Enciclopédia do caso Evandro

EXTRAS EPISÓDIO 11

ATENÇÃO: Os relatos abaixo referem-se às argumentações das defesas e dos acusados. O Ministério Público e autoridades envolvidas sempre negaram todos os eventos descritos neste episódio.

 

O QUE ACONTECEU NA CHÁCARA/CASA DAS TORTURAS?

Seria entre as sessões de tortura que a fita cassete com a confissão das Abagge foi gravada. No início a fita podemos ouvir a voz de Osvaldo, o que parece estranho uma vez que a fita foi supostamente gravada à tarde, dentro do ferry boat que ia até Matinhos e Osvaldo já estava lá.

 


JÚRI DE 2004

Osvaldo Marcineiro relata foi levado para outra casa, na madrugada do dia 1º de julho para o dia 2 de julho de 1992, onde ouviu as vozes de duas mulheres datilografando e conversando. Osvaldo não sabe ao certo onde era esse lugar mas lá também sofreu sessões de tortura com o objetivo de assumir sua participação no crime e incriminar as Abagge. Depois ele teria retornado a chácara e, horas depois, teria novamente voltado para a casa e onde encontrou Davi dos Santos nela. A narrativa de Osvaldo é confusa e não dá para dizer exatamente o que aconteceu, o que podemos afirmar é que Davi em algum momento dentro dessa casa misteriosa, viu Osvaldo por lá e também comenta sobre as duas mulheres datilografando. Davi acha que foi levado até banheiro da casa e permaneceu ali sentado, algemado e encapuzado. Ele ouviu as duas mulheres conversando, uma delas comentou que aquilo não era a coisa certa a se fazer enquanto a outra mandava ela seguir realizando o seu trabalho. Davi sabe que a casa misteriosa pertencia ao ex-ditador paraguaio Alfredo Stroessner. Quando comandava seu país, Stroessner chegou a passar algumas de suas férias na cidade de Guaratuba. Até hoje, há uma praça da cidade que homenageia o ex-ditador.

 

Capa do jornal “Nosso Tempo”, de 24 de Abril de 1987. A foto da capa mostra a casa que Stroessner tinha em Guaratuba.

 

Matéria do jornal “Nosso Tempo”, de 24 de Abril de 1987, falando sobre as casas de refúgio que o ditador paraguaio Alfredo Stroessner tinha pelo mundo. Uma delas era em Guaratuba.

 

[DOWNLOAD] EDIÇÃO JORNAL “NOSSO TEMPO”, de 24 de Abril de 1987, com a matéria sobre a casa de Stroessner em Guaratuba

 

Placa da praça Alfredo Stroessner, em Guaratuba, nomeada em homenagem ao ditador paraguaio na década de 1980.

 

Capa do jornal Gazeta do Povo, de 21 de Fevereiro de 1989, falando sobre a chegada de Stroessner em Guaratuba após ter sido deposto no Paraguai, enquanto aguarda resposta do pedido de asilo no Brasil. Stroessner morreu como asilado político no Brasil em 2006, em Brasília. Não se sabe se ele estava em Guaratuba em 1992, mas é provável que ele já estivesse na capital do país à época.

 

 

Tanto Osvaldo quanto Davi dão a entender que esse momento dentro da casa poderia ter ocorrido pela manhã ou até à tarde. Levando em conta o depoimento de Davi teria acontecido pela manhã, enquanto as Abagge ainda estavam na chácara sendo torturadas, o que explicaria porque Osvaldo só está presente no início da gravação da fita cassete. Apesar das dúvidas de quando eles foram levados até a outra casa ou a que horas as mulheres estariam datilografando os dois homens querem que a gente saiba que em algum momento desse dia havia duas mulheres, que acompanharam parte das torturas enquanto redigiam algum documento. Não sabemos que documento era esse, pode ter sido os mandados de prisão ou os depoimentos por escritos.

 

Provavelmente também foi na casa do Stroessner que a fita VHS foi gravada. É nesta fita que Davi aparece com algodão nas orelhas que, de acordo com a defesa, serviam para estancar o sangramento que haveria nelas após Davi receber uma série de tapas. Davi conta que os torturadores começaram a filmar, fazendo perguntas e com um papelão escrito o que ele deveria dizer. Ele o tempo todo se recusou a assumir a autoria de algo que não fez enquanto os torturadores insistiam e tentavam “tranquilizá-lo”, dizendo que o importante mesmo era incriminar as Abagge.  

 

De acordo com o dossiê “Tortura Nunca Mais” após essas gravações em vídeo, Osvaldo foi levado para a serraria de Aldo Abagge e lá foi feita a reencenação do crime conforme mostrado no episódio 7. Não dá pra dizer o horário ao certo mas pela luminosidade e as sombras formadas podemos suspeitar que foi gravado ainda na parte da manhã. No meio dos policiais podemos ver Valdir Copetti Neves.

 

Depois da serraria Osvaldo teria sido levado para a chácara e ficou lá sozinho, já que as Abagge estavam no Fórum à tarde e Davi passou o dia inteiro na casa de Stroessner. E foi lá que, entre novas torturas e ameaças, os policiais teriam dito para Osvaldo “tem que ser sete, trabalho de macumba é sete”. Essa narrativa do número sete foi amplamente divulgada pela mídia posteriormente.

 

 

JÚRI DE 2011

Beatriz conta que após as torturas e a confissão forçada os homens permitiram que ela tomasse um banho. Depois disso ela foi levada de volta até o carro para ser levada de volta ao Fórum de Guaratuba. No caminho Beatriz sofreu mais torturas psicológicas, sendo pressionada a mentir sobre os ferimentos no seu rosto e obrigada a ouvir que fedia, uma vez que estava suja em decorrência das torturas. De volta ao Fórum ela foi colocada no mesmo lugar que estava antes de ser sequestrada e não viu mais Osvaldo até o presente momento.

 

 

DEPOIMENTO DE 2005

Celina conta que lembrou que a juíza Anésia Edith Kowalski conhecia elas e era próxima da família. Naquela manhã do dia dois de julho elas esperavam encontrar a juíza lá, coisa que não aconteceu e mesmo após voltar ao Fórum após as sessões de torturas Anésia não apareceu por lá.

 

Beatriz conta que antes de sair da chácara deram para ela tomar um copo com um líquido amargo. Ela se recorda estar sentada no banco Fórum junto de um policial segurando um papel que ela não se recorda se assinou ou não. Osvaldo e Davi contam que assinaram um papel e acreditam que uma das mulheres que viram datilografando na chácara era a juíza Anésia Edith Kowalski. Apesar de nenhum dos dois ter visto com clareza o rosto da mulher que estava na casa do Stroessner eles contam que suspeitam que era ela por terem reconhecido a voz e o sapato que usava.

 

Capa do Jornal Hora H de Outubro de 1996, contendo o relato de Davi dos Santos Soares sobre a desconfiança de que a juíza Anésia Edith Kowalski teria presenciado as torturas.

 

[DOWNLOAD] Jornal Hora H – Outubro 96 – Juíza Assistiu Sessão de Tortura?

 

Os quatro alegam que foram presos sem ter o mandado de prisão apresentado mas eles existem, estão anexados e no caso de Beatriz temos um vídeo dela assinando o mandado e no documento está marcado nove horas da manhã. De acordo com ela, nessa hora ela deveria estar ou sendo sequestrada do Fórum ou a caminho da “Casa das Torturas”. Davi e Osvaldo dizem que uma das mulheres que presenciou as tortura enquanto estava datilografando era Anésia Kowalski, que de acordo com Celina e Beatriz não se encontravam no Fórum nem de manhã nem de tarde. Então, segundo os quatro, Anésia não apenas viu Osvaldo e Davi sendo torturados mas também estaria redigindo os mandados de prisão horas depois dos quatro serem presos. Beatriz só teria assinado com o horário errado não apenas ela teria acabado de sofrer uma longa sessão de tortura mas também teria sido drogada.

 

DEPOIMENTO VICENTE DE PAULA EM 2004

Vicente narra como foi abordado pelos policiais. Por volta das oito horas da manhã Vicente ia pintar o letreiro de um candidato político, a polícia já estava atrás dele e foi até a boate onde Nilza Perpétuo Camargo trabalhava, a mulher indicou para os policiais a localização de Vicente, que foi preso ainda pela manhã e levado até Matinhos. A viagem de Curitiba até Guaratuba ou Matinhos dura cerca de duas horas porém Vicente chegou no Fórum apenas de noite e foi nessa janela de tempo que ele foi torturado.

 

Nilza teria acompanhado Vicente durante todo o trajeto até o litoral paranaense. Em depoimento prestado dia 8 de março de 1993 ela falou que chegou a ver alguns dos maltratos que Vicente sofreu e também afirmou ter se espantado ao ver De Paula confessar. Vicente foi torturado durante todo o trajeto, chegando inclusive a ser levado até o Viaduto dos Padres onde sofreu mais torturas. Nilza diz no seu depoimento que durante o trajeto no carro de trás era possível ver que Vicente era agredido pelos policiais e que durante a viagem ela foi diversas vezes levada para algum lugar onde não podia vê-lo. Os policiais também ameaçaram jogar o homem pelo precipício, chegando a alegar que já fizeram isso outras vezes no passado.

 

Em  determinado momento chega um carro, quando os policiais estavam levando Vicente para outro local, chega um carro com dois policiais dentro trazendo um papel com a confissão de Beatriz. Vicente foi ameaçado novamente a fazer e assinar a confissão. No meio do caminho Vicente sofreu novas sessões de tortura, incluindo agressões e afogamento. Sem conseguir mais aguentar Vicente de Paula confessou o que os policiais queriam.

 

Enquanto isso, de tarde em Guaratuba, Beatriz e Celina já haviam voltado ao Fórum. A notícia correu rápido pela cidade e, mais uma vez, a população se reuniu em frente ao local na tentativa de agredir as duas. Ambas foram novamente retiradas do local e levadas até o quartel da polícia militar de Matinhos.

Vicente estava na casa do Alfredo Stroessner sofrendo novas torturas e sendo vigiado por um policial. Numa mesa dentro da casa havia telefones e fios espalhados, segundo o policial alí todos os telefones de Guaratuba estavam grampeados. Após isso ele foi levado até a casa da juíza Anésia, por volta das nove da noite, o clima era de comemoração. Depois ele foi levado até o quartel da polícia militar em Matinhos, onde daria o seu depoimento e lá ele e De Paula se encontram. Osvaldo, Davi e De Paula estavam juntos no quartel de Matinhos e foi ordenado que eles decorassem o que deveriam falar, ao negarem foram novamente torturados até cederem e assinarem suas confissões.

 

Na noite do dia dois de julho foram feito os depoimentos dos cinco presos. Os depoimentos de Osvaldo, Davi e Vicente foram as peças principais para o processo, é lá que eles detalham o ritual, do momento da captura de Evandro até o número de participantes. Todos os sete acusados de participarem do crime já foram nominalmente citados  nesses depoimentos em Matinhos. os três homens alegam que nunca falaram o que está no depoimento, sendo este um misto de terem escrito ou terem sido forçados a escrever após as torturas.

O capitão Neves foi quem solicitou que eles descrevessem com precisão como o procedimento de corte no corpo de Evandro foi realizado, utilizando palavras rebuscadas que eram difíceis até para os acuados falarem. Fotos do cadáver da criança também foram mostradas com o objetivo de provocar descrições mais detalhadas vinda dos acusados, Osvaldo foi o mais pressionado a dar esse tipo de depoimentos.

 

Os homens também comentam com frequência sobre o líquido amargo e grudento que provavelmente drogou eles. Vale lembrar que nenhum deles tinha advogados presente no momento da confissão, enquanto as Abagge contaram com três advogados neste momento: Silvio Bonone, Roberto Machado e Luiz Claudio Cordeiro Biscaia.

 

 

DEPOIMENTO DE SILVIO BONONE NO JULGAMENTO DE 1998 – O SUMIÇO DAS ABAGGE 

Silvio estava com as Abagge no Fórum até que elas foram chamadas por um policial, ao tentar se aproximar delas ele foi barrado com a justificativa de que ele deveria encontrar alguns depoimentos. Silvio não conseguiu passar pela porta e pouco tempo depois ouviu o barulho de uma viatura se retirando enquanto o policial dizia para ele que elas foram levadas para Paranaguá, onde seriam interrogadas pela polícia federal. Bononi não viu o mandado de prisão na parte da manhã e após isso foi até a casa dos Abagge comunicar para Aldo o que havia ocorrido. Também não conseguiu falar com o promotor nem com Anésia pois ela não estava no Fórum. Ele foi até Paranaguá na PF e entrou em contato com Chueire, delegado da polícia federal, que falou para Silvio que a prisão não era federal mas realizada em apoio a polícia militar. Chueire soube por telefone sobre o mandado de prisão das Abagge e não soube explicar onde elas estavam mas afirmou que não estavam na delegacia da polícia federal, Silvio explicou que o caso se tratava de um rapto, uma vez que ele deveria estar com elas o tempo todo e foi impedido disso.

 

Ele foi até Guaratuba e chegou após o meio-dia, foi até o Fórum e não havia ninguém lá. Foi até a até a casa das Abagge, pessoas viram as viaturas da PM em direção a estrada de Garuva. Ele seguiu com seu carro até lá na esperança de encontrar essas viaturas mas não obteve sucesso. Voltou a Guaratuba por volta das 15:30 e 15:45, em torno do Fórum havia um grande tumulto, as Abagge estavam lá dentro presas. Bonone não conseguiu falar com elas porque elas logo foram levadas dali.

 

Ele não tem certeza se o Dr. Acemar, médico que foi atender as duas, falou com elas dentro do Fórum. Elas foram no ferry boat exclusivo até Matinhos e chegando lá Bonone conseguiu falar com elas dentro do alojamento, as duas davam sinal de sofrimento e cansaço e parte de trás da camiseta de Beatriz estava suja de fezes. O rosto, braços e pernas dela apresentavam marcas indicando ter sido segurada com força e nas pontas de seus dedos dava para notar pontos avermelhados.

 

Ao chegar no quartel em Matinhos as Abagge tiveram que tomar outro banho e receberam uma muda de roupa nova, não dá para ter certeza de quem levou as roupas para elas mas Aldo Abagge e Luiz Carlos Biscaia estavam no quartel naquela noite, então talvez algum deles tenha feito isso. Beatriz foi levada para um quarto do quartel, nesse momento o Capitão Neves apareceu, para fazer novas ameaças para Beatriz, incluindo agressões físicas. Bonone chega e luta com Neves, para libertar Beatriz das agressões que estava sofrendo. Neves também foi até onde Celina estava para fazer novas ameaças, afirmando sua família estaria em perigo caso ela não confirmasse tudo que havia dito na casa das torturas.

 

No primeiro depoimento de Beatriz ela falou das torturas que sofreu, Moacir Favetti chega no local e diz que elas deveriam ter sido mais torturadas, uma vez que Beatriz estava contando tudo. Roberto Machado também estava presente, ele chegou na cidade na manhã do dia 2 de julho. Chegando em Guaratuba soube que Celina e Beatriz haviam sido detidas também procurou por elas em diversos locais mas só encontrou elas de noite no quartel de Matinhos.

 

Os depoimentos prestados por Celina e Beatriz na noite do dia 2 de julho foram assinados sob protesto pelos seus advogados. De acordo com o depoimento de Silvio Bonone no julgamento de 1998 ele declara que o relato das rés foi bastante detalhado em relação às torturas sofridas enquanto a transcrições foram muito sucintas em relação a isso. Ele protestou pedindo para que as palavras delas constassem na transcrição mas teve o seu pedido negado. Ele negou-se a assinar os depoimentos e mais uma vez exigiu que as palavras delas constassem no documento mas acabou assinando com a expressão “sob protesto”. O Dr. Roberto Machado também assinou os depoimentos sob protesto.

 

3 DE JULHO DE 1992
Os cinco presos foram para Curitiba e foi também o dia da coletiva de imprensa na Secretaria de Segurança Pública com a participação apenas de Davi, Osvaldo e Vicente. Enquanto isso acontecia de forma a fechar o número sete e supostamente de acordo com as delações de Osvaldo, Davi e Vicente outros dois acusados foram presos em Guaratuba: Airton Bardelli, o gerente da serraria Abagge, e Sérgio Cristofolini, conhecido de Osvaldo e dos demais. Os dois nunca admitiram o crime, nem em gravações ou interrogatórios oficiais e nem quando estavam sem advogados. Os dois foram absolvidos em seu júri de 2005, no mesmo ano Valdir Copetti Neves foi alvo das investigações da Operação Março Branco, uma das mais truculentas da história política do Paraná.

As matérias abaixo sobre a operação Março Branco e a prisão de Valdir Copetti Neves foram compiladas pelas defesas dos réus no ano de 2005.