Enciclopédia do caso Evandro

EXTRAS EPISÓDIO 20

 

Os nomes das duas principais testemunhas de acusação no começo do processo:

  1. Irineu Venceslau de Oliveira, vigia da serraria que trabalhava no local de madrugada. Prestou depoimento em 13 de agosto de 1992, alegando ter visto os sete acusados na serraria na noite de sete de abril de 1992, todos vestidos de branco. O que vai de encontro com o depoimento de Andreia, que também teria afirmado que na noite desse dia Osvaldo teria saído de casa vestido de branco na companhia de Vicente e Beatriz. Essa roupa branca normalmente era usada para a realização de rituais.
  2. Edésio da Silva, em depoimento também prestado no dia 13 de Agosto de 1992, relatava que na manhã de seis de abril de 1992 andava de bicicleta na rua onde Evandro morava e viu o menino ser levado pelas Abagge, sendo que as duas estariam no banco da frente, e nos bancos de trás teria visto dois homens.

 

Os dois são testemunhas importantes para o MP e eles são frequentemente citados no processo, especificamente em três documentos:

  1. Operação Magia Negra, produzido pelo Grupo  Águia e assinado por Valdir Copetti Neves e datado de sete de julho de 1992, cinco dias após as prisões das Abagge [DOWNLOAD];
  2. A denúncia do Ministério Público, assinada pelo promotor Antonio Cesar Cioffi de Moura e datado de 21 de julho de 1992 [DOWNLOAD];
  3. As alegações finais do Ministério Público antes da pronúncia da juíza de Guaratuba. Redigido após diversos depoimentos das testemunhas de acusação e defesa e é o momento que o promotor monta sua proposição da acusação de forma elaborada. Também é assinado por Cioffi e é datado de 13 de agosto de 1993 [DOWNLOAD].

 

 

SETE DE ABRIL DE 1992

De acordo com a denúncia do Ministério Público, por volta das 22h00, o guardião Irineu teria sido dispensado da serraria por Airton Bardelli. Bardelli teria chegado na serraria com os outros seis acusados, no carro da Celina e no carro do Bardelli. Nesse dia, Irineu ainda não sabia do desaparecimento de Evandro. Nesse dia, a casinha mencionada na denúncia já estava pronta e quem tinha a chave da casinha era Bardelli. Na época a serraria não possuía portão e Irineu morava de frente para o local. O vigia também afirmava que no dia seguinte trabalhou normalmente, sendo seu horário de trabalho das 18:00 até as 06:00 da manhã seguinte. Para montar a acusação, o MP se focou nesses trechos do depoimento de Irineu do dia 13 de Agosto de 1992, uma vez que mostrava os acusados no local e data mais convenientes para a acusação.

Mas esse era o terceiro depoimento de Irineu. O primeiro depoimento prestado por ele datava de 3 de julho de 1992, o dia seguinte às prisões das Abagge e o mesmo dia que Bardelli e Cristofolini foram presos. Foi prestado em Guaratuba a um delegado da polícia civil, o Dr. José Carlos de Oliveira. O depoimento é curto e diz que na Sexta-feira Santa o vigia estava trabalhando, e que chegaram ao local: Bardelli; um homem que ele não conhece; e as duas filhas dos Abagge. Eles fizeram um trabalho na firma, mais especificamente no interior do barracão onde estão instalados o maquinário, e trouxeram uma vela, que foi colocada na casinha.

Em 1992, a Sexta-feira Santa caiu no dia 17 de abril, 11 dias depois do desaparecimento de Evandro. Na denúncia do MP, diz-se que o ritual teria ocorrido no dia sete de abril. O corpo foi encontrado no matagal no dia 11 de abril, seis dias antes do dia no qual o relato de Irineu insinua que o ritual teria ocorrido.

De fato, apesar de negarem participação no assassinato de Evandro, alguns dos acusados afirmam que ocorreu um trabalho na serraria na semana santa de 1992.

 


A CONSTRUÇÃO DA CASINHA NA SERRARIA

No julgamento de 2004, Osvaldo afirmava que jogou búzios para o Aldo Abagge e, na consulta, foi decidido que seria construído um oratório – a casinha – com a finalidade de proteger uma imagem do seu santo protetor, junto com uma vela, e um ritual de limpeza no local que ajudaria a garantir assim proteção, fazendo a serraria prosperar. O ritual teve participação dele (Osvaldo), de sua companheira Andrea, um amigo de Osvaldo chamado Mário e a esposa dele (uma mulher argentina), Vicente de Paula, o vigia Irineu, Bardelli e Beatriz.

Osvaldo não tem certeza da data que foram construir a casinha mas se recorda de ter ocorrido na Semana Santa. O desenho com as dimensões da casinha estão registradas no caderno de Osvaldo, que costumava ser preenchido por Andrea, mas que nesse trecho constava uma caligrafia diferente. Além disso nada indicava que a casinha do desenho seja a mesma que foi construída na serraria. Vicente de Paula não se recorda de ter feito o mapa com as dimensões da casinha e muito menos recorda de quando ela foi construída.

 

Desenho com instruções para construção da casinha, no caderno de Osvaldo

 

 

A título de comparação, essa página mostra a caligrafia de Andrea, que é bem presente em todos os cadernos de Osvaldo

 

 

Vista da casinha pronta (retirado do vídeo do Grupo ÁGUIA de 2 de Julho de 1992)

 

 

Outro ângulo da casinha pronta (também retirado do vídeo do Grupo ÁGUIA de 2 de Julho de 1992)

 

 

Nesse depoimento de 2004 há divergências sobre a função da casinha. Beatriz dizia que ela servia apenas para colocar uma vela, para não haver o risco de incêndio. Já Vicente de Paula e Osvaldo diziam que casinha serviria para abrigar uma imagem de São Jerônimo, santo correspondente do catolicismo ao orixá Xangô, santo protetor de Aldo Abagge. Osvaldo também afirmava que teria sido colocado um pedaço de cobre dentro da casinha.

Na gravação em vídeo do dia dois de julho de 1992 do Grupo Águia, quando vão na serraria e quebraram o cadeado da casinha, não há nenhum imagem lá dentro. Os fios de cobre realmente foram encontrados, juntos com restos de vela, além da embalagem da mesma. Se em algum momento a imagem do santo esteve lá no dia da gravação não estava mais.

 

No depoimento de Andreia, datado de 21 de agosto de 1992, ela afirma que nunca esteve na serraria de Aldo Abagge e que ela sabe que Vicente e De Paula estiveram no local a pedido de Beatriz para uma avaliação e os dois afirmaram que o local estava carregado mas que ela não sabe se eles realizaram algum trabalho espiritual no local. Ela não recorda a data da visita mas lembra que ela foi realizada em decorrência da leitura de búzios realizada para Aldo Abagge. Na oferenda a Exú participa apenas o cliente e o pai de santo. na noite da Sexta-feira Santa ela estava em Guaratuba e pode afirmar que não houve nenhum trabalho no centro de umbanda dos réus.

As divergências de data pode ser explicada pelas diferenças existentes entre as religiões de matriz africana. Dependendo da região do país ou do terreiro que você frequenta, cada orixá pode ter correspondência com um santo diferente da igreja católica. E, por exemplo, não são todas as linhas de umbanda que realizam sacrifícios de animais. Em depoimento prestado em 11 de setembro de 1992, Dona Hortência afirma que em seu terreiro não praticava sacrifícios de animais. A prática seria mais comum em praticantes de candomblé, que era da onde vinha Vicente de Paula. Inclusive, ele seria ogã de corte, pessoa apta a realizar os trabalhos de corte nos rituais de sacrifício animal.

 


DISCREPÂNCIAS DE RELATOS

Ainda sobre as discrepância dos relatos Osvaldo e Beatriz diziam em júri que no trabalho da serraria a casinha já estava lá mas Vicente dizia que achava que não. Apesar disso no depoimento prestado em 28 de julho de 1992 ele dizia que ao ver fotos reconhece a casinha como a casinha que viu na serraria e que lhe foi informado que ela foi feita por Bardelli para abrigar a figura de um santo e que Vicente chegou a ir até o local e viu a casinha.

Havia também a discordância em relação a Exu. Vicente afirma que não existe figura correspondente na religião católica enquanto Osvaldo afirma ser São Lázaro. No seu depoimento Osvaldo ainda chega a se confundir, dizendo que São Jerônimo seria o correspondente de Exú. Afinal o crime que eles estavam sendo acusados era supostamente a realização de um ritual dedicado a Exu e São Jerônimo seria o protetor de Aldo Abagge. Se as duas entidades fossem as mesmas seria o suficiente para o Ministério Público.

 

QUANDO FOI? 

Em resumo, de acordo com os acusados, realmente houve a realização de um ritual na serraria, mas ele teria ocorrido numa Sexta-feira Santa, dia 17 de abril de 1992. Vale dizer que alguns relatam que esse ritual ocorreu nesse dia, inclusive o testemunho do vigia Irineu, mas no no júri de 2004 havia uma discordância entre Vicente de Paula e Osvaldo sobre essa data.

Vicente de Paula afirmava que não existe correlação de datas do candomblé com o catolicismo e que a sexta-feira é o único dia que deve ser respeitado e não há realizações de trabalho. Ele não se recorda quando o ritual foi realizado mas acredita que foi entre dia 17 e 21 abril. Já Osvaldo afirma que a Sexta-feira Santa é o melhor dia para a realização de trabalhos daquele tipo. Independente disso, os dois são enfáticos ao explicar que o trabalho realizado, fosse quinta-feira ou na sexta, não envolvia nenhum sacrifício de animais.

 

 

DEPOIMENTO DE MARIEL SNACHES EM 10 DE SETEMBRO DE 1992

Além dos acusados, havia uma testemunha que confirmava que esteve lá: uma argentina de 22 anos chamada Mariel Snaches. Em seu depoimento prestado dia 10 de setembro de 1992, ela relatavava que não se recordava do dia, mas encontrou-se com Andrea e a convidou para fazer umas comidas, destinadas a uma oferenda na serraria dos Abagge. Tal oferenda seria para fazer uma limpeza no local, que passava por dificuldades financeiras.Mariel afirma que ajudou a cozinhar canjica, feijão e outros cereais que serviriam de oferenda para o ritual.

Por volta das 19h00 ela estava na companhia de Beatriz, Andreia e Osvaldo e que foram no carro de Beatriz até a serraria. Chegando lá deveriam encontrar com Bardelli mas ele não estava lá então foram até a casa dele. Foram até a casa dele, que chegou pouco tempo depois junto com De Paula. Na serraria Osvaldo, Andreia e De Paula jogaram a comida pela serraria e que ela não se lembra se a casinha já estava lá. Irineu também estava lá. Segundo ela, Bardelli não fez parte das oferendas e o guardião Irineu não foi dispensado, e teria permanecido no local durante as oferendas. Ela não viu nenhuma oferenda dentro da casinha, viu velas e não viu onde elas foram colocadas. Permaneceu na companhia de todos durante a realização das oferendas.

Analisando esse depoimento percebemos mais uma vez que todos confirmam a participação de Andreia mas ela negou em depoimento prestado em audiência. Voltando para o depoimento de Irineu como um ritual envolvendo apenas velas e oferendas de alimentos se transformou em um ritual de sacrifício humano?