendo me sequestrar para levar um avião com droga. Daí, eu fui lá com um amigo. Fui lá na Polícia Federal e falei ‘olha, tem umas pessoas me rodeando assim e assim, e eu estou preocupado’. Eles falaram ‘a gente pode prender essas pessoas, só que esses caras depois vão te perseguir. Então, é melhor você se esconder’”, relatou.
Como grande parceiro de aviação de Ilo, Celso é a pessoa ideal com quem conversar sobre esse tema. Por isso, Ivan mostrou para ele a caderneta de voo do amigo, com datas, nomes de passageiros e prefixos de aeronaves, e perguntou quando o aeroclube começou a funcionar em Foz.
“Em 1974, eu lembro que nós já estávamos mexendo com esse negócio do aeroclube. Depois, fizemos uma vaquinha e compramos o [avião] J3. […] Aí, compramos aquele que caiu. […] A gente queria tirar umas fotos do lago [de Itaipu]. Acho que estava um fotógrafo lá. […] A gente amarrava o fotógrafo no montante ali, tirava a porta do avião, e ele ia fotografar, né? Eu não conto, porque isso aí na época me caçava o brevê, mas eu passei umas duas, três vezes debaixo da Ponte da Amizade”, comentou Celso, rindo.
“O apelido começa a fazer sentido” foi a resposta imediata de Izabelle, que lembrou de como Celso era conhecido na época: “Capeta”.
PILOTO EXPERIENTE?
Se Celso Maciel demonstrava tanta irreverência e ousadia na hora de pilotar, como era Ilo? Qual era o estilo dele? A questão essencial aqui era compreender a conduta dele como piloto, as habilidades e decisões que tomava diante do perigo.
Na primeira conversa com Ivan, por videochamada, Celso havia dito que o amigo não era um piloto muito experiente. “Ele voou pouco aqui em Foz, pelo menos. Por isso que eu até estava olhando aqui [na caderneta], para ver se ele voou bastante lá em Curitiba. Porque eu acho que ele tirou o brevê dele, e acredito que não tenha voado muito”, disse.
Como dito anteriormente, a caderneta de Ilo mostra que, após conseguir o brevê em 1964, ele só voltou a pilotar 17 anos depois, em 1981. Para Celso, o dia do desaparecimento teria sido a primeira ocasião em que Ilo viajou sozinho de Foz para Curitiba – pelo menos com o Beechcraft Sierra, a aeronave que sumiu com ele.
A memória de Cassiano, no entanto, contradiz essa afirmação. Segundo ele, o pai já tinha voado para a capital outras vezes, e levado os filhos para sobrevoar a cidade no Beechcraft.
Mas em um ponto ambos concordam: Ilo comprou o Beechcraft menos de um ano antes de desaparecer. Celso acredita que o avião não chegou a ficar um mês no aeroclube.
Nesse momento da conversa, Ivan se lembrou de uma história importante que o empresário havia lhe contado durante aquela primeira videochamada. Pouco antes de voar, Ilo teria encontrado um problema na aeronave e chamado um mecânico para verificar a situação. O profissional, porém, não seria um especialista em aviões, mas sim em helicópteros.
Essa atitude do piloto não parecia ser uma novidade. A própria Cristina revelou para Ivan que, quando comprou o Beechcraft, o então companheiro teria levado um mecânico para ajudá-lo na avaliação. Desta vez, alguém que entendia de carros.
Isso tudo serve para mostrar duas coisas: primeiro, não era tão simples assim achar mecânicos de aviões em Foz do Iguaçu na época. Ainda mais durante as festas de fim de ano, período em que Ilo desapareceu. Segundo, o nível de displicência da turma do aeroclube era bem maior do que qualquer um poderia imaginar.
PROBLEMAS NO AVIÃO
As lembranças de Celso se tornam ainda mais interessantes quando ele relata um evento ocorrido no dia do Natal de 1986. Quando ele, Ilo e outro amigo em comum, chamado Adilton, voaram juntos no Beechcraft. Ivan adianta que tentou localizar Adilton, mas não conseguiu.
Com Celso e Ilo pilotando juntos, o trio saiu do aeroclube rumo ao aeroporto de Foz, onde abasteceria a aeronave.
“Quando nós estávamos chegando no aeroporto, o avião começou a falhar. O Ilo se assustou, meio que levou a mão no manete. Mas nós tínhamos altura, e a pista ali é comprida, deu para descer tranquilo. Só que ele [avião] tocou na pista, apagou e não funcionou mais. Aí nós o empurramos lá para o pátio. […] E aquele avião dele voava em cima do motor. Pifava o motor, e ele vinha para o chão. Não é que nem o Cessna, que plana, que vai embora, né?”, relatou Celso. O empresário lembra de ter ficado tão apavorado, que sugeriu para Ilo que eles fizessem o trajeto da volta de carro.
Agora, vamos parar por um momento para contar uma situação parecida, desta vez descrita por Cristina. Ela lembra quando Ilo recebeu um casal de amigos e os levou para sobrevoar o Lago de Itaipu. Na época, o então companheiro já havia lhe ensinado algumas noções de aviação.
“Alguma coisinha eu já entendia, eu estava começando a ler as coisas, os instrumentos e tal. Quando a gente ia sentido Itaipu, o Ilo cortou o combustível de uma asa. Eu entendi e olhei para ele. Eu vi que ele ficou diferente. Aí, ele voltou para aquela e cortou da outra. […] Eu senti que tinha alguma coisa errada, porque ele voltou muito rápido. […] Eu percebi que a gente não chegou a ver Itaipu como era para ver”, explicou Cristina.
Percebem como esse acontecimento é bastante parecido com o que Celso narrou? Agora, voltamos ao relato dele. De acordo com o empresário, após o pouso, um conhecido do trio, que tinha uma empresa de táxi aéreo, deu uma olhada no avião, que acabou funcionando de novo.
Com medo de arriscar, Adilton teria se recusado a entrar na aeronave e decidido retornar ao aeroclube de carro. Já Celso, mesmo desconfiado, tomou coragem e voou com Ilo no trajeto da volta. O empresário só desistiu de levar consigo um galão cheio de gasolina, devido ao risco de explosão caso houvesse outro pouso de emergência.
Segundo Celso, no dia seguinte, 26 de dezembro, o piloto chamou mecânicos de helicóptero para olhar o avião, já que tinha a intenção de viajar à Curitiba. Para relembrar, a ex-esposa de Ilo, Wanda, afirma que ele devia ter visitado os filhos antes do Natal, mas ligou para ela cancelando os planos, porque estava com problemas em Foz.
Pouco tempo antes da decolagem, Celso chegou a encontrar Ilo no aeroclube. “Ele estava lá com o mecânico. Eu não sei, acho que era um só. Ele até me convidou para ir à Curitiba. […] Talvez ele tivesse alguma dúvida. Porque dois pilotos dão mais confiança, né? Eu falei ‘não, Ilo’. Era fim de ano, depois eu teria visitas lá em casa e tal. Aí, eu voei com um aluno e vim embora”.
Ilo também comentou com Celso que o mecânico examinou o avião e disse que tudo estava bem. Assim, ele passaria em casa para comer alguma coisa, se despediria de Cristina, e voltaria ao aeroclube, para, enfim, levantar voo rumo à Curitiba.
Ivan tentou encontrar os mecânicos que trabalhavam na região na época, tanto de avião quanto de helicóptero, e não obteve sucesso. Os poucos com quem conseguiu contato não se recordam de terem feito qualquer tipo de serviço para Ilo no final de 1986.
Essa dúvida, então, permanece: enquanto Celso acredita que Ilo contratou um mecânico de helicóptero, Cristina acha que se tratava de um especialista em carros. Independente disso, fato é que o avião de Ilo estava com problemas.
Para Celso, tudo indica que o corte de combustível ocorrido no dia do Natal tenha sido a mesma falha relatada por Cristina no voo em Itaipu.
Ao mesmo tempo que essas informações são importantes, é preciso considerar que, pelo tempo que passou, as narrativas podem apresentar inconsistências cronológicas.
Em resumo, segundo o amigo de Ilo, o episódio da falha do avião teria sido no Natal de 1986. No dia seguinte pela manhã, o piloto teria levado os mecânicos para o aeroclube, voltado para casa e, à tarde, voado para Curitiba.
No entanto, Ilo desapareceu em 27 de dezembro, e não no dia 26. São eventos de quase 40 anos atrás, claro, mas Ivan está convencido de que o encontro com os mecânicos ocorreu realmente no dia 27, quando ele desapareceu.
E o que Ilo teria feito no dia 26? De acordo com Cristina, o piloto estava em casa, falando ao telefone, sem deixar que ela escutasse as ligações. Ivan acredita que Ilo procurava por algum mecânico que pudesse atendê-lo antes de ir para Curitiba. Ou, para quem defende a hipótese de fuga, pode ter sido nessa ocasião que ele começou a receber novas informações ou ameaças.
EM CASO DE TEMPESTADE
Com essas questões em mente, Ivan queria saber de Celso quais ações foram tomadas após o desaparecimento do piloto. Segundo o empresário, o trajeto Foz do Iguaçu-Curitiba passou a ser o foco das buscas nos dias que se seguiram. Além disso, quando podia, ele próprio pegava um avião e voava pela região do Parque Nacional e do Lago de Itaipu à procura do amigo.
Ao ouvir a resposta de Celso, Ivan se lembrou de algo que, supostamente, o piloto teria ensinado a Cristina. De acordo com ela, Ilo lhe disse o seguinte: “se você estiver pilotando e enxergar uma tempestade à frente, não adianta voltar porque ela já te tomou. O correto, nesse caso, é seguir rumo ao litoral”.
Para Celso, no entanto, essa recomendação não faz nenhum sentido. “O regulamento é claro. Você tem que voar cinco mil metros longe de qualquer formação. Então, igual naquele dia, nós entramos na tempestade porque vimos a pista, e estávamos sem combustível. […] A gente tentou descer, mesmo com tempestade na pista. Aí, o vento nos levou e nós não vimos mais pista, não vimos nada. […] O avião rolou. Quando deu uma clareadinha, que estabilizou, a gente viu aquela clareira e desceu lá, né? […] Então, esse negócio de ir para o litoral e voltar, isso não existe. Não tem nada a ver. Nem pode. […] Tem que retornar”, disse ele, relembrando a aventura do avião que virou de cabeça para baixo.
Ivan conversou com alguns pilotos sobre essa questão. Todos foram unânimes: ao se deparar com uma tempestade, se você está com um avião como o de Ilo, o certo é retornar. Não existe essa história de que a tempestade já te engoliu.
É possível, então, que Cristina tenha se lembrado do tal ensinamento de forma equivocada? Sim. Mas também é bom reforçar que, para Celso, Ilo não era um piloto muito experiente. Logo, não dá pra saber se ele realmente acreditava na recomendação de ir para o litoral em caso de tempestade.
Neste ponto, a tese de acidente começou a ganhar força. Afinal, há muitos indícios de que isso pode ter acontecido. Mas aqui um problema é evidente: até hoje, 40 anos depois, nenhuma peça do avião foi encontrada – isso em uma rota bem conhecida, feita com frequência por várias pessoas todos os dias.
As partes de uma aeronave são identificadas com um número de série único. Portanto, se qualquer peça tivesse aparecido, seria possível ligá-la ao Beechcraft Sierra de Ilo. Como esse não foi o caso, a hipótese de queda acabou sendo abandonada na época, e outros comentários passaram a circular pela cidade. Boatos que só serviram para atrapalhar as investigações.
Em todas as oportunidades em que Ivan conversou com Celso, o amigo de Ilo foi bastante taxativo. Ele recomendou que o jornalista não desse ouvidos a tudo, para não se perder do caminho certo.
Celso Maciel é um velhinho muito simpático, um cidadão bem visto na cidade. E, quando fala de Ilo, duas coisas ficam claras: o carinho que tem pelo antigo parceiro e a dor que sente em não saber o que aconteceu com ele.
VISITA AO AEROCLUBE
Naquela manhã chuvosa em Foz, após a entrevista, Ivan pediu para que Celso o levasse à fazenda onde funcionava o aeroclube. O local fica a cerca de 30 minutos de Foz do Iguaçu, em um município vizinho chamado Santa Terezinha de Itaipu. Longe do centro urbano, a área possui pouquíssimas casas.
Há décadas, o terreno pertence a uma mesma família e, atualmente, quem cuida dele é Marcelo Puhl, de 41 anos de idade. Foi ele quem recebeu Ivan, Cassiano, Celso, Natalia e Izabelle naquela manhã.
“Aqui é propriedade da nossa família, né? O aeroclube paga aluguel da pista e do espaço. […] E os aviões ali são particulares”, explicou Marcelo.
Na década de 1980, havia no local apenas um hangar. Hoje em dia, ele conta com duas dessas estruturas, utilizadas por um clube de voo particular – diferente do antigo aeroclube, que já não existe mais por conta do alto custo em mantê-lo.
A entrada para o aeroclube que Ilo e Celso frequentavam é por uma única estrada, que passa ao lado do hangar que o local possuía. Segundo Celso, a única diferença notável é que, naquele tempo, essa rua se dividia e levava para o outro lado do galpão.
O silêncio total do lugar deixou Ivan bastante impressionado. Mesmo com chuva forte, a fazenda apresenta uma quietude surpreendente para quem está acostumado com ambientes urbanos.
Ao entrar pela estrada já citada, o visitante logo se depara com o hangar do lado esquerdo dela. Não há portões. Nunca houve. O que circundava a área na época era uma enorme plantação de milho. Celso recorda, inclusive, que as plantas estavam muito altas, e que Ilo havia estacionado o avião tão próximo a elas que a cauda da aeronave alcançou o milharal.
Na hipótese de sequestro, a altura do milho sempre foi relevante. Afinal, esse seria um esconderijo perfeito para os criminosos. Para lembrar, Ilo tinha deixado a aeronave fora do hangar a fim de facilitar a decolagem no dia 27 de dezembro. Isso também o tornaria um alvo fácil.
Ao sair do antigo galpão e virar à esquerda, é possível ver a pista de pouso e decolagem a cerca de 40 metros de distância. Exatamente nesse ponto, Ilo foi visto pela última vez.
Após passear pelo local com a orientação de Marcelo Puhl, o grupo se sentou para conversar um pouco sobre aquela época. Para Ivan, o mais importante era descobrir quem estava no aeroclube no dia em que o piloto desapareceu.
De acordo com Marcelo, na década de 1980, aproximadamente 30 pessoas moravam na fazenda. “Havia cerca de oito casas aqui. Cada caseiro com dois, três filhos. Era muita gente. A molecada vivia correndo por aí”, disse.
Entre os moradores, um nome se destacou: Aleixo, um funcionário que diz ter visto o avião de Ilo decolar no dia do desaparecimento. Ele trabalhou como caseiro na fazenda por quase quatro décadas e saiu de lá há poucos anos.
A jornalista Izabelle Ferrari foi a primeira a conversar com Marcelo Puhl, meses antes da viagem à Foz. Para ela, o dono da fazenda já havia mencionado Aleixo, com quem ainda tinha contato.
Marcelo, então, verificou se o antigo funcionário gostaria de conceder entrevista ao podcast, mas ele se recusou. Afirmou que não tinha muita coisa a dizer e não queria aparecer em lugar algum.
De qualquer forma, em algumas ocasiões, Marcelo conversou diretamente com Aleixo, para questioná-lo sobre aquele dia em específico. E o ex-caseiro se lembrava bem de tudo por um pequeno detalhe: o carro de Ilo. A tal da Belina, que também marcou a memória de Celso.
“Ele entrou com a Belina umas duas, três vezes aqui [no hangar], e tinha muito barro. Aí sujou tudo de barro. Você fazia o avião funcionar, fazia aquele poeirão. Eu pedi ‘Ilo, deixa lá fora’. Eu acho que foi a primeira vez que ele deixou lá fora”, relembrou Celso.
Um dos grandes mistérios que cercam a Belina é a chave, se ela ficou ou não para trás depois que Ilo decolou. Segundo a família Rodrigues, o carro estaria aberto com a chave na ignição, o que seria um indicativo de que o piloto teria sido levado por alguém às pressas. Além disso, Ivan ouviu mais de uma vez que Ilo tinha deixado dentro da Belina uma série de itens pessoais.
Aparentemente, Aleixo poderia ser a pessoa que finalmente esclareceria essas dúvidas. Marcelo disse que o ex-caseiro viu o piloto decolar. Mas será que Ilo estava sozinho?
Essa pergunta, no entanto, teria que esperar. Porque, no momento, a equipe do podcast tinha outro compromisso: um encontro com Ari de Quadros. Dias antes, o filho dele confirmou à produção que, apesar da saúde e memória fragilizadas, o pai aceitou dar entrevista.
CONVERSA COM ARI
Assim, no dia seguinte à visita ao aeroclube, Ivan e companhia seguiram até o escritório de Ari. Enquanto aguardavam o empresário na sala de reuniões, eles não conseguiram ignorar as fotos e miniaturas de aviões espalhadas pelo cômodo.
Mas logo o ponto de atenção mudou. Ari, um senhor de 80 anos, se aproximou pelo corredor e cumprimentou a equipe. De todos ali, ele só conhecia Cassiano, o filho de Ilo.
No início da conversa, o entrevistado contou um pouco sobre a trajetória dele em Foz de Iguaçu. A mudança para a cidade ocorreu por conta do serviço militar, onde Ari atuava como sargento.
Mais tarde, ele decidiu deixar o Exército e abrir uma empresa de prestação de serviços, que prosperou com a chegada da Itaipu. Ao longo do tempo, os negócios expandiram, e Ari passou a ter uma escola de aviação e, posteriormente, um empreendimento voltado ao táxi aéreo. Hoje, a empresa é especializada em transporte de valores e UTI aérea.
A pista de pouso e decolagem que o empresário possui há 40 anos é um dos motivos das inúmeras especulações que rondam a figura dele. Como ela fica ao lado do Rio Paraná, na fronteira com o Paraguai, é um lugar fácil e rápido para transitar entre os países.
Entre uma fala e outra, Ari demonstrava dificuldade em entender o motivo da entrevista. Ele se perdia nas informações e às vezes agia como se conversasse com velhos amigos, dizendo coisas que a equipe do podcast não entendia.
O empresário não sabia responder muitas das perguntas feitas por Ivan. Mas isso não parecia ser exatamente por problemas de memória. A impressão que fica é que ele não tinha nada de substancial para falar sobre Ilo porque, apesar de serem amigos, eles não eram tão íntimos assim.
“No fim de semana, às vezes, a gente se encontrava. Era só isso, porque eu trabalhava de uma maneira, e ele trabalhava… Ele era do Ministério do Trabalho?”, questionou Ari, demonstrando certo distanciamento de Ilo – que, na verdade, era funcionário do Ministério da Agricultura.
Ari também não se lembrava de nada sobre a fábrica de semijoias ou outros negócios do piloto.
Independente disso, com o tempo, Ivan passou a achar que não havia nada de extraordinário na tal história das joias. Essa era apenas mais uma das várias investidas de Ilo, que provavelmente não tinham a ver com o desaparecimento dele. Ao menos, nada indicava uma relação entre esses eventos.
Outro assunto que Ivan precisava verificar com Ari era o caso do golpe do Banestado, aplicado pelo gerente Rubens Rodrigues. Isso porque muitos moradores de Foz diziam que o empresário havia sido uma das pessoas lesadas.
Mas, quando Ivan mencionou esse acontecimento, a resposta de Ari surpreendeu a todos: ele disse que nunca teve conta no Banestado e jamais investiu dinheiro com Rubens.
Em uma conversa posterior com Ivan, o filho de Ari confirmou que o pai tinha sim dado uma quantia ao gerente, e que perdeu tudo depois que Rubens sumiu. Ao considerar que o golpe não envolveu o Banestado diretamente, pode ser que Ari realmente não tivesse conta lá.
Em todo caso, no dia da entrevista com o empresário, Ivan também comentou sobre as histórias envolvendo a ligação entre Rubens e Ilo.
“Agora, o Ilo, não tem nada que desabonasse ele. Pelos anos que eu tenho de aviação, eu acho que ele caiu na serra. […] O Ilo era um homem limpo. Não tinha porquê fugir”, comentou Ari.
Apesar do empresário nunca ter sido condenado por nenhuma irregularidade, o nome dele sempre circula nos boatos sobre atividades ilícitas em Foz do Iguaçu. Isso é coisa de décadas.
Como uma fonte disse certa vez a Ivan, quando Ari se mudou para a cidade, Foz era muito violenta. Ao mesmo tempo, havia várias oportunidades para quem quisesse fazer dinheiro. Só que elas às vezes esbarravam em regiões meio nebulosas quando o assunto era a legalidade.
Além disso, mesmo que Ari tenha ficha limpa, muitas pessoas afirmam que ele certamente conhecia esquemas ilegais em Foz. Então, quando o empresário disse que Ilo era um homem limpo, isso marcou Ivan. Para o jornalista, Ari sabia coisas demais sobre o passado da cidade, e queria assegurar a Cassiano que o pai dele não havia feito nada de errado.
Por outro lado, em alguns pontos da entrevista, o empresário parecia não ter tanta certeza dos fatos e se perdia em meio a tantas lembranças. Em certo momento, Ivan mostrou a ele a caderneta de voo de Ilo, que registra uma viagem com Ari em 19 de dezembro de 1982. Mas o empresário disse não se recordar de ter voado com o piloto.
“Eu não me lembro de voar com ele. Inclusive, no dia que voou para Curitiba, ele foi lá na minha empresa, me convidar para ir junto. Eu falei ‘Ilo, olha aí o tanto que eu tenho de funcionário’. Era sábado de manhã. Eu tiro a tarde só para pagar os funcionários”, afirmou Ari, que acabou recusando o convite do amigo.
Essa informação é essencial: tanto Celso Maciel quanto Ari de Quadros afirmam que, no sábado, dia 27 de dezembro de 1986, Ilo convidou os dois para viajar à Curitiba. Ambos, porém, responderam que não podiam ir com ele.
HIPÓTESE DE FUGA
Até esse ponto, Ivan ainda não tinha nenhuma ideia clara do que teria acontecido com Ilo. No entanto, dentre todas as hipóteses, a de fuga começou a soar cada vez menos plausível.
A equipe do podcast vasculhou a fundo os jornais da época, especialmente os de Foz. Não há neles nenhum desenvolvimento da história sobre Ilo estar envolvido no golpe de Rubens ou na adulteração de adubo. Não há inquérito desses casos. Ninguém sabe informar nada de concreto. Tudo é especulação.
Nesse momento, Ivan passou a acreditar que os jornais divulgaram a tese de fuga muito mais na base do “ouvi dizer” do que de uma investigação sólida, com indícios ou provas.
Somado a isso, há a questão dos filhos. O jornalista cansou de ouvir de diferentes pessoas que Ilo era maluco por Cassiano e Luciano, e que jamais ficaria tantos anos sem dar notícias.
Por fim, com as revelações de Celso e Ari, a pergunta imediata é: se o piloto planejava fugir, por que convidaria dois amigos para viajar com ele?
A essa altura, Ivan começou a imaginar como Ilo poderia, na verdade, estar apreensivo com o voo. Os amigos dizem que ele não era um grande piloto. Dezembro é uma época que chove bastante. O avião estava com problema. Talvez ele quisesse uma companhia que o auxiliasse em um eventual imprevisto, por exemplo.
O Projeto Humanos entrou em contato com o Aeroporto do Bacacheri, onde Ilo deveria pousar, para verificar se havia algum registro de contato com ele, algo sobre o mau tempo ou a possibilidade de aviões estarem impedidos de pousar lá naquele dia. O aeroporto comunicou, porém, que nada disso foi encontrado. Também é bom lembrar que, se esses documentos existissem, certamente eles estariam no dossiê de Castorino.
Na conversa com Ari, a equipe não conseguiu mais informações sobre Rubens Rodrigues e o golpe milionário do Banestado.
Quando Rubens e Ilo sumiram, diversas histórias se espalharam pela cidade. Uma delas dava conta de que o gerente do banco teria sido visto durante a transmissão de um jogo da Copa do Mundo de 1990. Em outra versão, quem estava nas arquibancadas era o piloto – ou seja, boatos que só serviam para atrapalhar as investigações e deixar familiares ainda mais angustiados.
Em relação ao tráfico de adubo, a produção do podcast não conseguiu localizar o inquérito. Com a ajuda de fontes, porém, a equipe deu uma olhada em arquivos da polícia, e constatou que a ficha de Ilo estava completamente limpa. Não havia nenhum mandado de prisão no nome dele, ou qualquer outro documento que o ligasse a esse ou a outros crimes.
Já sobre o caso Banestado, o Projeto Humanos contatou ex-funcionários do banco e pessoas prejudicadas com o golpe, além de também procurar por um inquérito, mas sem sucesso. Não existe nada que conecte o piloto ao esquema.
Em toda e qualquer investigação, a equipe do podcast trabalha com várias hipóteses e, após um longo processo de filtragem e checagem, elimina algumas possibilidades.
Descartadas, então, as teorias sobre a fábrica de joias, o golpe do Banestado e o tráfico de adubo, sobraram como mais prováveis o sequestro e a queda. E essas seriam as linhas que Ivan seguiria até o fim.
VOLTA À CONVERSA COM CRISTINA
Depois de conversar com Celso Maciel sobre a experiência de Ilo como piloto, Ivan revisitou a entrevista que tinha feito com Cristina no dia anterior. O jornalista queria saber especificamente o que ela lembrava das habilidades dele na aviação e das falhas na aeronave.
Ao falar sobre a possibilidade de acidente, Cristina mencionou alguns detalhes interessantes: primeiro, o sobrevoo no Lago de Itaipu com o tal casal de amigos foi feito com o Beechcraft, o mesmo avião que Ilo usou no dia do desaparecimento. Segundo, o especialista que o piloto encontrou para ajudá-lo na ocasião teria sido um mecânico de carro.
Diferente do que disse Celso Maciel, porém, a ex-companheira afirma que Ilo já tinha voado outras vezes de Foz para Curitiba. Na visão dela, ele parecia sim ser um piloto experiente. Nesse sentido, ela mencionou um comentário que teria sido feito por um amigo chamado Laércio, também piloto de Foz.
“Porque ele [Laércio] me falava assim, que o Ilo era uma referência como piloto para ele, sabe? E, se fosse uma pessoa inexperiente, não ia voar em um avião que ele mandou consertar com um mecânico de carro”, opinou Cristina.
Durante a viagem para Foz, Ivan também conversou com Laércio. Na ocasião, o entrevistado afirmou que chegou a conviver com algumas pessoas do aeroclube na época, mas que não era um membro muito presente. Além disso, disse que a relação com Ilo havia sido breve, com pouca interação, apenas para falar sobre aviões.
Voltando ao encontro com Cristina, Ivan não pôde deixar de argumentar que, como Ilo era aventureiro, ele certamente se arriscaria em voar com um avião consertado por um mecânico de carro. O filho do piloto, Cassiano, concordou na hora. “Ele era doido”, disse.
E esse diálogo ativou uma memória em Cristina. “Vocês falando isso, sabe do que eu lembrei? O nosso carro era a gás, botijão de gás. Quando era proibido, quando era perigosíssimo. E a gente viajou o Brasil inteiro com aquele botijão”.
Cassiano também se recorda muito bem disso. “E tinha que ficar parando a cada 300 quilômetros para comprar gás escondido”.
“Isso! Um inferno!”, concordou Cristina.
Apesar de admitir que Ilo poderia ser irresponsável, a ex-companheira defende que os esquemas duvidosos que ele inventava eram bem pensados. “Ele era um profundo estudioso. Não era um dono qualquer de avião. Não era um dono qualquer de Belina a gás. Ele estudou toda a forma de fazer o troço, entendeu? Ele fazia imersão. Ele era um profundo estudioso de qualquer coisa que pegasse para fazer”.
Embora tivesse a impressão de que Ilo era bastante experiente como piloto, Cristina comentou ter ouvido na época que talvez ele não possuísse tanta prática com o Beechcraft em específico, por ser um avião com uma resposta mais rápida.
Em Foz do Iguaçu, Cassiano conversou com muitas pessoas que desejava encontrar. E, agora, estava prestes a retornar para casa, na Amazônia. Já Ivan e Natalia ficariam na cidade por mais alguns dias, para tentar levantar novas pistas. A principal delas tinha a ver com Aleixo, o então caseiro que teria visto Ilo decolar antes de sumir.
Pouco depois de se despedir de Cassiano, Ivan lembrou que precisava pegar uma assinatura de Marcelo Puhl, o dono da fazenda onde funcionava o antigo aeroclube. Ele e Natalia foram, então, até Santa Terezinha, desta vez para a cidade em si, na casa de Marcelo.
Chegando lá, ele tinha uma surpresa para os jornalistas: Marcelo havia conversado com Aleixo e pedido mais informações a ele com base nas dúvidas apresentadas por Ivan.
Uma das primeiras lembranças do ex-caseiro tinha como referência a Belina de Ilo, deixada para trás fora do hangar após a decolagem. “Ele [Aleixo] falou que o carro ficou de 10 a 15 dias no sol, e ele queria guardá-lo na garagem. Como o carro era novo, ele ficou com dó de vê-lo no sol. […] Mas a polícia foi lá e disse que não era para mexer. […] E o carro estava aberto sem a chave. […] Ele falou que na época ninguém costumava trancar”, explicou Marcelo.
Segundo o relato, alguns dias depois, Aleixo saiu pela manhã e, ao voltar à tarde, notou que o veículo já não estava mais lá. Ele presumiu, então, que a família de Ilo havia pegado a Belina de volta.
De fato, nos documentos presentes na caixa de Wanda, existe o registro de que o carro foi vendido pela família tempos após o sumiço de Ilo.
Sobre a decolagem, Aleixo relatou que estava com mais dois pedreiros naquele dia, trabalhando em uma obra próxima à pista. Os três viram Ilo levantar voo sozinho e não notaram nada de estranho. Nenhuma movimentação fora do normal.
Nesse momento, Ivan precisa confessar que tinha ido para Foz com a certeza de que Ilo havia sido sequestrado. Tudo se encaixava: o tipo de avião, o local, o período, o contexto. Mas, agora, ele possuía informações novas.
Como os familiares de Ilo e demais envolvidos, Aleixo não deu depoimento para a polícia. O próprio inquérito só foi aberto a pedido de Cristina, com a ajuda de um advogado.
E, inesperadamente, Ivan descobriu a existência dessa testemunha ocular. Não é o melhor dos mundos, mas o evento claramente marcou o ex-caseiro da fazenda.
Nessa hora, é impossível não perceber o óbvio: houve displicência da polícia. Provavelmente, os policiais ouviram o relato de Aleixo e já tomaram as próprias conclusões. Não se aprofundaram nas diligências.
Ivan não conseguiu falar com Aleixo diretamente, mas Marcelo lhe mostrou algumas mensagens de áudio enviadas por ele. Em todas elas, a história permanecia a mesma.
O jornalista já está acostumado com pessoas que não aceitam conceder entrevista. Às vezes, o motivo é o medo, ou o desejo de evitar qualquer tipo de incômodo. Mas, por incrível que pareça, na maioria dos casos, a razão é ainda mais simples: muitos simplesmente acham que não têm nada de relevante a dizer. Esse parecia ser o caso de Aleixo.
Como Ivan já havia ouvido a mesma história várias vezes por intermédio de Marcelo, o jornalista decidiu não insistir na tentativa de falar diretamente com a testemunha. Afinal, ele já tinha o mais importante, o relato do que o ex-caseiro se lembrava do fatídico dia 27 de dezembro de 1986.
E o que tudo isso significa para essa história? É o que Ivan tentará amarrar no próximo e último episódio desta temporada.