Nos últimos episódios, Ivan Mizanzuk falou de Sandra Mateus da Luz e de Evandro Ramos Caetano, e agora, mais uma vez, vai precisar olhar para o caso Evandro. À medida que avança nessa investigação, ele diz ser inevitável a sensação de que parece que está, mais uma vez, deixando Leandro Bossi de lado.
De acordo com Ivan, isso o incomoda. Contudo, tudo o que poderia levantar de novidades sobre Leandro já foi discutido nos últimos episódios do Prelúdio e nos dois primeiros episódios da temporada. São informações importantes, mas incompletas. E, se há a suspeita de se tratar de crimes em série, é preciso olhar para aqueles que contêm mais informações.
Nesse sentido, não há caso mais cheio de informações do que o de Evandro. Só que existe um problema: ele é repleto de confusões. E aqui Ivan nem fala necessariamente da época após as prisões dos inocentes, que contaminaram todo o caso, pois, mesmo antes de eles serem detidos, já havia muitas dúvidas.
Claramente, era um crime muito mais complicado do que se imaginava. Para além de chocantes, as lesões que o corpo de Evandro apresentava eram muito complexas e difíceis de serem explicadas. Determinar a natureza delas era importante para que os laudos de local e de necropsia informassem a mesma coisa. Mas havia divergências de ideias e interpretações entre os peritos de local, no caso o Dr. Antonio Carlos Lipinski e o Dr. Arthur Conrado Drischel; e os médicos legistas, o Dr. Francisco Moraes e Silva, o Dr. Carlos Roberto Ballin e a odontolegista Dra. Beatriz Sottile França.
Laudo de local do corpo de Evandro
Em face disso, foi feita uma reunião no gabinete do delegado geral da Polícia Civil da época, o Dr. José Maria de Paula Correia. No encontro, todos começaram a expor as suas interpretações sobre as lesões.
Entender isso é fundamental para ter em mente que os laudos produzidos sobre o corpo de Evandro são frutos de debates, interpretações e reinterpretações. Eles buscavam responder dúvidas que não eram simples de serem respondidas. Isso significa que pode haver erros não intencionais contidos nesses documentos.
Com isso em mente, Ivan conversou com o principal responsável pelo laudo de necropsia do caso Evandro, o Dr. Francisco Moraes e Silva.
Confira abaixo um pequeno trecho da entrevista:
Dr. Francisco: A minha idade atual é 83 anos. Eu sou médico, tenho várias especialidades na área médica. Sou médico do trabalho, sou médico legista especialista em perícias médicas e medicina legal, e também fui cirurgião geral. Atualmente, eu sou exclusivamente médico legista. Aposentado no Instituto Médico Legal, mas exercendo a atividade profissional ainda.
Ivan: Sim. Fazendo principalmente…
Dr. Francisco: Pareceres.
Ivan: Certo. Isso para defesas, para acusações?
Dr. Francisco: Aquela pergunta que você me fez uma vez, de que lado eu estou. O lado que eu estou convencido que seja próximo da verdade.
CONTAMINAÇÕES E POLÊMICAS
O Dr. Francisco foi diretor do IML de Curitiba por muitos anos. Foi professor universitário da Federal do Paraná, e é considerado uma figura histórica na medicina paranaense. É uma grande autoridade.
No júri de 1998, em que as Abagge foram julgadas, o Dr. Francisco ficou depondo por sete dias direto. De acordo com ele, chegou a entrar no Guinness como o depoimento mais longo prestado em júri. E ele ficou tanto tempo falando justamente porque tanto defesa quanto acusação o bombardeavam de perguntas acerca do estado do corpo de Evandro.
Entretanto, o Dr. Francisco também é cercado de controvérsias. No ano de 2004, época de um dos julgamentos, ele foi acusado, principalmente na imprensa, por uma série de casos que iam desde vendas de partes de corpos para universidades até assédio sexual.
Na época em que Ivan produziu o caso Evandro, contou sobre essas polêmicas porque julgava ser importante entender como era o clima político em torno do médico e das coisas que ele dizia.
E o clima da época era o seguinte: no meio de tantas polêmicas, o Dr. Francisco ganhou a fama de que poderia ser um médico corrupto que falava apenas o que uma das partes interessadas queria, em troca de dinheiro. Algumas horas ele era bandido, em outras era mocinho.
Um exemplo claro disso é uma questão que Ivan discutiu extensamente no caso Evandro, sobre o suposto corte no pescoço que o corpo teria. Essa lesão não existe no laudo de necropsia. Mas, depois das prisões, nas falsas confissões sob tortura, os acusados passaram a dizer que tinham feito esse corte.
Por conta disso, o Dr. Francisco assinou um parecer atestando que as confissões condiziam perfeitamente com o estado do corpo. Ele chegou até a dar entrevista na época sobre esse ferimento no pescoço.
De acordo com o laudo produzido pelo Dr. Francisco, o corpo de Evandro tinha uma área de putrefação mais acentuada em torno do pescoço. O legista interpretou que ela poderia ser resultado de um corte.
Mas, no julgamento de 1998, ele já mudava o discurso. Ivan não possui o áudio completo daquele depoimento de sete dias, mas tem o que o Dr. Francisco prestou no júri de 2004, quando foram julgados Osvaldo Marcineiro, Vicente de Paula Ferreira e Davi dos Santos Soares.
Foi um depoimento bem mais curto, de apenas duas horas. Nesse trecho, a promotora Lúcia Inês Giacomitti Andrich queria esclarecer melhor a confusão sobre a existência ou não do corte.
Dra. Lúcia: Mas voltando, então, doutor Francisco, o senhor disse que aquela putrefação no pescoço era devido à constrição, né? Que o senhor… A putrefação mais acentuada no pescoço era por causa da constrição, e que o senhor não verificou nenhum corte. Mas aqui no seu depoimento… Se me permite… Anterior, que o senhor prestou em juízo, o senhor diz o seguinte: “que o depoente pode afirmar que houve uma ação traumática no pescoço e que poderia ter havido uma lesão, mas ela não estava presente para ser descrita”. Aqui continua, acredito que faltou alguma coisa. “Pela descaracterização devido à existência da ação de animais e putrefação maior… E putrefação em maior intensidade…”. Então, poderia ter existido um corte no pescoço?
Dr. Francisco: Não, doutora.
Dra. Lúcia: Não poderia?
Dr. Francisco: Eu repito exatamente como está aí.
Dra. Lúcia: “Que o depoente…”.
Dr. Francisco: Houve uma ação traumática…
Dra. Lúcia: Houve uma ação traumática…
Dr. Francisco: A putrefação é mais intensa em torno do pescoço…
Dra. Lúcia: E que poderia ter havido uma lesão…
Dr. Francisco: Que não houve lesão… Não aparece lesão, isso que eu quis dizer…
Dra. Lúcia: Mas que poderia ter havido.
Dr. Francisco: Poderia ter ocorrido, exatamente.
Dra. Lúcia: Uma lesão… Mas que não aparece devido ao estado de putrefação…
Dr. Francisco: Isso, exatamente.
Dra. Lúcia: Perfeito, doutor.
O que o Dr. Francisco queria dizer é que havia sinais de constrição, de que Evandro poderia ter sido morto por asfixia. Mas, porque estava com putrefação avançada, não dava para saber qual o tipo de asfixia. Por exemplo, se foi feita por corda, pelas mãos, por arame, etc. E a promotora tentava entender se poderia ser um corte também.
Dr. Francisco: Mas não tem. Olhando… É o que eu disse quando o doutor perguntou. Na frente não tem, e atrás eu não sei porque atrás ele não mostrava…
Dra. Lúcia: Mas o senhor disse que não teria porque… Do estado de putrefação…
Dr. Francisco: Porque a putrefação era mais intensa aí.
Dra. Lúcia: Ali… Daí não poderia aparecer esse corte, né?
Dr. Francisco: Isso mesmo…
Dra. Lúcia: Perfeito, doutor. Perfeito.
Dr. Francisco: Não. Corte não, doutora. Corte apareceria sempre.
Dra. Lúcia: Aparecia sempre?
Dr. Francisco: Ah, claro.
Dra. Lúcia: Mesmo com a putrefação?
Dr. Francisco: Claro.
Dra. Lúcia: Ah, perfeito.
Dr. Francisco: Porque corte é solução de continuidade. Ali não tinha solução de continuidade. Mas lesão deve ter ocorrido sim, traumática, em torno do pescoço. Deve ter ocorrido. Voltando a afirmar, doutora.
Essas eram as informações que Ivan tinha quando produziu o caso Evandro: o Dr. Francisco falou uma coisa no laudo original, reinterpretou o que havia dito após as prisões, e depois mudou novamente as análises nos júris.
Agora, em 2023, Ivan finalmente pôde perguntar para o Dr. Francisco sobre toda essa confusão:
Dr. Francisco: Eu disse que correspondia? Claro. Pois se eles tiraram tudo na base da tortura, tem que corresponder mesmo. Eles leram o laudo antes para os caras. Daí: “isso aqui tinha, tinha, tinha, tinha”. Quer dizer, então aquele vídeo não vale tanto assim, entendeu? Tinha que dizer que aquilo foi retirado sob tortura. E, como tal, coincidia por quê? Eles tinham dito para o cara: “olha, ele tinha uma lesão no pescoço? Tinha”. Entendeu?
Ivan: Sim. É que tem uma…
Dr. Francisco: Eles induziram-me a erro. Induziram-me a erro.
Ivan: Sim.
Dr. Francisco: Agora, eu disse também no júri que a mulher não estava em condição normal.
Ivan: Sim. Disso eu lembro bem.
Dr. Francisco: Eu disse isso. Até o promotor ficou meu inimigo por causa disso aí.
Então, de acordo com o Dr. Francisco, ele foi induzido a erro. E, com o passar dos anos, com as coisas ficando mais claras, ele revisou tudo o que havia dito. Para Ivan, isso faz sentido.
Ainda assim, sempre pairava em torno do médico uma ideia de corrupção. E o ápice disso foi entre 2004 e 2005, quando várias denúncias surgiram contra ele e inundaram a imprensa. Nesse clima, tanto acusação quanto defesa usavam dessa má fama para tentar desacreditar algo que ele havia afirmado em depoimentos anteriores.
Foi esse jogo retórico que Ivan queria demonstrar tanto no podcast quanto no livro sobre o caso Evandro. Livro este que, por sinal, o Dr. Francisco leu. Pelo menos até a página 302.
Dr. Francisco: Por isso que eu fiquei puto da vida com a porra da folha 302 do seu livro. Porque, porra, o cara que lê isso aqui vai dizer que os delegados responderam o inquérito e foram absolvidos. E esse doutor aqui, pelo que escreveu aqui, é bandido. Dá a impressão. Leia de novo, você vai ver. Você deixou a margem da dúvida ali, entendeu? Até quando eu falei para o Figueiredo: “Figueiredo, o que eu faço com o Ivan?”
O Dr. Francisco se refere ao Dr. Antonio Figueiredo Basto, advogado dele atualmente. O mesmo que conseguiu com sua equipe a revisão criminal dos acusados de Guaratuba.
Dr. Francisco: “Porra, doutor, fale com ele”. “Porra, doutor, o cara quis me foder”, falei para ele. “Fale com ele, doutor, é um cara bom, um cara sério”. Sério eu sei que é, eu li o livro dele, fiquei entusiasmado. Até a página 302, ali eu parei! Parei, fechei, falei: “não quero mais ver essa merda”. Entendeu?
Ivan: Peço desculpas, doutor.
Francisco: Não, não, eu sei que você vai reparar na próxima edição. A impressão tua é importante para mim. Se não fosse, eu nem teria falado mais com você nem nada. Eu faria como fiz lá com a IstoÉ. Você ia dizer: eu repeti o que estava na imprensa da época. Daí eu estava fodido. Eu perdia a ação.
O Dr. Francisco se refere a uma matéria da IstoÉ do ano 2000, época em que ele era diretor do IML de Curitiba. A reportagem o acusava de fazer parte de um esquema de venda de partes de corpos para universidades, e apelidava essa operação de “Esquema Frankenstein”.
Matéria da Revista IstoÉ com denúncias sobre o Dr. Francisco (5 de julho de 2000)
Dr. Francisco: O interessante é o seguinte… Uma coisa que você não atinou. Eu fiquei nove anos como refém do Ministério Público. Reviraram a minha vida, Ivan, de ponta cabeça, de baixo para… Do jeito que você quiser… Reviraram a minha vida em tudo. Tudo, tudo, tudo. Imposto de renda, sigilo fiscal, bancário, tributário, tudo. Depois de nove anos, o processo de 12 mil páginas… Fui buscar lá no Gaeco [Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado], estava desse tamanho o processo.
Ivan: Aham.
Dr. Francisco: Falei: “porra, mas por que essa merda toda aqui?”. “Não, nós investigamos tudo”. Aí encontrei ofícios lá para Buenos Aires, porra. Para Assunção, dizendo se eu tinha mandado órgãos para lá, porra. Cabe na cabeça de uma pessoa humana que um indivíduo tire órgãos vivos daqui e mande para Buenos Aires? Não cabe, né? Pois é, mas eles investigaram se tinham sido encaminhados órgãos de cadáveres ou órgãos ainda viáveis; se foi iniciativa do doutor Francisco, diretor do IML de Curitiba, porra. Fiquei conhecido no mundo inteiro.
Ivan: O Frankenstein de Curitiba.
Dr. Francisco: É, o Frankenstein. É. Porque o título da reportagem era esse, que você viu depois no acórdão o cara dizendo: “porra, lógico que ofendeu o cara; chamou o cara de Frankenstein, porra”. Depois pegaram uma foto minha que eu estou virado para trás, que eu pareço mesmo o Frankenstein.
Em seguida, o Dr. Francisco começa a citar uma série de nomes e valores, dizendo que essa matéria teria sido encomendada para desmoralizá-lo. Ivan não teve como verificar isso, então prefere não publicar. Mas o que se pode confirmar é o seguinte: todas as acusações que surgiram contra o Dr. Francisco no início dos anos 2000 foram investigadas e nenhuma resultou em condenação.
A NECROPSIA
Apesar de todas as polêmicas em torno da figura do Dr. Francisco, uma coisa Ivan sempre deixou muito clara na temporada do caso Evandro: ele demonstrava muita propriedade, conhecimento e autoridade em tudo o que falava.
Um exemplo é um comentário que ele fez sobre a forma como as costelas de Evandro foram serradas, de como aquilo teria sido feito por um amador. O trecho a seguir é do depoimento no júri de 2004, quando o Dr. Francisco respondia às perguntas do juiz Rogério Etzel:
Dr. Francisco: Esse cadáver apresentava algumas lesões nas regiões inguinais, assim, características por ação de instrumento cortante, que eram lesões muito retilíneas, que eu me recordo assim… Ele apresentava ainda nas porções laterais do tórax, nos cotos ósseos… Apresentava um aspecto que foi reproduzido, ampliado e filmado, da ação de uma serra no coto ósseo. Porque, tecnicamente, quando você… Para você fazer a abertura de um cadáver de uma criança, Excelência, a gente evita um pouco seccionar arcos costais em parte óssea. Porque a criança tem uma porção cartilagínea ou cartilaginosa grande na região anterior, e essa porção cartilaginosa pode ser seccionada com bisturi. E, neste cadáver, curiosamente, a lesão era mais… Eu diria mais lateral, porque no corpo a gente fala em lateral e medial, ou mais distante da linha média. E este sobressalto foi destacado na autópsia, foi ampliada a foto mostrando que existia uma… Os franceses chamam isso de “decalagem”, uma serrada em que um instrumento que cortava deslizou, produzindo uma lesão bem característica que está posta ali como… Rigorosamente posta como “feita por alguém”, portanto uma lesão que não foi produzida por carnívoro carniceiro. […] Se fosse uma pessoa especializada em abrir crianças, abriria exatamente em cima das cartilagens. Porque não há por que numa criança…
Juiz Etzel: Especializada com que… Com que finalidade?
Dr. Francisco: Seccionaria com o bisturi porque aí fica mais próximo um pouco da linha média. Mas o senhor tem um acesso, vamos dizer assim, razoável ou muito bom e que não necessita que o senhor vá seccionar o plastrão, que é essa parte anterior do tórax, numa porção mais lateralizada.
Em outras palavras, o que o Dr. Francisco queria dizer é o seguinte: se fosse uma pessoa que entendesse de anatomia infantil, ela saberia que não precisaria serrar as costelas daquele jeito para ter acessos aos órgãos internos. Bastaria usar um bisturi em uma área mais central do tórax, que seria mais cartilaginosa em uma criança.
Em linhas gerais, resumindo as conclusões do Dr. Francisco sobre o estado do corpo de Evandro: primeiro, as mãos foram retiradas por ação humana. Mas havia nas bordas marcas de dentes de animais necrófagos, que poderiam confundir essa ação.
Juiz: Essas lesões… Depois, provavelmente, a defesa vai mostrar as fotos… Ele não tinha as mãos e nem parte dos dedos. Essas lesões não foram causadas por esses animais?
Dr. Francisco: Não, não. Eram lesões externas produzidas por alguém.
Juiz: Por alguém… Instrumento…? Não se… Perfuro…?
Francisco: Cortante.
Juiz: Cortante?
Dr. Francisco: Cortante ou corto-contundente. A regularidade da lesão lembrava muito um instrumento corto-contundente, Excelência.
Juiz: Certo.
Dr. Francisco: Lembrava instrumento corto-contundente. Seria da maior conveniência porque também eu não tenho condições de, cinco anos depois, me lembrar de tudo o que eu falei.
Juiz: Lembra o que o senhor achar necessário, importante…
Dr. Francisco: Sim. Eu lembro que isso aí era relevante para provar que a lesão não foi produzida por esse tipo de predação. Por animais ou aves. Até fui na época verificar que apresentava algumas lesões em extremidades produzidas por roedores. Roedor… Existe um tipo de roedor que… Até na época eu fui ler o que existia a respeito disso… São os nossos preás aqui. São ratos grandes que existem em banhados. E parece que esses roedores também estiveram se alimentando do corpo, no caso. São animais também carnívoros e carniceiros. Essas lesões são lesões denominadas de lesões em saca-bocado. São lesões irregulares produzidas pela ação, especialmente, de incisivos anteriores. Os roedores têm uma disposição de arcada que costuma abocanhar e puxar, eles não seccionam. Eles abocanham e puxam. E, ao puxar, eles determinam essas lesões características de lesões em saca-bocado. Então, tanto existiam lesões produzidas por uma ação externa, como também por esses predadores.
Segundo, Evandro teria sido morto por algum tipo de asfixia mecânica. O que o levava a concluir isso eram duas coisas: a região de putrefação mais acentuada em torno do pescoço e o fenômeno dos dentes rosados.
Dr. Francisco: Por uma característica que ele apresentava já à inspeção, abrindo a boca do cadáver, já se percebia a presença de dentes avermelhados ou róseos. Ou nós diríamos, tecnicamente, um dente com uma impregnação hematínica, que eu vou procurar explicar o que é. O sangue tem um pigmento avermelhado, que é a hemoglobina. Esse pigmento, com a putrefação, impregna…
Juiz: Doutor Francisco…
Dr. Francisco: Partes moles…
Juiz: A doutora… Mestre e doutora em odontologia esteve aqui conversando conosco sobre esse aspecto. O que… Eu vou mais adiante. O que causa essa… O que pode causar essa pigmentação?
Dr. Francisco: Essa pigmentação pode…
Juiz: Pode ser causada pelo quê?
Dr. Francisco: Pela putrefação, pela própria putrefação.
Juiz: O que mais?
Dr. Francisco: E por asfixias.
Juiz: Por asfixias.
Dr. Francisco: Asfixias. Quando nós falamos em asfixias, Excelência, nós temos que abrir uma chave. Tanto uma esganadura é uma asfixia, como um estrangulamento é uma asfixia, como um enforcamento é uma asfixia, como a sufocação é uma asfixia.
Juiz: Até uma morte por afogamento?
Dr. Francisco: Também é outro tipo de asfixia. Então, nós temos diversos tipos de asfixias que fazem essa impregnação hematínica. Mas a impregnação pode ser produzida também pela própria putrefação, não só em dentes como em partes moles.
Juiz: É comprovado cientificamente, pela putrefação?
Dr. Francisco: Sim.
Juiz: Nos livros?
Dr. Francisco: Sim.
Juiz: Perfeito.
Dr. Francisco: Indiscutivelmente.
Juiz: Certo.
Dr. Francisco: Claro que, quando acentuada essa impregnação, desperta a atenção do perito que quer evidentemente estabelecer uma relação. Se aquela impregnação foi devido a uma ação constritiva em torno do pescoço ou qualquer outro tipo de asfixia. Afogamento, como Vossa Excelência lembrou, é outro tipo de asfixia.
Juiz: Mas não dá para estabelecer, então, qual a causa?
Dr. Francisco: Não, dá para estabelecer genericamente sim, mas não…
Juiz: Foi estrangulamento, foi asfixia? Foi…
Dr. Francisco: A espécie não, Excelência.
Juiz: Putrefação… Não sabe?
Dr. Francisco: Não. A espécie, definitivamente, não. É no gênero. É asfixia mecânica por… Interrogado… Morte por asfixia mecânica. Qual? Interrogado. […] E, na época, existia uma tese de mestrado, se não me equivoco, da Unicamp, também se não me… Eu não quero aqui exatamente dizer se era isso ou não, mas existia… Parece que uma tese da Unicamp, que havia relacionado a presença desses dentes avermelhados, róseos, com o sinal de esganadura ou de asfixia. Outro aspecto importante desse cadáver à inspeção é de que ele apresentava um grau de putrefação maior em torno do pescoço.
Juiz: Quer dizer…?
Dr. Francisco: Quer dizer que ocorreu, pelo menos em tese, ação traumática constritiva em torno do pescoço.
Juiz: Por algum objeto?
Dr. Francisco: Sim, externo. Ação externa.
Juiz: Objeto… Uma corda, uma mão? Não dá para especificar?
Dr. Francisco: Não dava para dizer, aí para… Se fosse corda, Excelência, nós teríamos que ter um sulco; ou não ter, porque já estava em putrefação. Um outro aspecto, que eu me recordo, importante, é que não guardava muita correlação… Não sei quantos dias… Agora não me recordo mais… Mas a putrefação não era do tempo que se falava que aquela criança esteve nesse local úmido, nesse local ermo onde foi encontrada.
Juiz: O estado de decomposição levava o senhor a crer que a criança, o corpo, estaria morta há quanto tempo?
Dr. Francisco: Pois é, aí é que está, Excelência. Isso aí a gente vê sempre em função de um conjunto de sinais cadavéricos, um conjunto de sinais. A putrefação que se encontrava o corpo… Vamos chamar isso aí de tempo decorrido desde a morte, que quando a gente fala em “quanto tempo”, o tempo fica interrogado. Vamos chamar de tempo decorrido desde a morte, para a gente poder ter um referencial. Essa putrefação que era em maior intensidade em torno do pescoço teria que ser do quê? De três dias, quatro dias. Porque quanto mais…
Juiz: Do pescoço?
Dr. Francisco: No pescoço, no pescoço. Quanto mais a gente se afasta da hora da morte, mais incerta fica essa estimativa. Os livros de antigamente lá dos anos 60, 70, falavam em determinação da hora da morte. Isso não existe. Existe uma estimativa técnica desse tempo decorrido desde a morte. E essa putrefação, se por um lado era de três dias no pescoço, em outros era mais ou menos um tempo menor do que este.
Juiz: Em outros… O senhor quer dizer…
Dr. Francisco: Em outras regiões do corpo.
Juiz: Em outras partes do corpo.
Terceiro, o Dr. Francisco acreditava que a característica dos cortes nas costelas seria sinal de que a pessoa era amadora.
Esses são os pontos gerais mais importantes. De resto, boa parte dos depoimentos do Dr. Francisco girava em torno de responder dúvidas sobre a identidade do corpo – algo que Ivan explicou na temporada do caso Evandro. A opinião do Dr. Francisco sempre foi de que o corpo era de Evandro, e Ivan concorda com ele.
No inquérito de Sandra Mateus da Luz há um ofício de agosto de 1992, assinado pelo Dr. Francisco, dizendo que o caso da menina seria diferente do de Evandro, pois ela foi vítima de abuso sexual. Mas, antes de falar sobre isso, é preciso entender melhor como ele entrou no caso de Guaratuba.
Dr. Francisco: [Foi] por sugestão, na época, do diretor, que se chamava doutor José Cássio [de Albuquerque]. Eu estava na praia, ele me pediu que viesse para cá. Eu estava inclusive em férias, e pediu que viesse para cá porque tinham encontrado um corpo em Guaratuba, e que ele queria o profissional que tivesse maior experiência naquela área. Eu trabalhava na época como legista, mas estava lotado no necrotério do Instituto Médico Legal naquela ocasião. Fui também da clínica, fui de todos os serviços do IML. Passei por todos.
Ivan: Por que o senhor… Por que o doutor José Cássio queria que o senhor fosse para lá?
Dr. Francisco: Porque… Eu acredito que por ser o mais capaz e com maior experiência na época. Porque eu também era… E sou, coincidentemente… Fui professor da universidade. Professor catedrático, o antigo catedrático, o professor titular da universidade. Eu era também o professor titular da universidade, então ele achou que eu reunia… Para ele, como o indivíduo mais capaz e mais competente para promover aquela autópsia.
Ivan: Era uma autópsia muito sui generis? Muito fora do comum?
Dr. Francisco: Não, não, não.
Ivan: Mas o estado do corpo era muito fora do comum?
Dr. Francisco: É. A putrefação sim. Como é um corpo putrefeito, ele achou que tinha que ser uma pessoa que tivesse grande experiência em putrefação.
Ivan: Há quanto tempo aquele corpo estava naquele exato local onde foi encontrado?
Dr. Francisco: Que dia ele desapareceu?
Ivan: Na segunda-feira.
Dr. Francisco: E foi encontrado quando?
Ivan: Sábado.
Dr. Francisco: Então passaram-se quantos dias? Terça, quarta, quinta, sexta e sábado. Cinco dias. As lesões ali eram mais de um corpo que esteve conservado em algum lugar, do que um corpo que foi morto e logo atirado ali.
Ivan: Aham.
Dr. Francisco: Ele foi conservado em algum local. Porque a putrefação, em 72 horas, você tem uma putrefação quase que completa de todas as partes, coliquação etc, que ele ainda não tinha. O tipo de hipóstase também… Eram hipóstases de corpo… Que se instalou a hipóstase logo em seguida… A hipótese de estar há três dias após a morte… E tinha hipóstases quase que… Eu diria que com aspecto de recenticidade, portanto, de conservação do corpo, antes de ser atirado ali. Ele esteve em algum lugar sim, conservado eu não sei, se é em geladeira, não sei. Mas ele esteve antes em algum local, antes de ser atirado ali.
Ivan: Essa conservação que o doutor diz, isso…
Dr. Francisco: Que postergou… Veja, que postergou a putrefação.
Ivan: A putrefação devia estar mais avançada, então?
Dr. Francisco: Muito mais.
As pessoas que viram o corpo – especialmente as que não são médicas – sempre falaram que ele estaria com putrefação muito adiantada para ser de Evandro, visto que o menino havia sumido na segunda-feira e o corpo aparecido no sábado. Mas o que o Dr. Francisco está falando é outra coisa: se o corpo tivesse sido deixado no mato logo após a morte, ele estaria com decomposição ainda mais avançada do que aquela que apresentava.
O fato de ter partes conservadas e outras com putrefação avançada levou o Dr. Francisco a crer que o corpo teria sido armazenado em algum local fechado. Se fosse em um lugar aberto, a decomposição estaria mais uniforme e adiantada, tornando-se cada vez mais difícil de se determinar o tempo decorrido da morte.
Essa foi também em parte a interpretação do Dr. Lipinski, que participou do episódio anterior. E essa diferença de putrefação pode ter inúmeros fatores: desde a posição em que o corpo ficou até o local onde esteve. Se em uma parte do corpo batia mais sol do que em outra, por exemplo, já haveria diferença.
Ivan: Porque o que se falava era que o corpo estava com putrefação avançada demais para apenas cinco dias.
Dr. Francisco: Não. É o contrário. A putrefação estava quase que conservada, portanto, de menos do que cinco dias. De três dias, de dois dias.
Lembrando, isso também condiz com o que o Dr. Lipinski falava. Como foi mostrado no episódio anterior, para ele, o corpo estava naquele local há três dias. Então, sendo a putrefação típica de menos de cinco dias, encaixa-se na linha do tempo do pensamento do Dr. Francisco.
Ivan: Mas tem áreas que estão bem avançadas, tipo a do pescoço.
Dr. Francisco: Não. O pescoço em relação às outras lesões, não em relação à conservação. A lesão do pescoço era em relação às outras lesões que ele apresentava. Não, é putrefação maior no pescoço do que em outros locais. Por causa da presença de sangue. O sangue putrefaz mais depressa. Geralmente a ordem é do aparecimento desses elementos no corpo. Por exemplo, o que mais putrefaz, e mais rapidamente, é o interior do cérebro, que é o que primeiro aparece, entendeu? Ele guarda essa relação. Essa relação existe. Como existe relação de dimídio também. Eu aprendi isso aí quando morreu um grego, foi para o IML, e nós tivemos que conservar o grego porque ele ia para Grécia. Então, tinha que ficar lá conservado. E eu que fiz a prática de conservação do corpo, chamado impropriamente hoje de tanatopraxia. Você nunca vai usar isso aí também, porque você vai dizer… “Pô, não falou comigo o Ivan”. Por que não é tanatopraxia, Ivan? Porque tanatopraxia vem do grego “thanatos, práxis”, prática e morto. Uma autópsia é uma prática de tanatopraxia. Você vai dizer: “mas por que eles usaram isso para o grande público?”. Me pergunte isso.
Ivan: Por quê?
Dr. Francisco: Vou te dizer. Para criar uma situação nova. “Ah, você quer fazer tanatopraxia?”. Não é, é tanatoconservação, conservação do morto. Não tem nada de tanatopraxia. Porque uma autópsia é uma prática de… No morto. É uma tanatopraxia, uma prática de tanatopraxia…
Ivan: Sim. Mas tá, de novo, para a gente que está tentando entender o que aconteceu com o Evandro, quais são as condições ideais para fazer com que o corpo aparecesse desse jeito cinco dias depois?
Dr. Francisco: Foi conservado em algum lugar antes. Aonde, eu não sei.
Ivan: Ele foi… Vamos dizer assim, ele desaparece na segunda-feira. Ele pode ter sido morto já na segunda?
Dr. Francisco: Segunda ele morreu.
Ivan: Tá. E daí? Ele foi colocado… Foi deixado solto, depois foi colocado…
Dr. Francisco: Colocado em algum lugar.
Ivan: Que tipo de lugar?
Dr. Francisco: Geladeira, um lugar fechado, um ambiente fechado.
Ivan: Um ambiente fechado… Sei lá, um porta-malas?
Dr. Francisco: Um porta-malas. Ficou algum tempo lá. Algum tempo. Quanto tempo, eu não sei. Algum tempo ele ficou num lugar não exposto a intempéries, ao ambiente normal.
Ivan: O doutor tem uma fala que me marcou muito, que o doutor fala assim: “o cadáver apresentava características de quem… Como se alguém morresse dentro de um apartamento e ficasse lá alguns dias até alguém encontrar”.
Dr. Francisco: Ambiente fechado, isso.
Ivan: Ambiente fechado.
Dr. Francisco: Não ambiente externo.
Ivan: Isso. Se ele estivesse num ambiente externo, como ele deveria estar?
Dr. Francisco: Muito mais putrefeito do que conservado antes, né? Estaria muito mais. A putrefação não era de seis dias, entendeu? Era de menos. Putrefação conservada, vamos chamar assim, impropriamente, claro. Porque a putrefação não tem como conservar, né? Ela é progressiva, é inexorável, né? O corpo retorna ao pó, como diz a Bíblia.
Ivan: É. Então ele pode ter sido conservado num quarto?
Dr. Francisco: Pode, perfeitamente.
Ivan: Numa casa pequena, num barraco…
Dr. Francisco: Num barraco, no interior de um carro…
Ivan: Não precisava ser um congelador, por exemplo?
Dr. Francisco: Não, não, não. Não necessariamente congelador, não, não. Nem… Eu não falei nunca em congelador. Falei em ambiente externo do… Ambiente interno diferente do externo. Isso que eu disse sempre e repito para você hoje. Foi conservado em algum ambiente fechado, entendeu? Porta-malas do carro… Ficou rodando com ele… “Agora, o que nós fazemos com o corpo?”. “Vamos jogar lá no banhado”.
Ivan: Aham. Sim.
Dr. Francisco: Estou dizendo da cabeça de quem matou, né?
Ivan: Claro, claro.
Dr. Francisco: Eu estou pensando como o criminoso.
Ivan: Uma caixa?
Dr. Francisco: Uma caixa. Colocaram ele numa caixa e deixaram na caixa fechada. Sem inseto, sem nada, né?
Ivan: Sim, sim. A gente consegue dizer…
Dr. Francisco: Afirmar, vamos dizer assim…
Ivan: Sim, sim. Mas a gente, então, não consegue dizer em que dia da semana ele morreu e em que dia da semana ele foi colocado ali no…
Dr. Francisco: Seguramente, não.
Ivan: Não. Mas se for para chutar, qual seria a sua melhor…
Dr. Francisco: Não, para você fazer uma estimativa grosseira da morte, que coincidiria com a morte ocorrida na segunda-feira…
Ivan: Aham.
Dr. Francisco: Pode-se dizer isso pelos sinais que ele tinha de putrefação, putrefação que foi o corpo conservado em algum lugar.
Então, pelas estimativas feitas por cima pelo Dr. Francisco, que eram muito difíceis de serem verificadas já naquela época, Evandro pode ter sido morto já no dia em que desapareceu. Mas, de novo, tudo isso é incerto. E não há como ter certeza.
Ivan: Quais os instrumentos que poderiam ser usados para o corte no peito e na barriga? E, na barriga, eu digo o seguinte, doutor: a gente nota que ele tem um buraco aqui… Eu vou falar em termos leigos. Eu vejo que ele tem um… Tá aberta a barriga dele. É um corte contínuo feito para tirar tipo uma tampa assim, da barriga?
Dr. Francisco: Exatamente.
Ivan: É assim que é feito?
Dr. Francisco: Assim, assim mesmo.
Nessa hora, com o dedo indicador, Ivan fez um movimento circular no peito, apontando desde a base do pescoço até abaixo do umbigo.
Ivan: E é um corte único que é feito?
Dr. Francisco: Instrumento cortante, bisturi.
Ivan: Tá.
Dr. Francisco: Ou uma faca bem afiada, né? Ou um punhal bem afiado.
Ivan: Uma navalha?
Dr. Francisco: Navalha, claro. Instrumento cortante típico. Cortante típico, que tenha gume.
Ivan: Sim. Mas…
Dr. Francisco: Porque a lesão aí é lesão típica, sabe? Porque a ferida incisa… Tem que dar outra explicação para você. A ferida incisa é uma ferida de bordas regulares. Aquela que eu mostrei para você lá em cima. Ferida incisa aquilo, típica. Na ferida corto-contusa, as bordas são irregulares, tem equimose ao redor, tem retalhos de pele. Nesse caso aí não tinha nunca, foi por incisão. Incisão.
Ivan: Vai ter uma incisão em cima… Se manteve o corte.
Dr. Francisco: Exatamente. Assim que foi feito isso aí.
Ivan: Certo.
Dr. Francisco: Tanto lá como no tórax.
Ivan: Certo. E o…
Dr. Francisco: Como aqui também.
Ivan: No pescoço também. Então, provavelmente…
Dr. Francisco: Mesmo instrumento. Ele não variou o instrumento.
Ivan: Não variou o instrumento.
Dr. Francisco: Não, variou sim quando ele usou a serra.
Ivan: Sim, sim, sim…
Dr. Francisco: Que ele encontrou dificuldade de abrir o interior do tórax.
Ivan: Perfeito. Deixa eu mostrar aqui para o doutor uma questão…
Dr. Francisco: Que usou serra, eu tenho absoluta certeza.
Ivan: Vamos para as costelas agora. A gente consegue dizer se ele começou cortando da esquerda ou da direita? Dá para ter uma estimativa disso ou a ordem…
Dr. Francisco: Pela dificuldade, eu acho que ele começou do lado esquerdo.
Ivan: Do Evandro.
Dr. Francisco: Do Evandro.
O lado esquerdo é o que tinha aquela inclinação em V que, de acordo com o Dr. Lipinski, seria um sinal de que o assassino se cansou no meio e mudou de ângulo. Do lado direito, o corte das costelas estava reto.
Dr. Francisco: Pela dificuldade. Porque uma hora a serra não conseguiu serrar completamente, e ele teve uma decalagem, um degrau. Aquele degrau eu mostrei com fotografia ampliada, bonita, tal, mostrando que houve ali ação externa, entendeu? Não foi animal nenhum que produziu aquela lesão. Foi um animal humano.
Ivan: E daí já do lado direito ele conseguiu fazer…
Dr. Francisco: Com mais facilidade. Porque ele se aproximou mais da cartilagem do que do osso. Do lado direito está mais próximo da linha média do que da parte externa.
Ivan: Vai virando cartilagem ou tem uma área que a gente vê bem…
Dr. Francisco: Se delimita bem.
Ivan: Se delimita bem.
Dr. Francisco: Delimita bem, Ivan.
Ivan: Mas o osso, à medida que vai chegando perto da cartilagem, vai ficando mais…
Dr. Francisco: Mais fácil de você cortar.
Ivan: Entendi.
Dr. Francisco: Para mim, ele começou do lado esquerdo por causa da dificuldade.
Ivan: Aham. Daí ele aprendeu do lado esquerdo e foi fazer do lado direito…
Dr. Francisco: Melhorou do lado direito. Ele fez mais próximo da linha média, mais na parte esbranquiçada do osso, no caso, que é a cartilagem.
Ivan: Para o médico legista, por que alguém estaria fazendo isso? Na verdade, de ele não saber cortar…
Dr. Francisco: Entendi...
Ivan: Por que…
Dr. Francisco: Para a retirada dos órgãos internos.
Ivan: Mas não daria só para abrir a barriga?
Dr. Francisco: Não. A barriga não chega lá porque tem diafragma. Tem um músculo grande que separa o tórax do abdômen, que é o diafragma. Você, para entrar no tórax, tem que furar, cortar o diafragma. E por aqui você abriu o plastrão, que a gente chama, condroesternal, das costelas e do esterno, você já está diante da cavidade, do interior da cavidade.
Ivan: Ou seja, a pessoa queria pegar… Por exemplo, o coração já pega direto daqui de cima…
Dr. Francisco: Exatamente por isso que ele fez essa incisão lá.
Ivan: Certo. Já vou avançar um pouquinho então…
Dr. Francisco: Por que ele não tinha a prática? Isso é importante. Por que não foi um médico ou um enfermeiro que fez isso? Ou um indivíduo habituado a fazer isso? Porque, se fosse, ele não serraria arco costal de criança. Se fosse. Como ele serrou, você já vê que ele é um neófito, né? Um indivíduo despreparado porque… Eu, se fosse querer tirar o interior do tórax de uma criança, eu pegava o bisturi e cortava o arco costal aqui e aqui, e tirava. Por essa razão. Condição, para mim, de convencimento também, Ivan.
Ivan: Até nesse ponto também, eu, como leigo, se eu digo assim… Se eu quero tirar todos os órgãos ou o coração que seja, eu nem cortaria as costelas. Eu abriria a barriga, cortaria o diafragma e daí ia por baixo.
Dr. Francisco: Ah sim, pois é. Mas ele não sabia disso. Ele achou que é… O problema da visão direta, né? A pessoa tem condição de visão direta, né? O coração está aqui atrás, então eu vou abrir aqui…
Ivan: Consegue ver, né? Consegue ver o que está fazendo…
Dr. Francisco: De visão direta, de observação direta, vamos dizer assim.
Ivan: Queria abrir para ver como que era tudo lá dentro.
Dr. Francisco: É, porque ele não sabe, né?
OS MISTÉRIOS
Baseado na sua extensa experiência, o Dr. Francisco frequentemente fornece a sua interpretação sobre a intenção do assassino. Essa questão do porquê serrar as costelas é um exemplo claro. Para o Dr. Francisco, o assassino quis fazer isso para ver ou ter melhor acesso aos órgãos internos.
Mas o fato é que não há como ter certeza se esse era o propósito. Nessas horas, Ivan afirma sempre lembrar do caso de Francisco das Chagas, o assassino em série citado na temporada passada, Altamira. Entre os anos de 1989 e 2003, ele matou mais de 40 meninos nos estados do Pará e Maranhão, e também costumava realizar mutilações nas vítimas. A mais frequente era a emasculação – ou seja, a retirada do pênis e bolsa escrotal.
Por anos, as autoridades e a população se perguntavam o motivo disso. Seria transplante de órgãos? “Magia Negra”? Alguma perversão sexual?
Nas confissões, Chagas explicou que fazia isso porque uma visão o mandava matar crianças e emasculá-las. Assim, ele retiraria das vítimas o pecado original para que “virassem anjos”.
Era algo que ninguém poderia imaginar. Não faz sentido para ninguém – apenas para o assassino.
Ouça aqui o episódio de Altamira sobre as confissões de Chagas.
Ivan cita isso tudo porque não sabe dizer o motivo pelo qual o assassino de Evandro serrou as costelas do menino. Ninguém sabe. Tudo o que se pode fazer é especular. E, para o Dr. Francisco, a técnica empregada era amadora.
Então, em certo momento da conversa, Ivan mostrou para ele o laudo de exame cadavérico da ossada de Leandro Bossi. Ele leu toda a lista de ossos encontrados.
Exame cadavérico da ossada de Leandro Bossi
Dr. Francisco: Não tem a descrição das mãos, né?
Ivan: É. Não tem ossos das mãos.
Francisco: E dos pés, tem?
Ivan: Dos pés, tem aqueles ossinhos ali que eu marquei embaixo. Mas não tem os dedos dos pés.
Dr. Francisco: Não tem descrição de nenhum dedo.
Ivan: Nenhum dedo.
Dr. Francisco: Nem das mãos também, né?
Ivan: Nem das mãos, nem dos pés.
Dr. Francisco: Então, é sinal de que podem ter sido serrados também…
Ivan: Só que daí teria descrição de marcas de serra, não?
Dr. Francisco: Exatamente no osso…
Ivan: Deveria ter?
Dr. Francisco: Não, não. Não, não necessariamente, né? Ele pode ter seccionado a mão aqui sem serrar o osso, nesse caso. Não é excludente não.
Ivan: E os dedos dos pés também?
Dr. Francisco: Mesma coisa.
Ivan: Mesma coisa.
Ivan: O senhor quer comparar com o laudo de novo para ver se encontra algum osso ali?
Dr. Francisco: Não, não. Isso aqui ele não tem não. Nem metatarso, né?
Ivan: Aham.
Dr. Francisco: Nem carpo, nem úmero, nem rádio do braço esquerdo, né?
Ivan: É. E me chama a atenção ali também que não tem o fêmur do lado esquerdo…
Dr. Francisco: Do lado direito.
Ivan: Lado direito?
Dr. Francisco: Direito do cadáver.
Ivan: É, isso.
Dr. Francisco: Esquerdo de quem olha.
Ivan: Isso, exato.
Dr. Francisco: Sempre descreva no cadáver, viu?
Ivan: Perdão, sim…
Dr. Francisco: Para você não errar nunca…
Ivan: Sim.
Dr. Francisco: Metacarpiano não tem nenhum, né?
Ivan: Não. Metacarpo… Não fala de nada…
Dr. Francisco: Mas metacarpiana são os ossos da mão…
Ivan: Não fala nada.
Dr. Francisco: Aham.
Ivan: Pode ter sido um animal que tirou?
Dr. Francisco: Pode.
Ivan: Em um ano, a ossada lá pode ter… Algum animal tirado, né?
Dr. Francisco: Comeu, né?
Ivan: Mas daí tirado das duas mãos?
Dr. Francisco: Não, aí também não, né? Não, não…
Ivan: Bom… A ausência de mãos pode ser uma coisa ou pode não ser, pode ser ação animal…
Dr. Francisco: Pode ser animal.
Ivan: Só que, pelo fato de ser no mesmo matagal, mesma data… Muito próxima…
Dr. Francisco: Pode ter todas as coincidências que você está imaginando, que não é teoria da conspiração não. É possibilidade concreta.
SEMELHANÇAS E DIFERENÇAS ENTRE CASOS
Ivan: E sobre a menina, a Sandra, encontrada em Mandirituba em 1989…
Dr. Francisco: Como que está o laudo dela? Eu não vi.
Ivan: Vamos lá…
Dr. Francisco: Foi a última pergunta que você fez para mim.
Ivan: Isso. Estamos na última pergunta já.
Dr. Francisco: Bom, ali tem o escalpe…
Ivan: A ausência de mãos…
Dr. Francisco: A ausência de mãos…
Ivan: Isso.
Dr. Francisco: Dos pés também.
Ivan: Aham… Não, os pés ela tem, os pés ela tem.
Dr. Francisco: Ah, a menina, no caso?
Ivan: Ela tem os pés. Isso.
Dr. Francisco: Mas as mãos não existem mais, né?
Ivan: As mãos não existem mais. E tem uma diferença bem… Ela não tem as mãos… [Ivan mostra laudo] Feito o escalpe…
Dr. Francisco: Certo.
Ivan: E tem uma diferença grande, que é: ela foi violada. Ela foi abusada sexualmente.
Dr. Francisco: Junto, né? Antes da morte, né? Porque isso aí é tudo vermelhidão de pessoa viva, viu?
Ivan: Aham, tá.
Dr. Francisco: Anterior à morte, não foi depois de morto não. Porque podia ser após a morte também, né?
Ivan: Sim.
Dr. Francisco: Porque um doido desse aí, você pode imaginar qualquer coisa, né? Que é um animal, né?
Ivan: Foi feito com ela viva, então.
Dr. Francisco: É o crime… Eu chamo esses crimes de crimes contra a humanidade, Ivan. Não é contra a menina, nem contra a família dela.
Ivan: Aham. Então, não foi seccionado o tórax, ela tem os dedos dos pés ainda… Três anos antes… Mas a gente… Se está falando de um serial killer, pode ser que esteja ficando mais violento, ele vai…
Dr. Francisco: Pode, mas…
Ivan: Ele vai testando…
Dr. Francisco: Escalpe e as mãos é para não identificar.
Ivan: É para não identificar. Mas é comum? Quantos casos o doutor já pegou assim?
Dr. Francisco: Ah, centenas…
Ivan: Não é incomum, então?
Dr. Francisco: Não é incomum não. É muito comum.
Ivan: Naquela época principalmente?
Dr. Francisco: Não, porque o cara vê no cinema que você, tirando a face, não reconhece mais quem é. É besteira, né? Tem os dentes.
Ivan: Tem as roupas.
Dr. Francisco: Tem as roupas, tem os dentes, tem hábitos, tem utensílio de uso pessoal, tem próteses no interior do corpo que o cara não sabe quais são, que podem identificar a pessoa.
Ivan: Meu ponto é: se eu vou matar uma criança e eu não quero que ela seja identificada, eu não vou deixar ela perto de casa, como foi o caso aqui da Sandra e dos meninos de Guaratuba, e eu não vou deixar ela com as roupas. Eu vou jogar em outro lugar. Ainda mais em Guaratuba, eu vou jogar no mar…
Dr. Francisco: Claro. E aí também…
Ivan: Aham, exato. Então, assim, não me parece que a pessoa está com intenção de tirar a identificação.
Dr. Francisco: Não, está. O escalpe é patognomônico, vamos dizer assim, a pessoa que não quer que identifique; e as mãos, por causa das impressões digitais. Porque ele acha que a impressão digital é o único elemento que define a pessoa, quando não é, porra. Te contei vários exemplos, né? Próteses… Situações como essa aqui, de uma fratura antiga, me identifica. Porque você não tem um polegar inferior ao outro, você tem iguais. Eu tenho certeza de que você tem iguais. Você não teve fratura também. Teve fratura na mão, você vai ter um menor um pouco.
Ivan: Aham, sim. Mas… Tá… Quantos casos… Vamos fazer questão concreta. Nos seus 50 anos, que o doutor trabalhou no IML…
Dr. Francisco: 48.
Ivan: 48. Estou arredondando. O doutor quantas vezes pegou casos de crianças… Crianças… Sem mãos e escalpeladas?
Dr. Francisco: Todos os casos que o indivíduo não queria identificar a vítima.
Ivan: Quantos? Eu quero números.
Dr. Francisco: Ah, porra. Vamos supor…
Ivan: Chuta um número…
Dr. Francisco: 500 casos.
Ivan: De criança?
Dr. Francisco: Crianças.
Ivan: Crianças escalpeladas sem as mãos…
Dr. Francisco: Para não identificar. E que todas foram identificadas, ou por hábitos pessoais, por vestes, por objetos pessoais que às vezes estavam no corpo da pessoa. Estava com uma chave lá que é da casa dela. Porra, não tem mais o que falar, né? A chave do quarto, da casa da pessoa. A menina tinha a chave… O caso do Evandro. Estava com a chave da casa e o chinelo dele lá no local. A roupa dele…
Ivan: O chinelo apareceu alguns dias depois.
Dr. Francisco: Eu sei. Pois é, mas isso aí é comum na polícia do Paraná, né?
Ivan: O senhor lembra de casos, nomes de vítimas que a gente poderia… Porque eu queria muito dar uma olhada em outros casos que tenham isso aqui também. Porque, olhando assim, me parece muito fora do comum. Eu esperaria que o doutor me falasse assim: “não, Ivan, eu vi pouquíssimos casos de crianças…”.
Dr. Francisco: Não, eu vi muitos. Não, vi muitos.
Ivan: Crianças.
Dr. Francisco: Crianças escalpeladas.
Ivan: E sem as mãos.
Dr. Francisco: E sem as mãos.
Ivan: As duas coisas juntas.
Dr. Francisco: As duas coisas concomitantes, vamos dizer.
Ivan: Sim. Quando? Que casos?
Dr. Francisco: Não, 500… Eu falei muito até, sabe? Vamos diminuir um pouco aí. Um por 15 mil… 5%. É, dá mais ou menos isso.
Ivan: Aham.
Dr. Francisco: 3%. Vamos pôr menos, vamos pôr o menor índice possível… 50 casos.
Ivan: O senhor lembra de nomes de casos? Nomes de vítimas, que a gente poderia verificar?
Dr. Francisco: Eu lembro mais de lesões produzidas após a morte em crianças. As irmãs Nakadaira, aqui em Campo Comprido, eu me lembro bem.
O caso das Irmãs Nakadaira é um caso histórico da polícia paranaense. Em 1982, duas crianças que eram irmãs foram mortas, violentadas e tiveram objetos introduzidos em seus corpos. O crime nunca teve solução.
Esse caso não tem nenhuma similaridade notável com os de Sandra, Leandro e Evandro.
Ivan: Sim. Só que as irmãs… Foram introduzidos objetos…
Dr. Francisco: Violentadas, isso.
Ivan: Tem um monte de coisa. Mas elas têm as mãos e elas não foram escalpeladas.
Dr. Francisco: Não, não foram.
Ivan: Eu estou dizendo especificamente de escalpo…
Dr. Francisco: Não. Eu sei mais de lesões post mortem com o propósito de não identificar. O escalpe e as mãos são sinais patognomônicos… Repito para você… De que a pessoa não queria a identificação do corpo.
Ivan: Tá, mas o doutor falou que pelo menos 500 casos que pegou foram de crianças escalpeladas e sem as mãos.
Dr. Francisco: Sem as mãos.
Ivan: Nomes? Para a gente poder olhar…
Dr. Francisco: Ah, eu não sei não. Não lembro aqui, são tantas… A gente fazia 20 autópsias por dia, 60 por semana, 60 por semana… É, 60 corpos por semana. […] Agora eu não teria condições de dar para você nenhum nome.
Ivan: Tá. Ok.
Dr. Francisco: Foram tantos que eu vou… Agora, com certeza, eu posso afirmar para você: a retirada do escalpe e das mãos simultaneamente… Não só o escalpe… O escalpe só não é sinal de que não quer identificar não. Mas, com as mãos junto, é a imagem leiga de que você só identifica com impressões digitais.
Ivan: Aham.
Dr. Francisco: Não posso… Isso aí é uma pergunta que eu não vou responder para você.
Ivan: Não, tudo bem.
Dr. Francisco: Teria que consultar todos os arquivos do IML, pegar um por um. São quantas mortes por ano lá no IML? Hoje deve ter mais ou menos umas 5 mil mortes por ano. No meu tempo era muito maior.
Ivan: Tá. Então, deixa eu colocar de outra forma. Quando eu vejo esses casos, esses três casos, o Evandro, o Leandro e a Sandra, eu vejo que eles são muito similares…
Dr. Francisco: São.
Ivan: Mas eu sou levado a crer que pode ter sido a mesma pessoa.
Dr. Francisco: Pode.
Ivan: Mas o doutor está me falando que esse tipo de morte em crianças não é incomum, quando elas são assassinadas. Então, pode ter sido três casos isolados também.
Dr. Francisco: Podem ser casos isolados também.
Ivan: Tá.
Dr. Francisco: Mas eu estou achando que você está no caminho certo. Impressão minha. Talvez mais a moça de Mandirituba do que o Leandro.
Ivan: Por quê?
Dr. Francisco: Por causa do escalpe e da ausência das mãos.
Ivan: Mas se isso é uma coisa comum…
Dr. Francisco: Comum quando o indivíduo não quer que o corpo seja identificado, e o autor tenha parentesco com a vítima; ou então, como ele cometeu um crime, ele não quer que descubram que é ele, né?
Ivan: Aham.
Dr. Francisco: Alguém pode ter visto ele na rua… Um cara viu ele com a menina, entendeu? “O cara estava andando com a menina aqui, então é esse cara”, e vão atrás dele. E a polícia é muito [ininteligível] em fazer isso, ir atrás de detalhe, detalhe que não é importante. Você viu aí no caso do Evandro. Detalhes importantíssimos. Instrumentos que mataram a criança, onde estão? Quem procurou? Procure no inquérito para você ver se acha.
Ivan: Não tem.
Dr. Francisco: Se você achar um, eu vou dizer: “olha, Ivan, você é um investigador terrível… Te contratar como investigador da polícia”.
Ivan: Tá, então pelo…
Dr. Francisco: E você viu a importância disso, né?
Ivan: Aham, sim.
Dr. Francisco: Quantas vezes você perguntou para mim: “doutor, mas foi faca? Foi bisturi? Foi o quê?”.
Ivan: Aham. É porque, se foi bisturi, já vejo que é uma pessoa que tem interesse em ter um bisturi…
Dr. Francisco: Claro… Que é uma coisa pouco usual.
Ivan: Pouco usual, né? É diferente se for uma faca…
Dr. Francisco: Gillette…
Ivan: Gillette…
Francisco: Navalha…
Ivan: Aham, exato. Então, mas o fato de ter as roupas e objetos pessoais, isso já é mais…
Francisco: Identifica a pessoa… E condições pessoais que o matador desconhece. Por exemplo, a minha fratura. Se você me mata, alguém vai dizer: “Pô, uma vez ele caiu no prédio lá e quebrou a mão”. A autópsia vai ver lá a minha fratura, o meu osso consolidado, que é o doutor. Não precisa mais nada. Não precisa de impressão digital, não precisa de nada.
PROPOSITAL OU ERRO?
Ivan: Eu estou falando de Mandirituba em 89 e Guaratuba em 92. São duas cidades muito pequenas. Se some criança, as pessoas vão ficar sabendo. As crianças aparecem mortas sem as mãos, escalpeladas e com as roupas do corpo. Se eu sou o assassino, eu acho muito difícil que não vão saber quem são essas crianças, quando encontrarem. É cidade pequena, as crianças estão sumindo, e eu estou deixando elas com as roupas. Eu não estou me esforçando muito em esconder a identidade delas. Eu não estou jogando numa cidade vizinha, eu não estou jogando no meio do mar, eu não estou queimando as roupas dela…
Dr. Francisco: Não, é por causa da característica do crime também. Tem que levar em conta sempre, Ivan, o seguinte: o indivíduo que quer matar, ao matar, ele esquece uma porção de circunstâncias importantes. Por exemplo, o local em que ele vai matar. Certo? Se eu vou te matar, por exemplo, na minha casa, eu vou me comprometer. Porra, eu vou matar o Ivan na minha casa, todo mundo vai saber que fui eu que matei.
Ivan: Sim.
Dr. Francisco: O local do crime, ele esquece. Depende do crime que ele vai praticar. Por exemplo, no caso da menina lá de Mandirituba é estupro de vulnerável.
Ivan: Você acha que as roupas podem ter sido esse esquecimento dele, então?
Dr. Francisco: Ah, não tenha dúvida.
Ivan: Você acha que ele cometeu um erro?
Dr. Francisco: É, porque depende do crime que ele vai praticar, entendeu? Nesse caso aí foi estupro da menina, lá foi estupro. Então, ele estuprou e disse: “não, está morta a guria, eu vou me livrar do corpo”. Mais nada. Esqueceu de roupa, de tudo. Mas antes foi escalpelar para impedir que ela fosse identificada.
Ivan: Só que, veja, ela foi encontrada… Ela foi violada, escalpelada e vestida depois. Ele veste ela depois.
Dr. Francisco: Querendo ainda dissimular a morte, para não saber… Certamente o burro não sabia que um indivíduo, depois de morto… Tira as roupas para examinar tudo isso.
Ivan: Não, mas eu digo assim: a roupa que ajudou a identificar ela, se ele quisesse não identificar, já…
Dr. Francisco: Ele não lembra disso, Ivan. Não lembra disso. O criminoso se esquece de detalhes importantíssimos.
Ivan: Então ele simplesmente abusou dela, ela estava pelada. Abusou dela, matou ela, daí vestiu ela e jogou lá, porque ele nem se ligou que pela roupa poderia…
Dr. Francisco: Claro, lógico. Roupa… Alguém vai saber de roupa? Entendeu? Ele esquece detalhes que são importantes na identificação do autor. Claro que a cosmogonia do crime, como você sabe também bem, é muito ampla e é complexa, né? Se fosse tão simples assim, todos os crimes seriam esclarecidos, e não são. Sabendo que não são todos… Você está há quantos anos trabalhando nisso aí?
Ivan: Quase 10 já.
Dr. Francisco: Quase 10, então você vê… E até hoje… Certamente você aprendeu uma porção de coisas hoje comigo. Certamente. Por quê? Porque a minha experiência nessa área é muitas vezes maior que a tua, mesmo lendo bastante, entendeu?
Ivan: Aham. Sim.
Dr. Francisco: Mas não quer dizer que a minha versão das coisas seja a correta também.
Ivan: Claro, claro.
Como é possível notar, esse foi o maior problema de Ivan com as interpretações do Dr. Francisco.
Ivan conversou com uma série de peritos e médicos legistas para verificar se alguém já tinha lidado com tantos casos de crianças escalpeladas e mãos retiradas. Ninguém nunca viu um crime assim.
Mas o Dr. Francisco afirma que já viu no mínimo 50. Ivan acredita que ele crê nisso porque se baseia na sua interpretação do motivo dessas mutilações. Para ele, foram feitas com o intuito de impedir a identificação. Mas isso não parece se sustentar.
Ivan afirma que fica cada vez mais convencido de que o assassino de Sandra, Leandro e Evandro, se foi realmente a mesma pessoa, queria que as crianças fossem identificadas. Ele sempre deixou as vítimas com as roupas, e poderia ter colocado os corpos em lugares muito mais afastados.
Mas, por algum motivo, o assassino deixou as crianças relativamente próximas de suas casas, com seus objetos pessoais. Talvez ele sentisse remorso, talvez não quisesse deixar as famílias sem respostas. Talvez quisesse desafiar autoridades. Talvez não pensasse em nada disso, e apenas ficava sempre por aquelas regiões. Talvez fosse realmente desatento a detalhes, como o Dr. Francisco afirma.
O que Ivan sabe é que esses casos são semelhantes, e muito diferentes da maioria dos crimes contra menores.
Ivan: O que o doutor, então… Leva a crer que esses três casos podem… Se for para chutar, apostar, um caso de apostas… Esses casos estão relacionados ou não?
Dr. Francisco: Seguramente que estão, né?
Ivan: E por quê?
Dr. Francisco: O Leandro por causa da proximidade da morte do outro. A da menina aqui por causa do escalpe e das mãos, e do Evandro pelas características que nós vimos, todas…
Ivan: Mas o escalpe e tirar as mãos… Volto para aquele ponto: não é uma coisa comum de acontecer?
Dr. Francisco: Não, não, é quando ele não quer identificar a vítima. Porque a identificação da vítima leva à autoria. Sempre. A identificação da vítima leva quase sempre à autoria.
Ivan: Mas a identificação da vítima é rápida…
Dr. Francisco: Não, nem sempre. Nem sempre. Não é assim não…
Ivan: Não, estou falando do que aconteceu aqui com a Sandra. Foi assim…
Dr. Francisco: Foi rápida lá nesse caso, porque era grosseiro, né? Por causa das vestes da menina, tudo, o desaparecimento da menina, o trauma social que causou numa cidade desse tamanhinho.
Ivan: Aham, sim.
Dr. Francisco: Entendeu?
Ivan: Aham.
Dr. Francisco: O propósito do indivíduo que mata, que faz escalpe e tira as mãos é evitar que a vítima seja identificada. Sempre, sem exceção à esta regra. Quando isso acontece, é sinal que o autor não queria… Descobrir, por exemplo, um parentesco entre eles… É comum isso aí. É o tio que matou… É muito comum, sabe em que caso? Da mulher que se casou com um segundo marido, e o marido não gosta da mulher, está se separando da mulher e mata a filha… A enteada, no caso… Muito comum. É o caso que ele vai escalpelar e vai serrar a mão. “Aí não vão identificar a menina, não vão chegar em mim”. Porque, para chegar na autoria, é tão difícil como isso que eu falei para você, dos detalhes do crime. Um detalhe, por exemplo, do Evandro. Seria importante para mim, importante, descobrir os instrumentos que participaram da morte. Você vai ver… “Pô, doutor, estudei esse processo, esse inquérito de ponta-cabeça, de cima para baixo, com fotos, com tudo; e nenhum policial foi ver se tinha faca, tinha não sei o quê…”. Foram para a serraria lá ver o quê? As serras que o cara usou lá. Que serra daquelas o cara pegou para serrar a criança? Qual é a serra? Serra de serraria, porra… Não é serra… Isso aí deve ser serra fita, entendeu?
Ivan: Aquela pequenininha?
Dr. Francisco: É. Pequenininha, é.
Ivan: Aham, sim. O senhor já teve que serrar costela desse jeito?
Dr. Francisco: Nunca. De criança, nunca.
Ivan: Mas e em adulto? Teve que fazer… A serra aguenta, o fio, até terminar todas as costelas?
Dr. Francisco: Aguenta, aguenta. Porque a gente usa aquela serra comprida, sabe?
Ivan: Aham, sim.
Dr. Francisco: Essa serra que a gente usa em adulto para serrar os arcos costais. Mas às vezes não precisa, porque às vezes é um adolescente que tem ainda cartilagem grande, sabe? Então, você corta com bisturi. Não precisa serrar. Geralmente não precisa. Por isso que eu digo que não era um indivíduo habituado a fazer isso aí. Não é ninguém da área de saúde, por exemplo. Pode excluir.
Em agosto de 1992, o Dr. Francisco assinou um ofício pelo IML dizendo acreditar que o caso Sandra não teria nenhuma relação com o de Evandro pelo fato da menina ter sido violentada sexualmente. Também naquela época, ele disse que as confissões dos acusados estariam de acordo com o estado do corpo. Anos depois, o médico revisou tudo, revelando que foi induzido ao erro pelas torturas.
E, agora, ele diz que esses casos poderiam sim estar relacionados. Ao mesmo tempo, também é firme na convicção de que tais tipos de mutilações teriam como objetivo a ocultação da identidade da vítima – o que, segundo Ivan, não parece fazer sentido.
Apesar de todo o seu conhecimento, os relatos do Dr. Francisco também foram influenciados pela contaminação sofrida pelo caso Evandro – tanto na questão da história de “Magia Negra” quanto na discussão sobre o corpo não ser do menino.
Mas, além disso, há também um problema: o que Ivan pode verificar é que as conclusões do Dr. Francisco não são exatamente ponto pacífico entre outros peritos. E um exemplo disso é uma das lesões de Evandro.
Ivan: O Lipinski que fez as fotos aqui do local, tá? Isso aqui é foto do local, e ele dizia que achava interessante essa lesão que tinha nas costas dele. Aqui seria a costela esquerda do Evandro. Ele até colocou com uma marcação, com uma seta, indicando como parecia um punhal, alguma coisa assim. Não tinha…
Dr. Francisco: Não, não. Nada disso.
Ivan: O senhor lembra disso? Dessa…
Dr. Francisco: Lembro. Lembro sim.
Ivan: Essa lesão pode ter sido de animal?
Dr. Francisco: De animal carnívoro e carniceiro.
Ivan: Aham. Bicudo. Uma bicada assim…
Dr. Francisco: Uma bicada, isso.
Ivan: Uma bicada. Que animal poderia fazer uma lesão dessa?
Dr. Francisco: Um urubu, corvo…
Ivan: Um urubu mesmo?
Dr. Francisco: Urubu, que é preto e tem um bico grande, ele bica porque quer tirar partes moles, ele não tira partes duras.
Para o Dr. Lipinski, essa lesão teria sido a que provocou a morte de Evandro. Já para o Dr. Francisco, o menino foi morto por asfixia mecânica. E ele baseava isso em dois elementos: o fenômeno dos dentes rosados e a área de maior putrefação em torno do pescoço. Ivan chegou a discutir isso com o Dr. Lipinski, perito que foi ao local da achada do corpo de Evandro.
Ivan: Assim, tinha partes da pele onde estava muito acelerada a putrefação…
Dr. Lipinski: Mas a lesão no pescoço, você pode ver ela externamente. Mas é mais importante ver ela internamente. O legista teria total condição de ver aqui as marcas que iam ficar, porque veja junto comigo aqui… Ele está vivo. Ele é esganado. Eu vou ter… Às vezes a gente dá uma batidinha na pele aqui, alguma coisa, e já fica roxo. Se você vai imprimir uma força bem maior para tentar matar uma pessoa, a força que você vai aplicar ali é muito maior. Você veja, uma coisa de nada aqui já ficou roxo, já fez todo esse espectro equimótico. Você acha que aqui, internamente, não teria a constrição, o rompimento de vaso, tudo isso?
Ivan: Sim. Isso, inclusive… Além do doutor Francisco, reforça a questão do esganamento a doutora Beatriz Sotille França, por conta dos dentes rosados. Os vasos romperam, então daí teria uma constrição que rompe os vasos, e daí depois…
Dr. Lipinski: Pode. Como você falou, pode ter sido das duas formas. O cara foi lá, esganou, ficou na dúvida, foi lá e deu uma facada. Talvez ele não tenha morrido na hora. Não chegou a esganar mesmo. O hioide ia ser o suficiente para você determinar isso… Teria condição de você atestar porque na esganadura… Imagine um adulto esganando uma criança. Com certeza eu ia ter fratura de hioide. Não tem como não acontecer isso. É muita força que foi aplicada ali.
O hioide é um osso que fica bem na garganta, abaixo da mandíbula. E, de fato, no laudo de necropsia de Evandro não há qualquer menção a uma fratura nessa área. Por isso, Ivan perguntou ao Dr. Francisco sobre essa observação do Dr. Lipinski.
Ivan: Não devia ter também alguma lesão na traqueia, se fosse esse o caso?
Dr. Francisco: Não. Não necessariamente, viu. Porque a esganadura não mexe muito com a traqueia. Porque a traqueia é flexível. Quando você aperta, ela se contrai e, depois que você solta, ela volta ao normal. Ela é elástica.
Ivan: Aham. Mas uma fratura no hioide, por exemplo, não teria que ter?
Dr. Francisco: Não necessariamente também. Porque depende do nível que você faz a esganadura. Se você fizer bem baixa, baixa, você não pega o hioide, porque o hioide está na base da língua. Aqui é difícil o acesso, inclusive. Para encontrar o hioide, você tira toda a língua, você tem que abrir o cadáver e tirar, fazer uma incisão mento-pubiana, né? Buscar a língua e puxar a língua junto, para poder ver o hioide na base da língua. Então, ele é muito protegido, o hioide. O hioide é um osso ósseo cartilagíneo… Ou ósseo cartilaginoso sesamóide. O que é um osso sesamóide? É um osso que não se articula com nada. Então, como sesamóide ósseo cartilaginoso, ele é muito frágil.
Ivan queria entender as diferenças e similaridades das técnicas de escalpo que ocorreram entre Sandra e Evandro. Afinal, se foi a mesma pessoa, será que ela foi mais agressiva com Sandra, arrancando todo o rosto, talvez porque estava praticando? E, no Evandro, estava mais habilidosa e decidiu retirar apenas o couro cabeludo? Ou será que é o contrário? Ou será que uma coisa não tem nada a ver com a outra?
No laudo de necropsia de Evandro, não há detalhes sobre a lesão no crânio. Consta apenas que ele se encontrava com “ausência de couro cabeludo”.
Dr. Francisco: O escalpelo que a gente chama, o escalpe, o escalpelo, é a retirada de toda a pele da face.
Ivan: E o couro cabeludo.
Dr. Francisco: E o couro cabeludo, claro. Da face e do couro cabeludo.
Ivan: Como é feito?
Dr. Francisco: Então, é feito de que maneira? Se faz uma incisão do mento até o outro mento, bimastoideana, da mastoide a mastoide.
Uma incisão bimastoideana é feita na mesma região da cabeça onde se usa um arco para prender o cabelo, por exemplo, indo do topo de uma orelha para o topo da outra.
Dr. Francisco: Se faz uma incisão e puxa a pele para trás com o couro cabeludo junto, e a pele para frente. Aí vai descolando toda a face.
Ivan: Só que a gente não consegue ver esses cortes…
Dr. Francisco: Não, não, não. Você vê depois, quando ele puxa para cá, você vê que houve a incisão aqui.
Ivan: Tá. Houve uma incisão onde, que a gente consegue verificar?
Dr. Francisco: Aqui. Bimastoideana. Aqui no meio da cabeça.
Ivan: Isso está marcado no laudo? O doutor lembra?
Dr. Francisco: Eu não sei. Não sei. Porque… Mas não precisa necessariamente estar. Porque é rotina do IML. Quando você vai fazer a abertura da cavidade craniana, você faz a incisão bimastoideana. Mas não puxa a pele toda, não é preciso, puxa só até aqui, para você poder ver a calota craniana.
Ivan: Até a testa.
Dr. Francisco: Isso. Até a testa. Você vê a calota craniana.
Ivan: Entendi.
Dr. Francisco: Então, no laudo, pode não estar. Pode não estar aqui, a incisão aqui de escalpelo, nada disso. Porque foi com o propósito de abrir a cabeça, certamente, que ele fez a bimastoideana e puxou para frente.
Ivan: O assassino, no caso.
Dr. Francisco: Exatamente. Ou quem matou o menino, né? Vamos chamar assim.
O Dr. Francisco fala que o crânio de Evandro teria marcas de uma incisão bimastoideana, mas não há nada desse tipo mencionado no laudo. Quando questionado sobre isso, ele disse que não precisava necessariamente ter.
Ivan não sabe dizer se o Dr. Francisco realmente lembra desses detalhes, se ele está confundindo com outros casos, se não incluiu isso no laudo porque achou desnecessário ou porque realmente não existia.
Ivan: Porque olhando a foto… Eu posso até aqui mostrar para a gente dar uma olhadinha. Eu tenho dificuldade em ver onde que assim… Porque arranca a pele… E onde que tem pele, então?
Dr. Francisco: Pode ser que ele arrancou, depois fez a incisão e tirou a pele.
Ivan: Daqui do queixo?
Dr. Francisco: Aqui embaixo da… Do queixo. Isso. Da região mentoniana, mentoniana aqui.
Ivan: Olhando a foto, o doutor consegue verificar isso?
Dr. Francisco: Consigo perfeitamente. Posso até mostrar para você na foto. Mas não é necessário, Ivan, que conste no laudo isso, sabe? […] A incisão é bem típica. Tá vendo? Vai aqui, vai para cá, está vendo? Isso é a ferida incisa, que foi feita por instrumento cortante. Porque tem bordas nítidas, está vendo? Então, a gente pode saber que foi cortado antes isso aí. Não foi traumático. Foi um traumatismo produzido por um instrumento que cortou, que seccionou. Talvez um bisturi.
Ivan: Talvez um bisturi, tá. Não teria… Eu até perguntei isso para você em outra ocasião. Não teria outro instrumento tão cortante e tão preciso?
Dr. Francisco: Como o bisturi, não. Isso aí é lesão por bisturi.
Ivan: Tá. Então corta aqui em cima…
Dr. Francisco: Ou navalha, né?
Ivan: Ou navalha.
Dr. Francisco: Um instrumento que tenha corte, que tenha gume.
Ivan: Aham.
Dr. Francisco: E o gume pode ser ou unilateral ou bi, dependendo da… O punhal, por exemplo, tem dois gumes, né? Tem um aqui e outro lá. Mas um instrumento que tinha gume. Isso eu posso dizer com certeza.
Ivan: Quando eu penso no caso da Sandra, aquela outra menina…
Dr. Francisco: Daqui de Mandirituba.
Ivan: De Mandirituba, exato. Quando a gente olha o rosto dela, eu imagino que, se eu tivesse que fazer um procedimento desse tipo, eu ia acabar chegando nisso aqui, sabe? Ia ser muito mais grosseiro isso aqui. Isso aqui parece ser muito mais violento, que não tem mais nenhuma pele, não tem carne…
Dr. Francisco: Não, não, não. O resultado é o mesmo, para mim.
Em outras palavras, de acordo com o Dr. Francisco, o procedimento para chegar no estado do corpo de Sandra era o mesmo para o de Evandro. Só que não há maiores detalhes sobre isso no laudo de necropsia do menino.
A conversa com o Dr. Francisco se mostrou extremamente importante, pois foi a primeira vez que Ivan pôde tirar dúvidas mais detalhadas de coisas que nem sempre apareceram nos autos do caso Evandro. Só que são 30 anos de caso, com diversas idas, vindas, interpretações e reinterpretações. E tudo isso em um caso muito mais complexo do que aparentava ser.
O laudo de necropsia de Evandro foi assinado por ele e por outro médico legista, o Dr. Carlos Roberto Ballin. Ivan tentou uma entrevista com ele, pois queria comparar o que cada um teria para dizer. Porém, o Dr. Ballin recusou o convite.
Então, frente à necessidade de se ter uma nova visão sobre tudo, Ivan entrou em contato com um médico legista independente, que pudesse olhar os laudos dos três casos e fazer esse exercício de comparação de forma mais livre, sem as contaminações históricas que eles possuem.
E, além desse novo médico legista, Ivan pediu auxílio para um psicólogo forense, para que também olhasse os três casos e fizesse um parecer. Para esses dois profissionais, ele pediu essencialmente uma coisa: que analisassem os três crimes e respondessem se eles poderiam ter sido cometidos pela mesma pessoa.
Nesse esforço, Ivan acabou ganhando potenciais novas pistas. E também novas dúvidas.