No dia 15 de fevereiro de 1992, Leandro Bossi desapareceu. Aramis Cândido de Castro também sumiu por algumas horas, mas voltou para casa tarde da noite com a ajuda da Polícia Militar de Guaratuba, litoral do Paraná. Leandro e Aramis tinham a mesma idade, entre sete e oito anos.
Dois meses depois, no dia 6 de abril de 1992, uma segunda-feira, Evandro Ramos Caetano desapareceu pela manhã. Ele havia saído da escola Olga Silveira, onde estava a mãe, que trabalhava lá. Dizia que ia para casa pegar um brinquedo e já voltava. Mas não voltou.
Cinco dias depois, no sábado, 11 de abril, o corpo dele foi encontrado em um matagal com uma série de mutilações.
OS IRMÃOS FRANÇA
Nos autos do processo do caso Evandro, consta que, após o corpo ser encontrado, uma mulher se lembrou de uma história que havia acontecido com os filhos poucos dias antes do desaparecimento.
Acreditando que isso poderia ter alguma relação com o que havia ocorrido com Evandro, ela decidiu ir para Curitiba fazer uma denúncia na Divisão de Antissequestros da Polícia Civil do Paraná.
O nome dela era Maria Ferreira de França Albuquerque, e na época ela tinha 31 anos. Em sua declaração, datada de 14 de abril de 1992, a testemunha dizia o seguinte:
Há cerca de uns oito dias atrás [ou seja, por volta do dia 6 de abril], os filhos da declarante de nomes Fernando (11 anos) e Cleyton (10 anos) foram seguidos por um elemento desconhecido, com as características seguintes: cabelos longos e ondulados, barba comprida, bigode, moreno, mais ou menos 1,75 de altura, magro, o qual seguiu-os até o Colégio, sendo que as crianças, notando que estavam sendo seguidas, passaram a correr. A declarante a princípio não se preocupou muito com o episódio relatado pelos menores. Porém, naqueles dias sumiu o garoto Evandro, bem parecido com o filho da declarante (loiro e de olhos claros), o qual foi nestes dias encontrado morto e mutilado.
Depoimento de Maria França Albuquerque (14 de abril de 1992)
O depoimento de Maria continua, com ela dizendo que suspeitava de um homem que morava perto da sua casa. Um homem que, de acordo com ela, seria conhecido pelo apelido de “Cheiro”, mas cujo nome era Juarez José da Silva.
Sobre Juarez, Maria dizia que ele seria um traficante da região, que ficava muito inconveniente quando estava drogado. No dia seguinte ao depoimento, a polícia pediu a prisão de Juarez, que foi levado para Curitiba logo em seguida.
Dois dias após Maria ser ouvida, em 16 de abril de 1992, os filhos Fernando Ferreira de França e Cleyton Everson Ferreira de França também prestaram depoimento, narrando basicamente a mesma história. Mas com uma diferença importante: eles relatavam que a perseguição teria ocorrido dias antes de Evandro desaparecer – e não no mesmo dia, como ela dava a entender. De resto, tudo é igual. Ambos os irmãos reforçam a descrição que a mãe havia passado, de um homem barbado, de bigode, estatura mediana e cor morena.
Os dois dizem também que o homem os perseguia fazendo perguntas, incomodando, e oferecendo doces e dinheiro para que os garotos saíssem com ele. E, no depoimento de Fernando, há a informação de que tudo teria acontecido por volta das 13h.
Depoimento de Fernando França (16 de abril de 1992)
Depoimento de Cleyton França (16 de abril de 1992)
Ivan Mizanzuk narrou essa história pela primeira vez ainda durante a temporada do Caso Evandro, no episódio 33. Isso porque o relato dos garotos acabou servindo para a produção de um retrato falado que era muito parecido com o pai de santo Osvaldo Marcineiro, um dos sete acusados pela morte do menino. No mesmo episódio, Ivan explicou que o retrato falado em si não tinha nenhuma característica muito forte. Era apenas o rosto genérico de um homem barbado.
Retrato falado com base nos relatos de Fernando e Cleyton
Fato é que, a partir dos relatos da mãe e dos garotos, Juarez José da Silva foi preso. No interrogatório, Juarez negou ter qualquer envolvimento com o desaparecimento de Evandro e afirmou que não perseguiu nenhum dos meninos, pois trabalhava todos os dias como marceneiro. Além disso, confirmou que era usuário de maconha – mas não há nenhuma menção sobre ele ser traficante ou coisa parecida.
Da primeira vez que Ivan leu a história de Juarez, duas coisas chamaram a atenção: primeiro que, nesse interrogatório, Juarez afirma que o patrão era um homem chamado Edésio da Silva. Quem acompanhou o caso Evandro deve lembrar que Edésio virou uma importante testemunha de acusação contra a filha e a mulher do prefeito de Guaratuba, pois ele dizia que teria visto as duas sequestrar Evandro na manhã do dia 6 de abril de 1992.
Interrogatório de Juarez José da Silva (16 de abril de 1992)
O problema é que, quando Edésio afirmava isso, fazia acompanhado de uma série de contradições e situações esquisitas. Ele mudou detalhes importantes do depoimento quando falou em júri, por exemplo. Mas o mais estranho é o tempo que ele levou para revelar o que sabia. Edésio contava que conhecia muito bem a família de Evandro, que chegou a ser vizinho deles, mas não compartilhou nada com a polícia.
Ele só apareceu no processo após as prisões dos acusados, três meses depois de Evandro ser assassinado. E só apareceu por intermédio de Diógenes Caetano dos Santos Filho, um parente de Evandro que era rival político da família do prefeito. Com tudo isso somado às torturas que os acusados do caso Evandro sofreram, Ivan acredita que o relato de Edésio não é nada confiável.
Depoimento de Edésio da Silva (13 de agosto de 1992)
Mas, mesmo que não soubesse das fitas de tortura, bastaria analisar os fatos. Suponha que uma pessoa viu uma criança sendo raptada. Essa pessoa conhece o garoto e os sequestradores. Por algum motivo inexplicável, ela não fala para ninguém e deixa a família sofrendo. Depois, um amigo é preso por esse caso. Essa pessoa continua quieta. De repente, três meses depois, ela decide falar, sendo justamente conduzida pelo principal articulador que gerou a acusação contra aquelas pessoas.
De qualquer forma, duas coisas chamaram a atenção de Ivan na história de Juarez. A primeira era essa proximidade com Edésio. E a segunda é que, no interrogatório, Juarez dizia que tinha cortado o cabelo e a barba. E os garotos afirmavam que tinham sido perseguidos por um homem barbudo e cabeludo. São meninos de 10 e 11 anos. Os depoimentos em si já seriam complicados de serem considerados em um inquérito, visto que os relatos de crianças nem sempre podem ser considerados confiáveis, especialmente se não estão acompanhados de assistentes sociais e psicólogos infantis.
Porém, com a mudança de visual de Juarez, tudo ficou mais complexo ainda. Essa parte do processo não deixa claro o que teria acontecido. Não há termo formal de reconhecimento, que é uma peça básica nesse tipo de situação. Mas, através de um ofício de um delegado de Guaratuba, datado de 20 de abril de 1992, dá-se a entender que os garotos não reconheceram Juarez e, por isso, ele foi solto.
Ofício – dispensa de Juarez (20 de abril de 1992)
Pode ser que o reconhecimento não tenha sido bem feito. Pode ser que a mudança de visual dele alterou alguma coisa. Então, Ivan foi atrás da dona Maria, mãe dos meninos Fernando e Cleyton, em Guaratuba. Ela não quis dar entrevista, mas conversou com Ivan e com a jornalista Natalia Filippin.
Da conversa com Maria, o que mais chamou a atenção foi a descrição física do filho Fernando na época. Ele era loiro, de olhos claros e, apesar de ter 11 anos, era bem pequeno, aparentando ter oito anos.
Esse incidente teria ocorrido provavelmente no início do mês de abril, já depois de Leandro desaparecer e poucos dias antes de Evandro sumir. E teria ocorrido perto da Escola Olga Silveira, de onde Evandro saiu para ir para casa e nunca mais foi visto.
Como Ivan falou no episódio anterior, Leandro morava perto da Associação dos Fiscais em Guaratuba, que fica exatamente na mesma rua da Escola Olga Silveira, a poucas quadras de distância.
Inclusive, os depoimentos dos irmãos França indicam que eles também moravam perto da Associação dos Fiscais. Os endereços constam como: “Avenida Paraná, sem número – fundos Associação dos Fiscais – Vila Esperança”. É praticamente o mesmo endereço descrito como o de Leandro: “Avenida Paraná, sem número, perto da Associação dos Fiscais – Vila Esperança”.
Esse local também aparece no seguinte trecho do depoimento do garoto Cleyton, de 10 anos:
Dias antes de haver desaparecido seu colega Evandro Ramos Caetano, o informante vinha com seu irmão Fernando em direção da escola Olga Silveira, no bairro da Cohapar e, ao chegarem no começo da Vila Esperança, veio um homem que começou a fazer perguntas ao informante e seu irmão, dizendo que dava bala e dinheiro para ambos. O homem veio acompanhando o informante e seu irmão desde aquela rua, vindo pelos fundos da Associação dos Fiscais. E, quando chegaram próximo da Escola, já na Cohapar, o informante e seu irmão combinaram de despistar aquele homem, indo ambos por uma rua nos fundos daquela vila, e foram para a Escola.
Então, Leandro morava perto da Associação dos Fiscais e desapareceu em fevereiro. Em abril, os irmãos França moravam perto da Associação dos Fiscais e, no trajeto para a Escola Olga Silveira, foram perseguidos por um homem na região. Pouco tempo depois, Evandro desapareceu por ali também, perto da escola Olga Silveira. Isso tudo pode ser coincidência. Pode ser que a dona Maria e os irmãos estivessem aumentando uma história banal por medo. Contudo, a impressão que Ivan tem é de que aquela era uma área visada pelo ofensor em série que ele procura. E pode ser que os irmãos França tenham escapado dele.
O Projeto Humanos tentou localizar Cleyton e Fernando, os irmãos França. A mãe não quis passar os contatos deles, mas informou que ambos já não moram em Guaratuba. Ivan procurou eles em redes sociais, tentou por outros bancos de dados, mas não conseguiu localizá-los. Então, não foi possível ouvir o lado deles dessa história.
Ivan também foi atrás de Juarez. Ele ainda mora em Guaratuba, é um homem muito simples, vivendo em condições precárias. Ele acredita que foi preso porque tentaram armar contra ele, porque os assassinos seriam a filha e a mulher do prefeito com outras pessoas. Ele nem sabia que tinha sido preso por causa da denúncia da dona Maria, mãe dos irmãos França.
O ponto é que, depois da conversa com a dona Maria, Ivan passou a achar que essa história envolvendo Juarez não se sustentava. Ele não duvida que os meninos tenham sido perseguidos, mas ela mesma diz que não viu nada, que só repassou o que os filhos lhe falaram. Para Ivan, parece que ela já conhecia Juarez, não gostava dele por algum motivo e, por isso, supôs que ele poderia ser o assassino de Evandro.
Pelo que pôde levantar sobre esses casos, Ivan acha pouco provável que tenha sido Juarez o responsável pelas mortes de Leandro e Evandro.
HIPÓTESE DAS DUAS CRIANÇAS
Partindo do princípio de que os irmãos França falaram a verdade, então, quatro crianças foram abordadas em uma mesma região. Duas desapareceram, duas conseguiram fugir. Aqui, Ivan começa a desenvolver o que está chamando de “Hipótese das Duas Crianças”.
No dia 15 de fevereiro de 1992, sumiram Leandro e Aramis – que conseguiu voltar para casa. No início de abril, os irmãos Cleyton e Fernando França podem ter escapado de uma iminente tentativa de sequestro. E, quanto a Evandro, no inquérito, há duas testemunhas que parecem sustentar a possibilidade de que ele não foi a única criança a ser sequestrada naquele dia 6 de abril em Guaratuba.
Essas testemunhas foram ignoradas após o relato de Edésio, pois as histórias são diretamente contrárias àquela que ele contava. E, tendo em vista que a acusação se apoiava em Edésio, esses relatos acabaram ficando para trás.
Em abril de 1992, Rachel Machado Duarte tinha 17 anos. Ela trabalhava como babá na casa de uma mulher chamada Silmari, perto da escola Olga Silveira.
Silmari, a patroa de Rachel, era casada com um irmão de Sérgio Cristofolini, um dos sete inocentes acusados no caso Evandro.
Em uma das cartas que escreveu, Diógenes diz que Rachel teria tido um caso com Cristofolini – o que ela sempre negou. No texto, ele também é bem claro em chamá-la de mentirosa, como se estivesse mentindo para proteger criminosos. Diógenes publicou a carta no livro que lançou em 2011 sobre o caso Evandro.
Carta de Diógenes sobre Rachel
Rachel trabalhava todos os dias cuidando das duas filhas da patroa Silmari. A distância da casa de Silmari para a de Evandro era de cerca de 400 metros – o que corresponderia a quatro quadras.
A primeira vez que Rachel é citada no inquérito do caso Evandro é em um relatório do Grupo Tigre, da Polícia Civil, responsável pelo início das investigações. Evandro sumiu em 6 de abril, o corpo foi encontrado no dia 11, e esse relatório é datado de 19 de abril – ou seja, quase duas semanas após o desaparecimento. Nesse relatório, está escrito o seguinte:
Com respeito à empregada doméstica Rachel, a mesma afirma categoricamente que viu o menor Evandro passando em frente a sua casa no dia do desaparecimento junto com duas crianças. Estamos checando todas as casas situadas perto da casa do menino com a intenção de localizar testemunhas.
Relatório da Polícia Civil citando Rachel (19 de abril de 1992)
Rachel foi uma das testemunhas de defesa de Beatriz Abagge e Celina Abagge, a filha e a mulher do prefeito, quando foram julgadas em 1998. Na ocasião, em um depoimento mais longo, ela disse que, assim que Evandro desapareceu, contou para a mãe que viu o menino passar na frente da casa da patroa com dois outros meninos.
De acordo com Rachel, logo em seguida ela começou a participar de buscas, tanto com populares quanto com policiais. Mas tudo isso ocorria informalmente.
Depoimento de Rachel no júri das Abagge (18 de abril de 1998)
A segunda vez que Rachel aparece no inquérito de Evandro é uma intimação em que foi chamada a depor. Na época, ainda não sabiam o seu nome completo, então era chamada de “Rachel de Tal”. Essa intimação é de 17 de junho de 1992 – ou seja, mais de dois meses após o corpo de Evandro ser encontrado. De acordo com o pedido, ela deveria depor na delegacia dois dias depois, em 19 de junho, mas não compareceu.
Em seguida, em 24 de junho, há um relatório da Polícia Civil informando que agentes foram até a casa de Rachel para entender o motivo da adolescente não ter comparecido na delegacia.
De acordo com o documento, os policiais conversaram com a mãe, que disse que a filha só iria para a delegacia por determinação da juíza e acompanhada dela. E então, naquele mesmo dia, Rachel deu um depoimento pela primeira vez. Ela disse:
[Que] conhecia o menino Evandro por pouco tempo e sabia que o mesmo estudava no colégio Olga Silveira no bairro Cohapar; Conhecia os pais de Evandro somente de vista; A informante tomou conhecimento que Evandro desapareceu no mesmo dia, quando já estava em sua casa; Que lembra a informante que, após haver tomado conhecimento do desaparecimento de Evandro no mesmo dia, outro dia disse para sua genitora haver notado que o menino havia passado em frente da casa de sua patroa, a Sra. Silmari, para a qual a informante cuida de suas crianças, e que Evandro passou com mais dois meninos, sendo o primeiro moreno claro, cabelos curtos, puxados para trás, trajando calção e camiseta; e outro menino loiro, trajando calção e bermuda. Isso ocorreu por três vezes em frente da casa de sua patroa, e que foram vistos pela janela da casa; Que lembra que Evandro estava trajando bermuda e camiseta, cujas cores não lembra; Que quando outro dia apareceu o tio de Evandro noticiando o desaparecimento, a informante disse para sua irmã que notou a passagem de Evandro pela rua onde estava trabalhando; No outro dia, alguns policiais solicitaram que a informante ajudasse-os a procurar Evandro e mostrar alguns menores que possivelmente tivessem as mesmas características dos que foram vistos com Evandro. Porém, nada foi possível encontrar; Que, passados seis dias, a informante soube que Evandro havia sido encontrado em um matagal longe de sua casa; Que, lembra a depoente, Evandro sempre ia na sala de aula onde a informante estudava, e que a mãe de Evandro trabalhava naquela unidade escolar como secretária. Que até esta data não mais a informante viu aqueles dois meninos que acompanhavam Evandro.
Esse depoimento foi dado mais de dois meses após Evandro desaparecer. E nele, a própria Rachel diz que não conseguiu identificar nem encontrar posteriormente os dois meninos que estariam com Evandro naquela manhã de segunda-feira, 6 de abril de 1992.
Depoimento de Rachel Machado (24 de junho de 1992)
Há no inquérito algumas anotações dos investigadores sobre as suspeitas de quem poderiam ser os meninos, e Ivan tentou checá-las, mas não encontrou nada. A identidade dessas crianças é um mistério.
O depoimento da Rachel é do final de junho de 1992. Poucos dias depois, a polícia prendeu em Guaratuba sete pessoas inocentes, que foram torturadas e acusadas de um crime que não cometeram. Dessa forma, o relato de Rachel caiu no esquecimento.
Mas há um detalhe muito importante no depoimento dela: na manhã de 6 de abril de 92, Evandro saiu da escola, onde estava com a mãe, e disse que ia voltar para casa pegar um brinquedo e já voltava. Ao olhar o mapa de cima, a partir da escola Olga Silveira, a casa de Evandro ficava para a esquerda. Já a casa de Silmari, onde Rachel trabalhava, ficava para a direita.
Em outras palavras, Evandro seguia para o sentido contrário daquele que deveria ir. Por que ele fez isso? O que o fez mudar de direção?
Mapa de Guaratuba com casas de Evandro e Rachel (1985)
*Utilizamos a versão do mapa do Google Earth em baixa definição (com imagem de satélite de 1985) para preservar as localizações exatas das casas. O importante aqui é ter noção das distâncias e direções apontadas no relato de Rachel.
Rachel prestou um único depoimento no final de junho de 1992, pouco antes das prisões que ocorrerem em Guaratuba. Ela só voltou em cena no ano de 1998, quando foi ouvida no júri das Abagge. O seu relato lá é mais longo e detalhado, mas ao mesmo tempo também entra em algumas pequenas contradições se comparado ao anterior.
Por exemplo, no primeiro depoimento, Rachel disse que Evandro e os dois meninos chegaram a passar na frente da rua três vezes. Já na declaração em júri, ela afirmou que isso aconteceu apenas uma vez. Apesar de detalhes assim, no geral, o relato no julgamento é bem parecido com o que deu em 1992.
Ivan tentou contatar Rachel em 2023, na esperança de que, de repente, passados tantos anos, ela poderia ter descoberto quem eram as duas crianças que viu com Evandro. Infelizmente, ela recusou o convite e não quis falar com Ivan.
Por décadas, Rachel foi considerada mentirosa por muitos em Guaratuba que acreditavam que ela estaria inventando uma história para proteger assassinos de crianças. Afinal, o seu relato vai totalmente contra o que dizia a principal testemunha de acusação, Edésio, que afirmava ter visto Celina e Beatriz sequestrando Evandro naquela manhã.
Ainda no depoimento dela no júri, há um trecho que pode soar estranho para quem não conhece o caso a fundo. Em certo momento, quando está respondendo as perguntas do Ministério Público, Rachel diz que não se lembra de ter conhecido nenhuma criança de nome Eli.
Mas quem é Eli? Ele é a segunda testemunha do caso Evandro que foi ignorada, e que parece corroborar com a história de que o menino estaria com mais crianças no dia que desapareceu. E talvez ele seja outra ponta importante desse mistério.
Eli Gonçalves da Silva tinha 16 anos quando Evandro desapareceu. Ele morava na região perto do aeroporto de Guaratuba e trabalhava durante o dia em uma marcenaria, cujo dono era um homem chamado João. À noite, estudava em outra parte da cidade, no Colégio Joaquim Mafra, que fica praticamente do lado da Escola Olga Silveira. Ele costumava ir para o colégio a pé, após o serviço.
A primeira vez que Eli aparece no inquérito do caso Evandro é em um despacho datado do dia 14 de abril de 1992 – ou seja, três dias após o corpo ter sido encontrado. Nesse despacho, está escrito o seguinte:
Tendo-se noticiado que o menor Eli Gonçalves da Silva, de 16 anos, morador no Bairro Piçarras, ao caminhar em direção ao Colégio, foi abordado por um menino que afirmou haver sido vítima de rapto por um homem desconhecido, tome-se por termo suas declarações, em vista que poderá trazer meios para obter-se informações imprescindíveis à elucidação dos fatos.
Despacho sobre Eli Gonçalves da Silva (14 de abril de 1992)
Naquele mesmo dia 14, Eli foi ouvido na delegacia de Guaratuba pelo delegado local, o doutor Gilberto Pereira da Silva. O depoimento em si é confuso e bastante misterioso. Acompanhe abaixo:
No dia 7 de abril de 1992, terça-feira, um dia depois de Evandro desaparecer, quando o informante caminhava próximo da Escola Joaquim Mafra, no Bairro Canela, pela rua Joinville, em direção do ginásio da Cohapar às 19:00, apareceu um menino aparentando ter 7 anos de idade, o qual tinha características de cor morena, cabelos lisos, meio longo, com suas roupas apresentando-se sujas, o qual indagou ao informante se estava indo para a direção da Cohapar, sendo confirmado que sim, e naquele momento o menino citado disse que queria acompanhá-lo na direção da Cohapar; Que, no trajeto, o menino disse que um homem que conduzia uma carroça convidou-o para irem até o Posto de Gasolina comprar botijão de gás e que, como não tinha no posto, que era no centro, foram na direção da praia, afirmando que estava ele e mais alguns colegas; que o citado carroceiro levou-os para um local que disse não saber onde fica, e que o carroceiro disse que iria trazê-los outro dia; Que, o menino disse que a casa onde permaneceram não foi contado onde ficava e que havia uma espingarda e algumas roupas em cima da cama, e afirmou o menino que ele conseguiu fugir daquela casa com outros colegas quebrando os vidros da casa onde estavam guardados, e fugiram para um local, e que o carroceiro fugiu também para um mato após haverem o menino e seus colegas fugido; Que o menino perguntou ao informante se havia um menino que estava desaparecido, sendo confirmado pelo informante que sim, e diante do que foi confirmado ao menino, de que havia um desaparecido, ele disse ao informante que, quando ele estava na casa, ouviu quando o carroceiro disse que o menino desaparecido ele iria levar no outro dia às 11:00 não afirmando para onde iria levar o menino; Que, após haver o menino contado essas afirmativas ao informante, ao chegarem em frente da casa de Evandro, que estava desaparecido, o menino entrou naquela casa de Evandro, pelo portão da frente e, após o mesmo entrar na casa, o informante seguiu em frente para estudar no colégio que fica ali próximo; Que, ao retornar da aula, à noite, às 23:00 aproximadamente, o informante levou ao conhecimento de seus pais o que havia presenciado com aquele menino, e no outro dia o informante foi trabalhar na marcenaria e contou ao seu patrão Sr. João o que sucedeu-se no dia anterior, pedindo ao seu patrão que nada comentasse com alguém; Seu patrão Sr. João, disse ao informante que procuraria avisar as autoridades policiais sem procurar envolver o nome do informante; Que outro dia o informante foi procurado pelo tio do menor Evandro para procurar saber das informações que o informante soube daquele menino, sendo contado ao tio de Evandro como ocorreram os fatos narrados por aquele menino; Que o informante diz que aquele menino não é conhecido daquele bairro e nunca o viu por perto daquela escola municipal, onde o encontrou; Que o informante procurou ajudar a fazer busca para localização de Evandro.
Depoimento de Eli Gonçalves da Silva (14 de abril de 1992)
Eli relatou que encontrou esse garoto misterioso quando estava a caminho do colégio, localizado no bairro Cohapar. Essa é a região onde ficava a casa de Evandro, além de ser próxima de onde Leandro morava e do local onde os irmãos França foram abordados.
Apesar desse depoimento ser meio confuso, a história de Eli é citada uma última vez em outro relatório do Grupo Tigre, da Polícia Civil, que realizava as investigações sobre a morte de Evandro. Nesse relatório, que não é datado, há um resumo mais claro e outros detalhes sobre o que Eli teria conversado com o garoto misterioso que encontrou na rua:
Tomamos conhecimento através do menor Eli que, na data dos fatos, encontrou um menino bastante apavorado e correndo no bairro Cohapar, nas proximidades do Clube Canela, e que, segundo relato desse menino, o mesmo, em companhia de outro menino, tinham sido levados para uma casa juntamente com um terceiro menino loiro; que esse menino e o outro conseguiram fugir do interior da casa onde existia um elemento barbudo, tendo ficado para trás o menino loiro (que para fugir tiveram que quebrar o vidro da casa). Passamos a sair com o menor Eli em vários pontos da localidade Guaratuba e adjacências na intenção de localizar esse menino, inclusive junto aos estabelecimentos escolares, sendo que posteriormente fomos prejudicados nessa investigação uma vez que o pai do menor não mais autorizou a saída do menino alegando que o mesmo poderia ficar doente. O menor Eli foi submetido a hipnose junto ao Instituto de Criminalística onde foi elaborado um retrato falado do menino que o mesmo tinha visto na data dos fatos.
Relatório do Grupo Tigre citando história de Eli (sem data)
O retrato falado que Eli produziu não tem nada de marcante. É o rosto genérico de uma criança, sem maiores detalhes que poderiam permitir a identificação. E infelizmente, essa criança nunca foi encontrada.
Eli prestou depoimento no mesmo dia em que dona Maria, mãe dos irmãos França, fez a denúncia sobre o que teria ocorrido com seus filhos. Tudo isso estava acontecendo ao mesmo tempo, ou em períodos muito próximos: Rachel falando que viu Evandro andando com duas crianças, o relato dos irmãos França e o de Eli sobre o menino misterioso que encontrou na rua.
No júri das Abagge de 1998, a delegada Leila Bertolini, do Grupo Tigre, que comandava as investigações naquela época, chegou a fazer o seguinte comentário sobre o relato de Eli:
Eli foi ouvido e os dois outros meninos mencionados por ele não foram achados. Eli foi hipnotizado e fez um retrato falado. Que aventa-se a possibilidade de que Eli tenha fantasiado fatos.
Essa fala da Dra. Leila foi o que motivou Ivan a ir atrás de Eli. Por um lado, o jornalista acreditava que ela poderia estar certa, que ele teria inventado essa história. Por outro lado, a declaração dele parecia bater com o fato da babá Rachel ter visto dois meninos com Evandro no mesmo dia em que ele desapareceu. Há também o caso dos irmãos França, de Leandro e Aramis.
Portanto, seria um padrão? É isso que Ivan passou a chamar de “Hipótese das Duas Crianças”. Talvez, o assassino de Leandro e Evandro tinha planos de sequestrar e matar mais crianças nos dias que cometeu os crimes, mas não conseguiu. Aramis pode ter escapado, assim como os irmãos França e os garotos misteriosos narrados por Eli.
Mas tudo isso dependia de uma confirmação com o próprio Eli. Se ele falasse que tinha inventado tudo, que colocaram palavras na boca dele, Ivan deixaria essa hipótese de lado. Foi quando começou a tentar localizá-lo. Só tinha um problema: Eli não falava com ele.
O caso de Eli é diferente do de Rachel. Ela não quis falar, mas tinha dado um depoimento bem longo no júri de 1998. E não é que ele recusava os pedidos de entrevista. Quando Ivan o contatou pela primeira vez por uma rede social, ele nem respondeu, apenas o bloqueou. Isso foi em 2019, quando ainda produzia o podcast sobre o caso Evandro.
Ivan então pediu ajuda para um primo da testemunha, para que o colocasse em contato com Eli. Esse primo começou a responder, mas depois também o bloqueou.
Por anos, Ivan parou de incomodar Eli. Mas, em 2023, ele precisava tentar novamente. Tentou parentes, amigos, conhecidos. Nada. Conseguiu um número de telefone, que ele nunca atendia nem respondia por mensagens. No desespero, Ivan chegou a mandar um pix para ele com a mensagem “preciso falar com você”. Eli finalmente respondeu essa mensagem, perguntando sobre o que seria. Quando Ivan explicou que queria conversar sobre o caso Evandro, ele voltou a ignorá-lo.
Então, avançando nessa investigação, Ivan conseguiu alguns endereços, todos de Santa Catarina. Ele e a Natalia foram até um deles. Natalia bateu palmas no portão, e Eli apareceu. E não foi só isso. Dessa vez, ele aceitou conversar. Leia um trecho a seguir:
Ivan: Mas, olha, o senhor foi a entrevista mais difícil para eu conseguir na minha vida. Eu já entrevistei o Frederick Wassef, o advogado do Bolsonaro, mas você foi difícil.
Eli: Até ontem… Que nem eu comentei, né? Digo: “puxa, o cara…”. Mas só que eu falei: “não posso bloquear, não vou ser mal-educado”. Eu estava pensando: “o que eu vou falar?”. Falei: “ah, não quero, não tenho interesse em falar, não”. Só que a minha esposa… Tu vê como é, ela falou ontem: “amor, não vai demorar, eles vão bater aqui em casa”.
Ivan: Mas se você falasse: “olha, não quero”… É que você nunca falou que não queria falar, você sempre me bloqueava, mas tudo bem. Cheguei a fazer até pix para o senhor.
Eli: Isso eu vi. Eu até tenho que te devolver lá…
Ivan: Não, não, não. Fica aí… Fica aí pelo incômodo, tá bom?
Eli: Como diz, a gente não quer tirar vantagem nenhuma…
Ivan: Não, não é vantagem nenhuma.
[…]
Eli: Então, o meu nome é Eli Gonçalves da Silva. Eu tenho 47 anos. Nasci em Guaratuba e moro em Joinville.
Ivan: Primeiro, [queria] também agradecer pelo senhor vir falar com a gente aqui. De novo, a gente está fazendo uma investigação para o pessoal de Guaratuba, sobre o caso de Guaratuba. Não sei se o senhor viu que virou até série no Globoplay, virou…
Eli: Eu ouvi comentários, ainda não cheguei…
Ivan: Tá. Então, foi o meu trabalho que fez… A gente sempre teve essa dúvida sobre o teu relato porque era uma desconfiança até da delegada da época se você teria imaginado, inventado aquilo.
Eli: Sim…
Ivan: Não é o caso, pelo que o senhor está me falando.
Eli: Não. Não foi nada inventado.
Ivan: Tudo aconteceu… Isso aconteceu?
Eli: Isso.
Ivan: Então, o que o senhor lembra hoje em dia, passados 31 anos? Eu sei que faz muito tempo, mas eu até te passei os papéis também, né? Para ver se o senhor lembrava de alguma coisa. O que o senhor lembra, assim? Tenta desenhar para a gente a cena.
Eli: Eu lembro assim… Eu estava indo para o colégio, né? Eu não sei exatamente dizer o horário correto que eu estava indo. E, daí, nisso, ali no bairro do Cohapar, de Guaratuba, veio um menino correndo assim, atrás de mim e tal. Veio, me encontrou, meio assustado, e começou a conversar e falar sobre… Ele perguntou: “tu sabe sobre aquele negócio do Evandro, do menino?”. Daí eu falei: “sim, o menino sumiu e tal”. Daí ele começou a falar que… “Então, nós estávamos andando aqui, daí passou um cara de carroça, um senhor meio barbudo, e convidou para sair com ele buscar gás não sei onde, tal. A gente foi com ele, né? E ele levou a gente para uma casa, e daí de lá… Acho que a gente… Quebramos… Conseguimos quebrar a vidraça e fugir”. Mais ou menos isso que eu lembro, né? Daí eu não sei quantas pessoas tinha na casa mais… Se ele falou alguma coisa… Daí é isso. Ele falou: “e o menino sumiu, né, o Evandro?”. Eu falei: “é, está sumido”. Daí eu fui acompanhando o menino e conversando assim, né? Daí, de lá, fui para a escola e ele foi para… O bairro que ele indicou é lá para o lado do Carvoeiro, ali onde mais ou menos o carroceiro foi com eles e tal…
Ivan: O senhor não lembra de ele ter entrado na casa do Evandro, então?
Eli: Não. Não lembro de ele ter entrado. Eu lembro que ele entrou em algum lugar, mas não sei…
Ivan: O senhor sabia onde era a casa do Evandro?
Eli: A casa do Evandro, eu não sei exatamente onde é. Eu sei que ficava um pouquinho para frente da minha escola ali, eu acho…
Ivan: Mas, assim, na época, você não saberia dizer: “ah, é aqui que mora o Evandro”? Você não conhecia o Evandro?
Eli: Não, não conhecia.
Ivan fez essa pergunta específica porque, no depoimento original, Eli dizia que o menino misterioso teria entrado na casa de Evandro. Esse detalhe nunca fez muito sentido, pois, a princípio, Eli não saberia onde exatamente a família Caetano morava. Além disso, tudo isso teria ocorrido em 7 de abril, dia seguinte ao desaparecimento do garoto. Pelos relatos, a casa estava cheia de policiais, jornalistas, pessoas que se mobilizaram para ajudar nas buscas.
Ivan: Nem a família dele, nem nada?
Eli: O pai dele… A gente conhecia assim, só de vista, mas nada de…
Ivan: Sim. E daí, então, o senhor foi para a escola, e ele continuou em direção…
Eli: É, ele continuou indo e entrou numa rua lá, daí eu não sei para onde que…
Ivan: Para onde foi. Ele não falou para onde estava indo?
Eli: Não. Não falou…
Ivan: Nada disso.
Eli: Que eu lembro, não.
Ivan: E vocês… Daí, ok. Você fala isso no dia seguinte para o seu chefe.
Eli: Isso. Como eu trabalhava com um senhor lá na marcenaria de artesanatos em Guaratuba, eu passei para ele, relatei o que tinha acontecido, né? “Poxa, ontem eu estava indo para a escola, um menino assim e assim…”. Contei toda essa história para ele. Aí ele disse: “pô, sério, cara? Onde foi isso?”. Daí, começou a especular… Falei: “foi assim e tal”. “E quem é o menino?”. Eu falei: “eu não sei, eu nunca vi, não conheço”. O menino aparentava ser uns três, quatro anos mais novo do que eu. Aí…
Ivan: É que o senhor tinha 16 na época…
Eli: É, acho que o menino devia ter mais ou menos uns 13 anos, por aí…
Esse é um bom exemplo de como é complicado falar com pessoas 30 anos depois de um ocorrido, e o motivo pelo qual sempre é melhor se basear nos relatos mais antigos, mais próximos dos fatos. No depoimento original, Eli falava que o menino aparentava ter sete anos – e não 13, como ele parece se lembrar agora. Com o passar dos anos, especialmente em casos rumorosos, as memórias se alteram muito.
Eli: Daí, ele [o chefe João]… “Ah, então vou falar para o pai do menino”. Até eu falei para ele: “não, isso aí é bobeira, às vezes o menino está inventando história e tal”. “Não, não, cara, mas essa história é muito… Coisa para ser inventada? Eu acho que isso aí é tudo…”. Que o João, acho que ele é meio parente do pai do Evandro, se eu não me engano, ou conhecido. Só sei que ele falou: “não, eles estão desesperados”. Ele falou: “pensa na tua família… A família desesperada querendo pista, e essa tua pista pode ser importante”. Daí eu falei: “quer falar, fala”. Mas eu falei: “eu acho que é bobeira e tal”. E ele foi na casa deles lá e falou com eles. Aí à tarde vieram os pais do Evandro, vieram conversar comigo. Contei toda a mesma história e tal, e dali em diante começou a polícia a todo tempo na minha casa, e repórter, pessoal querendo saber sobre toda… Daí eu contava sempre a mesma… Daí até o meu pai ficou… Porque a gente já não tinha mais… Era de manhã, de tarde, de noite, na hora de almoço, qualquer horário. Às vezes até eu estava almoçando e tinha que sair da mesa para… Daí o meu pai falou: “não, é a última vez, ele não vai falar mais nada. O que ele tinha que falar, já falou, e isso é coisa de criança e tal”. Mas só que tudo já estava… Daí eu fui para Paranaguá para ver se eu conseguia fazer o retrato falado…
Ivan: Foi em Paranaguá que o senhor fez? Não foi em Curitiba?
Eli: Não. Eles me levaram para Paranaguá.
Ivan: Tá.
Eli: Até o meu pai foi junto, como eu era menor. Só que ele não entrou junto comigo na sala, né? Daí lá eu sei que eles me fizeram a hipnose, que fizeram eu dormir e me perguntaram… Até a única coisa que eu lembro é que a mulher me perguntava… “Ah, você está vendo um gato assim e assim, está subindo a escada, tal…”. Mais ou menos…
Ivan: Ia guiando.
Eli: Isso. Aí dali eu já não lembro muito mais o que eu falei. Eu só sei que, quando eu acordei, saí com esse retrato falado aí do menino…
Ivan: E o senhor chegou a olhar o retrato falado e alguma lembrança ativou?
Eli: Eu olhei… Umas coisas assim…
Ivan: Você falou: “não, é esse menino mesmo, ele parece”.
Eli: É meio parecido. Mas como eu não conheço o menino, não sei nem…
Ivan: Não sabia dizer. É porque o rosto do menino… Ele parece uma criança normal, assim. Não tem nada de mais, né? Então…
Eli: Daí o que eles conseguiram tirar foi isso, né? Daí quando eu acordei… Aí eu não sei se comentei mais alguma coisa que eu lembrava, né, então…
Ivan: Não, mas isso daí é o que está no depoimento. O senhor me falou também que em algum momento chegou a fazer rondas com a polícia à procura do menino…
Eli: Ah, sim, a gente fez…
Ivan: Quantas vezes vocês fizeram isso?
Eli: Eu acho que a gente fez umas quatro vezes, mais ou menos.
Ivan: Como era? A polícia chegava na sua casa…
Eli: É, eles iam na minha casa, me buscavam, geralmente uns dois policiais, às vezes tinha uma mulher junto. Aí a gente saía pelos bairros ali onde… Mais para ver se eu encontrava o menino que me contou a história, né? Tipo, nos bairros ali, no Canela, na Cohapar, Carvoeiro, aqueles próximos da… A gente andava por ali tudo…
Ivan: Aham, e nunca…
Eli: Às vezes, assim, parava alguém meio conhecido e eles… “Não é esse ali o menino? Você não lembra?”. Daí… “Não, não”.
Ivan: Chegou a ir para escolas, para entrar em salas de aula, para ver se reconhecia alguém?
Eli: Eu não lembro se eu estive ou não em sala de aula, mas eu acho que até estive sim.
Ivan: Porque eu não sei como o senhor é, mas se eu estivesse numa situação como o senhor passou, eu não conseguiria reconhecer essa pessoa. Eu sou péssimo para rosto…
Eli: Eu também, eu também não tenho muita…
Ivan: E é uma coisa tão grave assim, eu não saberia dizer quem foi a criança que eu vi exatamente num momento desses, então… Na hora, o senhor, quando estava ali andando com o menino, não chegou a pensar em de repente: “não, mas vamos falar com alguém, vamos tentar te ajudar”? Ou nem…
Eli: Isso… Eu acho que no momento não veio isso na cabeça. Até se viesse, de repente a gente conseguia… Se eu tivesse, digamos… “Ah, puxa, o menino está me contando algo que pode ajudar, eu vou mais a fundo”, mas não veio assim. Não sei se por ser também novo ainda e não ter a experiência… Daí eu não me interessei muito em especular mais, saber mais casos, olhar bem como era o menino. Entendeu? Como o cara falou para mim: “e se é com a tua família?”. Talvez eu já tivesse mais… “Poxa, esse cara me falou algo aqui que…”. Mas como a gente nunca… Uma cidade que era pacata, não tinha… A gente não tem…
Ivan: Nem pensava nessas coisas. Você já estava sabendo que o Evandro estava desaparecido, naquele ponto? Já tinha noção?
Eli: Eu sabia. Aham. Mas não sabia o motivo. Até, na época, os pais assustavam muito a gente, né? A gente vivia nessa de…
Ivan: É. E eu imagino assim, de você estar andando numa rua, daí chega um menino do nada e fala: “posso andar com você, que eu estou com medo?”. Foi uma história mais ou menos assim, né? Bizarro, né? “Anda aqui, qual o problema?”. E, desde então, nunca mais… O teu pai falou que não era mais para sair com a polícia, que já estava de saco cheio. Desde então, alguma outra vez essa história voltou? Alguém veio perguntar? Alguém veio com uma lembrança?
Eli: Passou um tempo… Teve mais gente na minha casa querendo saber se podia conversar comigo e tal, mas eu acredito que não…
Ivan: Seu pai não deixou?
Eli: Não, não conversei. Ou, se conversei, foi assim… Só contei a história e depois não…
Ivan: Não teve nada de mais.
Eli: Não, não teve mais nada de…
Ivan: Nunca te… Sei lá…
Eli: É que o meu pai… O medo do meu pai era o seguinte… É que chegava tanta gente lá em casa dizendo “sou repórter, sou isso, sou aquilo”. Como a gente é de família simples, eles não entendem, não sabem. Daí eles tentavam preservar a família.
Ivan: Claro.
Eli: Eu não sei quem… Se é polícia mesmo, se é repórter, se é… Então, o medo dele era isso.
Ivan: Sim. Eu fico… Eu te faço essa pergunta mais porque tem pessoas que deram relatos importantes na época, que ajudariam a solucionar o crime, que eram pistas sérias. Mas depois das prisões da mulher do prefeito, da filha do prefeito, isso aí foi tudo jogado fora. Então, tinha muita gente que era chamada de mentirosa, que estava inventando… O senhor nunca foi chamado de mentiroso, que estava inventando? Nada disso?
Eli: Nunca fui…
Ivan: Nunca foi atacado por ninguém?
Eli: Não. Nada, ninguém nunca…
Então, Eli confirmava a história. E é só isso mesmo: ele se deparou com um menino na rua que falou tudo aquilo para ele, e acabou. Nunca mais foi encontrado nada. E justamente por ser uma história frustrante, e que exigiu tanto dele na época, ele é avesso a repeti-la para um jornalista que não conhece.
Mas as dúvidas óbvias que surgem a partir disso são: então, quem é esse menino? Por que ele nunca apareceu em 30 anos?
Primeiro, existe uma grande possibilidade de que esse menino misterioso não se lembre mais do ocorrido, ainda mais se era uma criança de sete anos. Especialmente se os pais mandaram ele ficar quieto, com medo de que alguma coisa pudesse acontecer. Ou ainda, pior, se ele nem contou nada para os pais, com medo de sofrer um castigo, do tipo “onde já se viu você sair com um desconhecido na rua?”.
Pelo menos no caso dos meninos emasculados de Altamira, que Ivan investigou na temporada anterior do Projeto Humanos, essa não era uma situação incomum. Muitas famílias tinham medo de denunciar alguma coisa que o filho passou. A lógica era: “se voltou para casa vivo e se está bem, não temos motivo para procurar autoridades”.
Ivan conta que chegou a ouvir o relato de uma fonte sobre uma pessoa, moradora de Guaratuba, que era criança na década de 1990. Essa pessoa dizia ter ficado presa junto com o Evandro na ocasião do crime. O problema é que ela não tem condições de falar por questões familiares, e o seu relato não poderia ser 100% confiável. É possível que ela tenha inventado tudo isso. Não há como saber.
O que Ivan sabe é que a história de Eli é verdadeira, que ele não a inventou.
Ivan: […] Não sei, Eli, se tem alguma outra lembrança assim que… Porque foi só isso, né? Você só encontrou o menino…
Eli: É, encontrei o menino…
Ivan: Falou com a polícia…
Eli: Isso. A história que ele me passou foi essa, né, que daí… Realmente eu lembrei que ele me falou alguma coisa mesmo de estar na casa, e daí ter quebrado a janela e fugido…
Ivan: Ele chegou a falar onde era essa casa?
Eli: Ele apontou para o lado do Carvoeiro ali, né, que é o bairro… Hoje eu não sei se ainda continua esse nome lá. É um bairro que tinha ali, que era uma rua de areia lá, lá era onde… A maior parte dos problemas de Guaratuba era ali, né?
Ivan: Aham, sim.
Carvoeiro é a região do matagal onde os corpos de Evandro e Leandro foram encontrados.
Eli: Então, ele me apontou ali. “A gente foi ali para…”. Mas só não apontou casa, nada. Só falou que…
Ivan: Só falou: “foi para aquele lado lá”?
Eli: Que tinha saído com a carroça, e ele falou que ia buscar gás…
Ivan: Ele falou que… Dava a entender que ele tinha acabado de sair daquela casa ou que ele estava circulando há um tempinho? Você tem uma ideia?
Eli: Então, quando o menino falou de buscar o gás… “Vamos na carroça buscar o gás”… Eu só não lembro se eles saíram da casa com o homem para buscar o gás, ou se o homem levou eles, que ia buscar gás, e levou eles para casa. Isso aí que eu não…
Ivan: Não lembra. Mas, quando você encontrou ele, parecia que ele tinha acabado de fugir da casa?
Eli: Parecia, porque ele veio andando, veio atrás de mim correndo assim, né? Então…
Ivan: Como se estivesse fugindo de…
Eli: Isso. Até na época eu indiquei para a polícia a rua de onde o menino veio. Nós andamos por tudo lá e não…
Ivan: Aham. E nada foi… Tá. Tá certo. Seu Eli, era isso. Só tenho…
Eli: O que eu lembro é isso. Foi uma história que o menino me contou, e eu passei isso para a polícia, passei sempre a mesma… Claro que tem umas coisas que eu não estava lembrando, mas realmente…
Ivan: Aham. Não, mas é… Tudo bem, se é isso que o senhor sabe. O que eu mais precisava era confirmar que essa história era verdadeira, que isso aconteceu. Porque, se não fosse, não teria consequência nenhuma para o senhor. Já passaram 30 anos…
Eli: Não, mas foi realmente isso que aconteceu…
Ivan: Então existiu esse menino.
Eli: Existiu o menino e existiu o João, que era o meu chefe, e teve todo esse…
Ivan: Esse desdobramento.
[…]
Com tudo isso, Ivan trouxe à tona a hipótese das duas crianças. É possível que Leandro e Aramis não tenham sido coincidência, especialmente quando pensamos no contexto trazido pelos irmãos França e nos relatos das crianças que estariam com Evandro no dia do desaparecimento. Essa hipótese levanta a possibilidade de que o assassino teria interesse em fazer mais vítimas.
Mas é importante também deixar claro os furos dessa hipótese. E eles são os seguintes:
Primeiro, Ivan está olhando muito para a região da Cohapar, especificamente a área entre o colégio Olga Silveira e a Associação dos Fiscais, que lhe parece ser onde o assassino transitava para buscar vítimas. E essa região não é muito próxima da Praia Central, o local onde ocorreu o show do cantor Moraes Moreira. Logo, se Aramis – ou até mesmo Leandro – sumiu durante o show, isso já seria uma quebra de padrão.
Outra coisa é a vitimologia, ou seja, o estudo do perfil das vítimas. Leandro e Evandro tinham entre seis e oito anos, eram meninos loiros de olhos claros. Dos irmãos França, Fernando se encaixava nesse perfil físico, pois, mesmo tendo 11 anos, era pequeno e aparentava ser mais novo. Cleyton, o outro irmão, já não possuía as mesmas características. E Aramis também não tinha olhos claros.
Ao mesmo tempo, não se pode ignorar um fato importante: crianças brancas e loiras de olhos claros não são incomuns no Paraná, especialmente mais para o Sul, como é a região de Guaratuba. Ou seja, pode ser que essas características físicas sejam mais coincidências, e não exatamente perfis que o assassino procurava.
Os horários também são um pouco divergentes: Leandro pode ter sumido de manhã ou de noite. Evandro sumiu de manhã. Os irmãos França teriam sido perseguidos após o almoço, no início da tarde. E, por fim, não é possível confirmar que o caso deles tem qualquer relação com os de Evandro e Leandro.
Ivan ressalta uma questão importante levantada por alguns especialistas de casos em série com quem conversou. Às vezes, todos ficam procurando padrões demais, esperando que tudo se repita exatamente da mesma forma. Nem sempre é assim. Na criminologia, existe uma teoria chamada “Triângulo do Crime”, que basicamente afirma que, para que um crime ocorra, são necessários três elementos:
• um indivíduo motivado a cometer um crime;
• uma técnica que o criminoso domina, e que permite que ele cometa tal ato;
• e, por fim, uma oportunidade. É aquele momento e local ideal em que ele se vê em condições de fazer o que quer.
É nesse terceiro elemento que as coisas podem variar mais. Pode ser que o assassino se concentrasse naquela região do colégio Olga Silveira, mas que também buscasse oportunidades em outros lugares.
E, sobre a técnica, pode ser que ele tentasse levar primeiro uma vítima, depois outra – como seriam nos casos de Leandro e Aramis. Pode ser que depois tenha mudado, agindo para pegar mais de uma criança de uma só vez. Isso pode ter acontecido com os irmãos França e Evandro, que teria sido visto com outros dois garotos.
Ivan sente que esses são elementos difíceis de se ignorar, pois em conjunto eles parecem desenhar um quadro diferente do que se viu durante todos esses anos. Mas pode ser também que tudo seja resultado de um pânico generalizado. Quando a população fica apavorada, qualquer detalhe pode ser assustador.
Durante a produção dessa temporada, Ivan contratou uma equipe de três jovens jornalistas para fazer uma pesquisa na Biblioteca Pública do Paraná. Durante seis meses, Breno Antunes, Mavi Bruzamolin e Raissa Micheluzzi vasculharam todos os jornais policiais do Paraná desde 1980 até 1992, catalogando todos os casos de crianças mortas.
Ivan pediu para eles fazerem isso com base na crença de que, muito provavelmente, o assassino de Evandro e Leandro não parou só neles. Se foi a mesma pessoa, deve ter feito mais vítimas.
Na procura pelos casos paranaenses, a equipe encontrou um ou outro caso que chamava a atenção, mas nada muito evidente. Essa pesquisa foi importante para tirar essa dúvida, mas não foi conclusiva.
Mais uma vez, o ideal seria ter um banco de dados feito pela própria polícia sobre crimes contra menores nesse período – o que não existe. Pode ser que casos aconteceram no interior do Paraná, por exemplo, ou até mesmo em outros estados vizinhos, mas nunca foram publicados em nenhum jornal.
Pode ser que as outras crianças que sumiram na época, e cujos casos ainda estão em aberto, tenham sido vítimas. Pode ser que ossadas encontradas de crianças muitos anos depois dos desaparecimentos sejam vítimas do mesmo assassino. É impossível fechar essas pontas sem mais informações.
UM NOVO CASO SEMELHANTE
Se o assassino de Evandro e Leandro fez outras vítimas, muito provavelmente conseguiu sair ileso de qualquer outro assassinato que tenha cometido. Mas, então, algo novo apareceu.
Era setembro de 2021. Ivan estava produzindo a temporada anterior do Projeto Humanos, sobre o caso dos meninos emasculados de Altamira. O resultado do novo DNA de Leandro Bossi ainda não tinha saído.
Ivan acompanhava pelo YouTube as transmissões do Grupo de Trabalho do Caso Evandro, uma iniciativa da Secretaria de Justiça do Paraná após a exibição da série no Globoplay. Ele explicou melhor sobre esse esforço do governo paranaense no episódio 1 do prelúdio.
No dia primeiro de setembro de 2021, o doutor Paulo Markowicz, o último promotor responsável pelas acusações do caso Evandro, deu seu relato para o Grupo de Trabalho.
Em sua fala, que serviu como uma forma de representar a família de Evandro, que se recusou a participar, ele reforçava sua convicção da culpa dos sete acusados, mesmo após a revelação das fitas de tortura. E então, em certo ponto, no meio dos slides, ele apresenta uma coisa que Ivan não conhecia.
E é importante reforçar que isso tudo ele está falando antes de existir a confirmação de que a ossada encontrada em Guaratuba em 1993 era de Leandro Bossi. Ele ainda se baseava na história da confissão falsa do pai de santo Osvaldo Marcineiro, dizendo que teriam jogado Leandro na baía de Guaratuba.
Leia abaixo a transcrição do trecho:
Paulo Markowicz: É, mas já estou quase finalizando, Dr. Olympio. Eu agradeço, agradeço sua intervenção. A hipótese de que seria um serial killer, que é lançada na minissérie… Para mim, se é assassino serial, eu acho que são vários assassinos. Porque, na verdade, o que acontece? Vários assassinos, eu digo, com o mesmo modus operandi. Vejam, Leandro Bossi desaparece em fevereiro de 1992, durante o show de Moraes Moreira. Aí tem todo aquele indicativo de que poderia ter sido sacrificado, enfim, tem aquela confissão naquela fita do Osvaldo, dizendo que jogaram na baía de Guaratuba; e inclusive isso foi motivo para que a Polícia Federal fizesse uma investigação, inclusive com interceptações telefônicas, que inclusive tem conteúdos interessantes para investigar a morte do Leandro Bossi. Inclusive o Delegado era o Dr. Rogério, que eu lembro à época, ele pediu até que mergulhadores… Só que os bombeiros não chegavam porque é muito fundo ali na região da baía, os bombeiros não conseguiriam, para tentar achar restos mortais do Leandro. O inquérito acabou sendo arquivado, está arquivado. Mas enfim, tinha o Leandro Bossi, e antes de Leandro Bossi e depois de Evandro, em abril, crianças em Curitiba desapareceram. Guilherme Tiburtius, Everton Gonçalves e outros que eu não lembro agora, mas o que chama atenção é que nós juntamos o processo – pode ir adiante, me perdoem se choca a imagem, pode parar aí, pode aumentar. Essa é a Sandrinha, a Sandra, que ela é encontrada em Fazenda Rio Grande em 1989, escalpelada, sem todo o rosto, a face, o couro cabeludo e, pior ainda – pode ir adiante, a foto em baixo, por favor, aumenta um pouquinho – sem as duas mãos.
[pausa]
Paulo Markowicz: Pode tirar, acho que não precisa mais isso. Então, nesse caso é espantosa a similaridade, me perdoem, mas é espantosa, pelo menos quanto a dois elementos de Evandro: a questão da ausência do couro cabeludo, toda a face extraída e as duas mãos amputadas. Então, vejam, a questão de lançar hipóteses é uma coisa, não vou dizer assim: “olha, não, não tem, eles são os responsáveis”. O que eu posso dizer é que, em relação a Osvaldo e Vicente, essa convicção ninguém me tira; são eles. Convicção pessoal, absoluta; esses dois participaram do sacrifício de Evandro. Os outros, certeza processual? Certeza processual, convicção. Agora com relação a esses dois, eu tenho a convicção pessoal que eles participaram da morte de Evandro.
Trecho da transmissão do Grupo de Trabalho do caso Evandro (2021)
Várias coisas são chocantes nessa fala do doutor Markowicz. A primeira é essa aparente inferência que ele faz de que Osvaldo Marcineiro e Vicente de Paula Ferreira, dois dos acusados do caso Evandro, estariam por trás deste outro, de 1989, ocorrido em Fazenda Rio Grande, na região metropolitana de Curitiba. E Ivan já adianta: não há nada que os ligue a esse crime.
A segunda coisa que impressionou muito foi o caso em si. Como assim havia ocorrido uma morte tão parecida com a de Evandro, e Ivan nunca ficou sabendo?
E a terceira coisa, talvez a mais importante: em sua fala no Grupo de Trabalho, Markowicz partia dos suspeitos do caso Evandro para dizer: “olha aqui esse crime muito similar, eles devem ser os responsáveis também”.
Mas o caminho tinha que ser outro. Se esse caso de 1989 era realmente tão parecido, Ivan precisava olhar primeiro para ele, para então poder tirar qualquer conclusão. Foi o que ele fez. E, a partir desse momento, tudo mudou.