Wiki de Altamira

Extras Episódio 25

A HISTÓRIA DE VALENTINA

As buscas por informações sobre Valentina de Andrade na internet, livros ou autos de processo, geralmente resultam em materiais produzidos por terceiros. São raras as ocasiões em que a líder do Lineamento Universal Superior (LUS) fala por si mesma. Neste episódio, pela primeira vez, ela compartilha a sua história com detalhes.

Mas antes alguns avisos são necessários:

  • Este episódio é um documento histórico relevante para todo e qualquer pesquisador interessado em entender melhor a Valentina, o Lineamento e os casos de Guaratuba e Altamira.
  • O registro de histórias orais apresenta um problema: não é possível verificar a veracidade de tudo o que a entrevistada contou. Há, por exemplo, coisas muito íntimas, com pessoas que já faleceram. 
  • Quando Ivan Mizanzuk conversou com Valentina, ela já estava com 90 anos de idade e apresentava uma série de problemas de saúde. Apesar de bastante lúcida, às vezes tinha dificuldades de lembrar detalhes específicos, como datas ou determinados eventos. 
  • Em assuntos de espiritualidade ou religiões em geral, Ivan se diz cético. Mesmo assim, é fascinado pelo tema e sempre buscou demonstrar respeito por todas as crenças. Com Valentina, não foi diferente. Ele ouviu suas ideias sem qualquer tipo de julgamento.

A saga de Ivan para entrevistar Valentina começou em 2018, enquanto ainda produzia o Caso Evandro, a temporada anterior do Projeto Humanos. A primeira tentativa foi através do doutor Arnaldo Faivro Busato Filho, que a representou no júri de Altamira. Ele é advogado dela até hoje.

Busato se mostrou disposto a fazer a ponte com Valentina, mas ela não retornou as mensagens. Após muitas conversas, Ivan conseguiu o contato de um argentino chamado Fabian, um dos filhos da líder do LUS. Aqui já vale a explicação: todo seguidor dela é denominado “filho”. Os membros do Lineamento, por sua vez, a chamam de “mama” ou “mamãe”.

Na ocasião, Fabian explicou que Valentina não estava interessada em dar entrevista. Como justificativa, ele apontou o receio da exposição, além do fato dela já estar idosa e com saúde frágil.

No início da pandemia, em meados de 2020, Ivan tentou mais uma vez. Sem sucesso, ele desistiu.

Mas, então, em maio de 2021, o Caso Evandro estreou na Globoplay. Depois que a série terminou, Ivan foi surpreendido por uma mensagem no Twitter, enviada por um homem chamado Alex Roberto. Ela dizia:

Olá Ivan, boa tarde. Sou filho da senhora Valentina De Andrade. Sei que o Fabian tem falado com você, mas minha mãe pediu para que eu entrasse em contato com você diretamente. 

Em seguida, Alex mandou uma cena da série do Caso Evandro: uma gravação que mostra Valentina saindo do aeroporto, acompanhada de um rapaz. No print, esse homem estava circulado em vermelho. “Sou eu quem aparece nessas imagens”, disse ele. 

Roberto Alexandre Andrade Olivera – ou Alex Roberto, como prefere ser chamado – não é um “filho” seguidor de Valentina. Ele é filho adotivo dela. 

Ivan passou seu telefone para ele e, finalmente, um contato direto foi estabelecido. Toda vez que ligava para Valentina, ela estava acompanhada de seguidores ou do próprio Alex. Eles queriam se certificar de que ela não teria nenhum incômodo, além de ajudá-la com coisas simples, como lembrar alguma informação ou pegar um copo de água. 

No total, foram mais de 10 horas de conversas gravadas com Valentina e outras pessoas ligadas a elas. Para narrar essa história da melhor forma possível, o Projeto Humanos contou com a ajuda da roteirista Ludmila Naves, com quem trabalhou na série do Caso Evandro. A maior parte deste episódio foi planejado e escrito por ela. 

Além de Ludmila, Luan Alencar, da Maremoto Podcasts, auxiliou na edição e cortes dos trechos.

ATO 1: A MENINA SEM MÃE

Era junho de 2021 e, a essa altura, Ivan já tinha lido, visto e ouvido tudo que caía em suas mãos a respeito de Valentina: desde a biografia, o livro escrito por ela, os autos de processos, até os vídeos do Lineamento. Todos esses elementos alimentavam a curiosidade pela persona e a especulação sobre quem realmente era essa “líder”. Mas tudo fica diferente ao ouvi-la no telefone. 

“Eu nasci em Carazinho, Rio Grande do Sul, no dia 28 de setembro de 1931. Meu nome real é Valentina de Andrade Albuquerque”, começou ela. O “Albuquerque”, segundo a entrevistada, vinha do pai, que pertencia a uma família rica da cidade. 

A líder do LUS diz ter sido fruto de um caso rápido entre sua mãe, que seria uma prostituta, e esse homem abastado, que era casado e já tinha filhos. 

“Foi um caso acontecido entre aquela que eu chamava de mãe… Chamava porque eu fui filha, mas ela nunca foi mãe. Eu nunca fui querida. Nunca ela me disse ‘minha filha’. Nunca me chamou de Tininha. Porque Valentina, Tininha… Diminutivo… Jamais”, desabafou.

Valentina não foi um bebê planejado. E, após nascer, também não se tornou um bebê desejado. Ela lembra de muitos momentos difíceis com a mãe, como a recusa por carinho e o desprezo pelo qual era tratada. A relação entre as duas foi tão problemática que até hoje a filha se nega a chamá-la de “mãe”, e se refere a ela apenas como “mulher”. 

A líder do LUS não teve irmãos. Ela só viu o pai uma vez de relance, aos cinco anos de idade, quando morava com a mãe em Carazinho. Na ocasião, ele parou na frente dela, deu uma rápida olhada e foi embora. Seguiu com a vida.

Como o pai pertencia a uma família de prestígio, a “mulher” conseguiu algum recurso após processar os Albuquerque. A entrevistada se recorda do momento em que a mãe recebeu de uma advogada um envelope cheio, determinando que a quantia fosse usada para custear os estudos da filha.

“Mas eu não a condeno porque ela pegou o dinheiro, me largou na casa de um parente e sumiu para o mundo. Gastou tudo, e a Valentina nunca pôde estudar”, disse, citando a si mesma na terceira pessoa.

Ela tinha interesse em conhecer o pai, mas nunca perguntou sobre ele por respeito à mãe, que não queria tocar no assunto. Depois daquele dia em Carazinho, ela nunca mais o viu.

Quando criança, Valentina não se sentia cuidada ou amada. Em sua biografia, ela escreve:

“Amor! Ah, como eu queria ser, ainda que, amada. […] Ouvir minha mãe cantando para que eu adormecesse! Quanto ansiava que ela me contasse historinhas de fadas, castelos, príncipes e bichinhos… Ah, como eu queria ouvir, uma vez que fosse: Minha filha querida.”

Mas a realidade era bem diferente. Além de não receber nenhum tipo de afeto e se sentir abandonada, Valentina teve que enfrentar a tentativa da mãe de prostituí-la – o que ela se orgulha de jamais ter feito. A “mulher” a ensinou da pior forma o que não ser e como não se comportar.

“Com ela eu aprendi tudo o que não presta e coloquei de lado, sabendo por conta própria que aquilo não servia. O que é bom eu reservei. Eu sou semianalfabeta, não tive estudo, sou autodidata. Eu não tenho lembranças boas, salvo uma ou duas, na minha vida”, relatou.

A sensação, ao conversar com Valentina, é de que ela tem uma mágoa muito grande da mãe, mas ao mesmo tempo um enorme respeito. É um conflito que passa os limites da própria relação entre as duas. 

Várias vezes durante as entrevistas, a líder do LUS fazia questão de dizer que sempre foi uma mulher correta, uma boa dona de casa, e que nunca traiu nenhum marido. Como se fizesse questão de deixar claro que é o oposto da mãe.

A “mulher” morreu em 1975.

Muito antes disso, aos 18 anos, Valentina se casou pela primeira vez e, logo em seguida, teve uma filha – sua única filha biológica. Por volta de 1952, ela se mudou para Londrina, no norte do Paraná, com o marido Marcos e a menina.

Na cidade, o então companheiro conseguiu um trabalho como gerente do Hotel Monções, enquanto Valentina conquistou uma vaga de telefonista. A mãe dela e o padrasto também estavam em Londrina, e isso a animou.

Mas a expectativa de construir uma vida nova, uma vida melhor, durou pouco. Segundo Valentina, Marcos começou a roubar dinheiro do hotel, e ela o denunciou para o proprietário. O marido não gostou da reação da esposa e, a partir daí, a relação entre os dois desmoronou. Logo veio a separação.

Nessa época, ela tinha ouvido falar que a banda de um clube importante da cidade precisava de uma cantora. Interessada no trabalho, Valentina descobriu que o dinheiro era bom e marcou um teste com o maestro. No fim, foi aprovada e começou a atuar como crooner – um cantor ou cantora que se apresenta à frente de uma orquestra.

Os bailes eram muitos e o clube já não conseguia mais dar conta da confecção dos convites distribuídos para os associados. O funcionário responsável, chamado Duílio, precisava de ajuda. Foi então que Valentina passou a auxiliar na tarefa, datilografando os papéis que ele lhe entregava.

E assim ela conheceu quem viria a ser o seu segundo marido: Duílio Nolasco Pereira. O mesmo homem que, anos mais tarde, diria que a encontrou em Altamira na década de 1980, e que ela estava completamente mudada. Tinha seguidores e era tratada como “líder” de um grupo, que parecia venerá-la.

Mas isso é lá na frente. Aqui ainda era o início dos anos 50. Valentina se casou com Duílio pouco tempo depois de conhecê-lo, em 1953.

“Eu o amava muito, sabe? Eu o amava mesmo. Eu, quando amo, pareço carrapato, grudo. E procuro fazer tudo, tudo, tudo o que o meu marido quer, para que ele seja feliz. Nunca pensei em ser feliz. Eu sempre pensei em fazer feliz, fazê-lo feliz”, disse.

Prova disso é que ela decidiu abandonar a carreira como crooner, que tanto gostava, depois de uma ameaça de Duílio. Se a esposa continuasse a cantar, ele iria deixá-la. “Mas foi tudo bem, foi tudo bem. Apenas que eu chorava muito, engolia as lágrimas. Eu engolia quando tocavam as músicas que eu cantava”, completou.

Apesar do desejo de manter a carreira musical, Valentina nunca se viu como uma cantora de sucesso, viajando para várias cidades, sempre na estrada, sem criar vínculos. Ela queria uma família. Queria cozinhar para os filhos e cuidar da casa.

Por isso, resolveu morar junto com a filha e o marido em uma residência alugada em Londrina. Não demorou muito, porém, para que a experiência se tornasse traumática. Um dia, ela saiu levar doce para a mãe e, quando retornou, se deparou com uma cena terrível.

“Não se costumava fechar a porta, não tinha ladrão, nada. Quando eu voltei, ele [Duílio] estava deitado no chão espiando a minha filha de 11 anos tomando banho. Mas você não sabe o choque que eu levei”, relatou.

Ela confrontou o marido, que tentou despistá-la, dizendo que estava apenas procurando por um botão da camisa, que ele havia perdido. “Eu não sabia o que fazer. Dinheiro para ir embora eu não tinha. Eu queria levar a minha filha, lógico. Eu não tinha dinheiro suficiente para ir embora dali. Comecei a chorar, chorar, chorar. E, dali em diante, eu comecei a vigiá-lo”.

De acordo com Valentina, Duílio chegou a ser internado depois de protagonizar vários episódios complicados na família. Em um deles, ele ameaçou a esposa com uma faca e, em seguida, cravou a arma em uma caixa de som que estava ao lado dela. Agora, ao olhar para trás, ela define a vida com o ex-marido como uma “catástrofe”. 

Durante o casamento conturbado entre os dois, no começo dos anos 60, Valentina foi até Presidente Prudente, cidade do interior de São Paulo. Lá, teve a sua primeira experiência com o mundo “místico” ao conhecer Zezinho, um médium espírita famoso na região, que conduzia processos de cura. Ela diz ter viajado para o município justamente devido à curiosidade que tinha em relação a esses assuntos.

Em uma das sessões, ela foi apresentada a Zezinho pela mãe dele, a dona Maria. Na ocasião, já incorporado, ele orientou Valentina a encontrar um lugar para os atendimentos em Londrina, onde queria trabalhar em um futuro próximo.

Ela aceitou a missão, que se mostrou bastante difícil. Ninguém acreditava que um sensitivo já popular na época atuaria na cidade paranaense. E muito menos que Valentina seria intermediária para que isso acontecesse.

Depois de muito procurar, ela encontrou um espaço para que Zezinho se apresentasse. No dia marcado, ele se atrasou, o que fez com que muitas pessoas deixassem o local e desacreditassem que a saga de Valentina traria qualquer resultado. Mas o médium apareceu. Rapidamente, a casa lotou, e ele atendeu os pacientes.

A coisa deu tão certo que Valentina se tornou assistente dele – ou uma “enfermeira”, como às vezes ela descreve. “O que os meus olhos viram eu não posso negar. Ele curava mesmo, fosse o que fosse. Eu anotava os remédios que ele dava, não eram remédios de farmácia. Ele pegava os vidrinhos pequenininhos, incorporava, e os vidrinhos se enchiam de água, que não era só água. Tinha remédio ali dentro. Nossa, eu vi coisas espetaculares que jamais vou poder negar”, contou.

Valentina trabalhou com Zezinho por sete anos e, durante esse tempo, foi visitada por muitas pessoas que buscavam por ajuda. Ela começou a chamar a atenção na cidade, o que incomodava Duílio. Depois de ter exigido que a esposa parasse de cantar, agora ele não gostava do que ela fazia como assistente do médium.

A relação entre o casal só piorava. Então, um dia, uma amiga de Valentina a procurou desesperada. Ela lhe contou que foi flagrada com o amante pelo marido e, por conta disso, ele ameaçou tirar os filhos dela.

Valentina ligou para Zezinho, pedindo que ele a auxiliasse no caso. Em um encontro presencial, o sensitivo solicitou que ela entrasse em um círculo que havia feito no chão. 

Confusa, Valentina recusou, pois quem precisava de ajuda era a amiga e não ela. Mas o médium insistiu. Assim que ela o obedeceu, ele disse: “Você vai viajar para uma terra branca e conhecer um homem estrangeiro que usa duas camisas”.

“Eu dei a maior gargalhada. Duas camisas? Gargalhei, gargalhei mesmo. Aí ele virou para a minha amiga e falou ‘quando ela voltar, vai ter muito o que contar’”, afirmou a líder do LUS.

Nessa época, o casamento já não ia bem. Além do ciúme, havia também os problemas financeiros. No começo da década de 1970, Duílio perdeu a concessão do bar que administrava, e as coisas complicaram. 

Uma oportunidade, no entanto, surgiu no outro lado do país: a Transamazônica começava a ser construída, e muitas pessoas viram nela uma chance de melhorar de vida. Foi o que o marido de Valentina fez. Ele se mudou para Altamira, no Pará, e deixou a mulher com a filha em Londrina.

Ela escrevia para Duílio com frequência, mas raramente recebia resposta. Em uma das cartas, descobriu que o esposo estava erguendo um hotel na cidade. Com o tempo, ele conseguiu também a concessão de um posto de gasolina, e logo passou a ganhar muito dinheiro.

“Eu sei que, sem que eu soubesse, ele enriqueceu, enquanto eu vivia de um mísero juros. Ele havia me emprestado um dinheirinho antes de viajar, porque tinha um pé-de-meia. Eu vivia com a minha filha daqueles juros. Não podia comprar um pacotinho de bolacha a mais para ela, pois o dinheiro era contadinho”, explicou.

Depois de meses e meses sem contato, Duílio apareceu de surpresa em Londrina. Valentina pediu para ir à Altamira, mas ele não deixou. Alegava que o hotel não estava pronto. 

Ela só fez as malas e viajou para a cidade após dois anos da mudança do marido. Finalmente conheceu os empreendimentos de Duílio e se hospedou no hotel. 

Do quarto, certa vez, ela ouviu a voz de um estrangeiro, falando em espanhol. Mais tarde, eles se encontraram pelos corredores, e o argentino pediu licença para falar com ela.

O nome do homem misterioso era Roberto Olivera. Aos fins de tarde, ao vê-la sozinha, ele se sentava ao seu lado em frente ao hotel. Os dois passavam horas conversando. 

Um dia, durante um desses encontros, Olivera disse que se casaria com Valentina. Ela ficou furiosa e contou tudo para Duílio, que não deu muita bola. A líder do LUS passou a evitar o argentino, mas ele insistiu nas investidas. Gravou uma fita com uma declaração de amor e entregou para ela.

Ainda contrariada, Valentina levou um tempo para ouvir o que Olivera dizia na gravação. “Era uma declaração muito doce, muito bem colocada. Não tinha nada que ofendesse. Ele falava do amor dele por mim e da mulher que eu era, no entender dele. Que eu era a mulher que ele toda vida estava procurando”.

Apesar de achar a cantada bonita, Valentina mais uma vez saiu correndo para denunciar a investida do estrangeiro ao esposo. A resposta que recebeu ecoa na sua mente até hoje: “Não importa, ele traz muito dinheiro para o hotel”.

Duílio se referia ao fato de que Olivera trabalhava para uma empresa de São Paulo que levava muitos hóspedes para o hotel. Na época, o argentino atuava como engenheiro na construção da Transamazônica.

Magoada, Valentina voltou para Londrina. Na segunda ida à Altamira, soube do envolvimento de Duílio com a esposa de um de seus funcionários. Confrontou o marido, que deu explicações nada convincentes. 

Já bastante desgastada, ela tomou uma decisão: foi até o quarto onde Olivera estava, bateu na porta e perguntou se ele ainda queria se casar com ela. “Eu vi a expressão dele de susto, daquela pergunta tão repentina. E ele me respondeu na hora ‘sim, eu quero’”.

Olivera era muito diferente de Duílio. A líder do LUS o descreve como um homem doce, culto, intelectual, bom com as palavras. Um gênio.

Diante do “sim”, Valentina resolveu retornar para Londrina. Mas antes deixou claro: se o argentino realmente quisesse ter um relacionamento, deveria encontrá-la na cidade paranaense.

Por outro lado, também deu um ultimato para Duílio. Contou que ia embora com outra pessoa e que, se ele quisesse impedi-la, teria que buscá-la na casa de uma amiga em Belém, onde ficaria até o avião decolar. Mas ele não apareceu, e a líder do LUS se viu obrigada a cumprir a promessa feita para Olivera.

Valentina ainda amava Duílio e, por isso, não sabia dizer ao certo o motivo pelo qual decidiu ficar com o argentino. “Todas as vezes que me casei foi por desespero. Nenhuma por amor. Eu não conheci o amor assim de namorar, de passear. Não, não, não. Nunca conheci. Todos os meus casamentos foram por desespero, por questões diversas, mas todos por desespero”, desabafou.

Em 1973, Valentina se casou com Roberto Olivera, o estrangeiro que ela conheceu na terra de areia branca, que seria Altamira. Exatamente como Zezinho previu.

O novo casal voltou para Londrina. 

A relação entre os dois marcaria o começo de uma grande virada na vida de Valentina. Ela ainda não desconfiava.

ATO 2: AS VERDADES

Naquela época, Olivera já se interessava por assuntos relacionados à origem e ao sentido da vida. Adorava ler e se aprofundar em áreas como cultura, história e literatura.

Enquanto isso, Valentina se voltou para os negócios e montou um comércio de compra e venda de móveis chamado “Mosquito Loko”. A organização impecável e a ótima qualidade dos produtos tornaram o lugar famoso na região.

Além de ajudar no empreendimento da esposa, Olivera tocava uma ortopédica em Londrina. Era assim que o casal se mantinha. Tudo seguiu dentro do esperado até os anos 80, quando Valentina foi surpreendida pelo evento que mudaria o rumo da sua vida. Era 27 de maio de 1981, data que não esquece.

Na ocasião, ela rezava sozinha para Deus quando, de repente, Olivera surgiu incorporado. Ele ordenou que a esposa parasse. Com os olhos arregalados, ela interrompeu a oração. “Naquela época eu era católica. Por isso eu rezava. Mas me deram um berro, mandaram eu calar a boca”, descreveu.

Após a primeira incorporação, o casal passou a seguir as orientações das chamadas Individualidades para que elas continuassem a se manifestar através de Olivera. Em uma nova tentativa, ao incorporar, o argentino disse uma frase que marcou Valentina para sempre: “Por fim, as verdades chegarão”. “Ele só falou isso. E eu fiquei pensando ‘que verdade?’. Eu não sabia nada e não achei a resposta”, afirmou a líder do LUS.

Uma Individualidade, segundo Valentina, é uma Energia – com “e” maiúsculo – que cada um dos seres possui. “Nós somos mantidos por ela. Sem ela, não estaríamos materializados. Então, a Individualidade é uma energia que transitou pelo cosmo, passando por todos os planetas e galáxias, até chegar a se conhecer”, explicou.

A partir das incorporações, essas Energias contavam para Valentina todas as verdades sobre o universo – ou, como ela chama, “os conhecimentos universais”. O casal passou a juntar todas as informações transmitidas, montando um quebra-cabeça sobre os mistérios da origem da vida, a humanidade e o propósito de tudo. 

Não demorou muito para que Valentina revelasse para uma Individualidade a sua vontade em compartilhar as verdades com mais pessoas, e a Energia não se opôs ao pedido.

Roberto Olivera, então, publicou o primeiro livro com as ideias recebidas pelo casal, “O Universo de Zuita”. A abertura da obra, já citada no episódio 15 do podcast, diz o seguinte:

O UNIVERSO DE ZUITA – LIVRO 1

ATENÇÃO:

Este livro foi editado com data fixada para seu lançamento em 17 de Maio de 1982.

As Energias Superiores nos dizem que existem motivos para esta fixação.

O tempo exíguo não deixou margem para correção literária e de impressão gráfica, para o que pedimos escusas.

“O Universo de Zuita” – Roberto Olivera

Zuita seria uma entidade acima de todas as coisas, o Deus com “d” maiúsculo. O livro em que ele é retratado está cheio de ideias cósmicas, misturando história, filosofia, ufologia e física quântica – enfim, todos os ingredientes de uma típica doutrina da Nova Era. 

Os conceitos são apresentados de forma mais organizada e concisa do que os que estão na obra “Deus, a Grande Farsa”, que Valentina lançaria anos depois.

Aqui, a importância de Olivera na formação de tudo fica mais evidente. É notável como os seus estudos determinaram boa parte das bases que fundamentam o Lineamento. Ele era o cérebro por trás das ideias.

Valentina, por sua vez, parecia contribuir com tudo o que aprendeu ao trabalhar para Zezinho. Ela entendia como funcionava o mecanismo de interação entre o médium incorporado e a pessoa que o auxiliava na tarefa.

O “Universo de Zuita” e as revelações das Individualidades sobre os segredos cósmicos são o resultado dessa cooperação entre o casal. Nesse primeiro momento, Valentina era mais como uma ajudante. Mas logo ela descobriria que precisava se tornar a protagonista. 

Em 1983, os dois se mudaram para a Argentina junto com o filho adotivo, Roberto Alexandre. Nessa época, ele tinha em torno de quatro anos de idade. 

No país vizinho, Olivera começou a ministrar palestras com o conteúdo acumulado das mensagens. Valentina, que naquele momento era apenas uma espectadora, observava o público aumentar a cada reunião. Eram curiosos, ufólogos, pessoas que procuravam por respostas.

Faixa divulgando palestras na Argentina. (Foto: Reprodução/fita VHS – TRECHOS LUS 1)

Assim como fez desde o começo, ela continuou a gravar as incorporações do marido. Em certo momento, porém, um grupo pequeno e assíduo de frequentadores das palestras passou a acompanhar o processo e auxiliar nas gravações.

O interesse pelos conhecimentos transmitidos só aumentava. Havia convites para entrevistas em jornais, rádios e programas de TV. Em 1985, a audiência das palestras e cursos promovidos por Olivera já era bem maior. Muitos que colaboravam com as aulas se tornaram amigos do casal.

No mesmo ano, Valentina decidiu voltar para o Brasil. Foi quando ela lançou o livro “Deus, a Grande Farsa”.

Os pensamentos transmitidos na obra não eram novos para Ivan Mizanzuk. Durante o mestrado em Ciências da Religião, ele estudou por um tempo os gnósticos cristãos que apresentavam ideias similares. Esse grupo acreditava que o Deus verdadeiro era aquele do Novo Testamento, um Deus de Amor anunciado após a vinda de Jesus.

Ele seria um Deus diferente do retratado no Antigo Testamento, visto como ciumento e vingativo. O Deus verdadeiro teria como objetivo revelar a sua mensagem a certos escolhidos, denunciando os abusos do deus falso – chamado por eles de “demiurgo”, um “deus” com “d” minúsculo.

Esses conceitos eram relativamente populares em círculos místicos das décadas de 1970 e 1980. Então, é muito provável que Olivera tenha tido contato com eles. Por outro lado, Valentina sempre disse que não conhecia esse tipo de literatura, pois não tinha muito acesso a livros. 

Mas é notável que ela traz fortes críticas ao cristianismo no livro que escreveu. Por isso, Ivan estava curioso para saber qual é a visão dela sobre a figura de Jesus.

“Jesus realmente existiu. Ele é uma Energia tríplice, de altíssimo valor. Nada tem a ver com esse tal de Deus e menos ainda é filho dele. Ele é uma Energia que cumpre missões de altíssima qualidade. Ele não é filho de Deus, nunca foi e nunca será”, explicou.

Para ela, Jesus seguiu o caminho errado ao utilizar seus dons em favor próprio, principalmente durante a infância. Segundo o ensinamento das Individualidades, quem se comporta dessa maneira “cava a própria tumba”.

“Jesus transformava crianças que brigavam com ele, usava os poderes para petrificar os moleques e para que caíssem em buracos. E ele ria, ria, ria. Por isso, se perdeu e entrou no caminho errado”, afirmou.

Valentina diz que ela própria tem poderes, mas não se atreve a usá-los em seu favor. Só os utiliza para beneficiar outras pessoas. 

As revelações não param por aí. Se Jesus se desviou da virtude, Madalena também não era uma pessoa correta. De acordo com Valentina, ela seduziu o intitulado filho de Deus quando ele tinha apenas 12 anos de idade. 

“Ela era bem mais velha do que ele. E essa Madalena… Durante os conhecimentos que as Individualidades me traziam, essa Madalena é a Valentina. Foi a Valentina. A sapeca da Valentina. Seduziu o coitadinho do Jesus com 12 anos”, revelou. 

Por essa lógica, a líder do LUS seria, então, a reencarnação de Maria Madalena. Tudo isso, no entanto, não está descrito no livro. Essas são percepções que Valentina compartilhou pela primeira vez fora do Lineamento, durante as conversas com Ivan.

Por falar na obra, “Deus, a Grande Farsa” projetou ainda mais Valentina. De volta ao Brasil, ela ganhou um programa de rádio e outro na TV local de Londrina. Neles, compartilhava as “revelações” e os conhecimentos universais transmitidos através das incorporações.

Deus, a Grande Farsa (versão original 1985-86) – Valentina de Andrade

Deus, a Grande Farsa (versão revisada 1998) – Valentina de Andrade

A partir daí, não era só Olivera quem falava para um grande público. O casal começou a se revezar nas palestras e a atrair cada vez mais interessados. Se antes a audiência era composta por 300 pessoas, agora tinha 1,5 mil.

Valentina estava feliz. Tinha achado o seu propósito: alertar os humanos sobre o falso deus e libertá-los das programações que ele estabeleceu para cada um deles. Segundo ela, essa entidade, que é o anjo caído, delineou um caminho específico para todas as pessoas. Por isso, elas só se veriam livres de fato se conhecessem as verdades. “As programações são ele que impõe, e a Energia tem que obedecer. Senão, ele chicoteia muito a Energia, e quem sofre é a matéria”, completou.

A líder do LUS foi a escolhida pelas Individualidades para divulgar esses segredos. Mas por que ela, dentre todos os humanos? De acordo com os ensinamentos que recebeu, Valentina é a “fonte e a luz verdadeira”. “Eles me diziam ‘nós vivemos em torno de você porque procuramos a verdade’. O que é a verdade que incansavelmente eles buscam? A verdade é como eu nasci, de onde eu vim, como foi que eu surgi. Porque eles me chamam de fonte”.

Essa grande revelação, dizem as Individualidades, virá à tona após a morte de Valentina, quando ela finalmente “deixar a matéria”.

Enquanto estivesse materializada, a missão dela era espalhar as mensagens das entidades. Em 1985, isso estava indo muito bem. O número de seguidores crescia, assim como a procura pelas palestras e os convites para entrevistas. 

Cartaz com informações sobre conferência conduzida por Valentina. (Foto: Reprodução/fita VHS – TRECHOS LUS 1)

Tudo parecia tranquilo. Até que ela começou a notar algo no marido: Olivera teria começado a seduzir mulheres que frequentavam as reuniões do grupo. 

Diante das traições, em 1987, Valentina decidiu se separar. No mesmo ano, ela se casou novamente. Dessa vez, com alguém bastante citado no Projeto Humanos: José Alfredo Teruggi, o homem que aparece na fita VHS gravada em 1992 e diz algo que foi entendido como “matem as criancinhas que te pedi”.

Antes de chegar lá, no entanto, outra coisa muito importante acontece no divórcio de Olivera e Valentina. Quando eles se separaram, o grupo de seguidores também sofreu uma cisão, e a maioria deles resolveu continuar com a líder do Lineamento. Nessa nova configuração, ela assumiu sozinha a posição de divulgar os ensinamentos, pelo menos no Brasil.

Já na Argentina, duas pessoas passaram a trabalhar com afinco na divulgação das verdades, ministrando cursos por lá. Eram os irmãos Calvo: Rubens José Calvo e Carlos Calvo, que já foi mencionado em episódios anteriores.

Mesmo distante, a dupla manteve fidelidade à Valentina e atuou de maneira organizada para criar um grupo mais sistematizado. Há, porém, um conflito de narrativas sobre quem exatamente fundou o Lineamento. Em alguns relatos, os irmãos Calvo são protagonistas. Em outros, a ideia teria vindo antes deles, a partir do próprio Olivera.

Independente disso, é nesse momento que o grupo passou a ter um nome: LUS – Lineamento Universal Superior. Chamado de “Seita LUS” durante os anos 90, quando Valentina foi acusada.

Mas o que é o LUS? Segundo o site oficial do grupo:

L.U.S. é uma associação dirigida à mentes abertas e dispostas a conhecer fatos e informações sobre o Universo, que ultrapassam as convencionais.

Seria essa associação uma seita? Essa questão já foi discutida em outros episódios, mas vale relembrar: pela definição, a palavra “seita” vem do termo “secto”, relativo à “separação”. Significaria, então, um grupo com ideias religiosas, filosóficas ou místicas diferentes da doutrina ou sistema dominante.

O Cristianismo, por exemplo, poderia ser em seu início considerado a seita mais famosa do mundo. Afinal, um grupo minoritário de judeus, que acreditava que o messias já teria vindo, decidiu se separar dos demais. Portanto, os cristãos eram uma seita durante o Império Romano.

Então, claro, esse grupo cresceu, virou uma religião organizada e se tornou a crença prevalecente atual.

Ou seja, se o sistema dominante no Brasil é o cristão, e o LUS é uma doutrina diferente, em termos muito genéricos e abrangentes, ele poderia se encaixar como uma “seita”.

O problema é que o uso dessa palavra, no senso comum, assumiu uma carga negativa. Muito disso vem de uma concepção popular de que seita envolveria lavagem cerebral, pessoas malucas que adoram o mal e cometeriam uma série de crimes.

Seita, na definição pura, não está associada a ideia de pessoas que matam animais ou humanos, ou fazem rituais macabros. Seria apenas um grupo com pensamentos e percepções diferentes dos da maioria.

Existem, sim, cultos e seitas que privam a liberdade, impedem os membros de ver familiares, e os forçam a viver só em torno de suas crenças. Alguns, inclusive, são bem famosos.

Com tudo isso em mente, Ivan Mizanzuk precisava entender o Lineamento além das palavras de Valentina. Para isso, conversou com um de seus seguidores, Marcelo Suarez, membro do grupo desde os anos 90.

Suarez defende que o LUS nunca foi uma seita, no termo pejorativo da palavra, e não tem ligações com misticismo ou religião. Esses conceitos, segundo ele, se baseiam em endeusar uma deidade. “Nosso caso não é assim. Como eu te falei, para quebrar o gelo, nós tratamos [Valentina] como ‘mamãe’, para que seja algo familiar”, explicou.

Nesse contexto, Zuita é uma entidade respeitada pelo grupo, mas jamais adorada. “Ele é uma Individualidade Cósmica e o nosso Pai, mas não o tratamos como algo místico e religioso. Não é assim. Até quero que fique bem esclarecido pelo o que o povo pensa ou sabe dessas palavras. Dessas três palavras: seita, religião e misticismo. Não. Nada a ver com isso”, completou.

Em 1987, o grupo LUS foi formalizado. Valentina, inclusive, conheceu Teruggi em uma das reuniões dos membros. 

Mas uma conta não fecha. Ela teve acesso às verdades universais através das incorporações de Olivera. Agora, separada dele, como ela continuaria a receber as revelações?

Já em Londrina, Valentina resolveu fazer um experimento para descobrir se o novo marido conseguiria se conectar com as Individualidades. Ela pediu para Teruggi se deitar e segurou as mãos dele. “Nossa, o corpo dele voava. Bum. E caía na cama outra vez. Ele gritava. Levitava, levitava. E eu fiquei com os olhos arregalados, mas muito feliz porque falei ‘ele vai incorporar’”.

Logo, Teruggi assumiu o papel de Olivera. Ele se tornou o veículo para que Valentina voltasse a ter contato com as mensagens. 

Ela, por sua vez, parecia desempenhar a função de profetisa, um canal de comunicação pelo qual entidades superiores interagem para revelar segredos à humanidade. 

Apesar de não ser uma figura incomum em muitos casos de grupos religiosos e místicos, o que chama a atenção aqui é a troca de papéis. O mais comum é que um homem seja o profeta, e ele geralmente conta com a ajuda de uma mulher como mediadora da comunicação. 

Mas Valentina inverte isso. Ela é a profetisa, o chamariz das entidades. Enquanto os maridos, seja Olivera ou Teruggi, são os médiuns. 

Depois do episódio da levitação, a dinâmica entre o casal começou a se estabelecer, e o argentino passou a realizar as incorporações. Assim, as verdades continuaram a chegar até Valentina.

ATO 3: A INTERRUPÇÃO

É com Teruggi que a líder do LUS entra na fase mais difícil de sua jornada espiritual. Aquela que já conhecemos um pouco por causa do Caso Evandro. São as acusações de assassinatos e rituais, baseadas na tese de que Valentina seria líder de uma seita satânica.

Ivan queria abordar tudo isso nas conversas, mas sabia que o assunto causaria um grande sofrimento. Por isso, entrou no tema com bastante calma. Falou primeiro sobre o caso de Guaratuba, quando ela foi acusada de estar envolvida no desaparecimento de Leandro Bossi, em fevereiro de 1992.

Na ocasião, Valentina deixou a Argentina para prestar depoimento à polícia no Brasil. Essas investigações foram abordadas em detalhes no episódio 35 da temporada anterior do podcast. 

O que importa é o seguinte: após avaliar com cuidado toda a situação, a juíza Anésia Edith Kowalski, responsável pelo caso, dispensou Valentina como suspeita. Pesou na decisão o fato da descrição física dela não bater com aquelas oferecidas pelos suspeitos no Caso Evandro. Na época, eles disseram que haviam sido pagos por uma mulher “gringa, gorda e loira” para raptar crianças. A líder do LUS não apresentava nenhuma dessas características 

Além disso, durante a produção do podcast, Ivan descobriu provas de que essas confissões eram falsas e feitas sob tortura. 

Segundo Valentina, os eventos em Guaratuba causaram muito sofrimento a ela e a família desde o início. A casa em Londrina rapidamente se tornou alvo da população. “Deram tiros, jogaram pedras, quebraram vidros. Porque, para eles, nós éramos a seita satânica. Nos atacaram muito. Fizeram passeata, gritaram palavrões. Nossa, como sofremos calúnias, difamações, tudo o que se pode inventar”, comentou.

Ela se recorda também da ocasião em que foi abordada por policiais federais na fronteira da Argentina com o Brasil, e levada para depor em uma delegacia. O filho, Roberto Alexandre, ainda era criança e ficou no carro com a cachorrinha da família, aguardando pela mãe.

Enquanto só conseguia pensar em Alex, ela era bombardeada com perguntas pelos policiais. Entre a série de mal-entendidos, um dos mais marcantes é a gravação de Teruggi incorporado, com a famosa frase divulgada pela imprensa: “matem as criancinhas que te pedi”.

Trecho do vídeo de Valentina e Teruggi foi parar na imprensa. (Foto: Reprodução/Revista Veja, de 29 de julho de 1992 – número 1245)

Após o alarde na mídia, a fita passou por perícia, e o laudo com tradução concluiu que o argentino dizia outra coisa: “mas tem criancinhas que são experientes”. Para Valentina, o parecer foi suficiente para esclarecer o equívoco e provar que ninguém do LUS teve envolvimento nos crimes.

No âmbito formal das investigações sobre Leandro Bossi, isso pode ser verdade. Mas tudo o que se via na mídia na época era a versão que incriminava Teruggi, e é fato que isso ficou na cabeça de quem acompanhava os casos. Nunca houve uma reportagem especial que destrinchasse o vídeo e espalhasse a conclusão da perícia.

Valentina jamais foi indiciada nos eventos de Guaratuba. A juíza Anésia chegou inclusive a dizer que havia sido enganada pela Polícia Civil para acreditar na culpa do LUS. O próprio delegado responsável, Luiz Carlos de Oliveira, hoje admite que cometeu um erro ao suspeitar da líder do Lineamento. No fim, a condenação veio pela mídia, não pela justiça brasileira.

Mas a conversa com Valentina tinha um objetivo final: falar de Altamira. Porque, desta vez, ela foi levada a julgamento. Os demais acusados, ao lado dela, foram condenados.

Muitos familiares das vítimas acreditam que ela se livrou da prisão porque é líder de uma seita poderosa e muito influente. Ivan queria ouvir a versão de Valentina sobre isso. Ele ainda tinha muitas perguntas. 

Porém, à medida que as conversas avançavam e chegavam à Guaratuba e Altamira, as entrevistas começaram a ficar mais irregulares. Não raramente, ela desmarcava os encontros. Outras vezes, se mostrava bastante incomodada – principalmente quando um nome aparecia: Christian, o seu último marido.

A verdade é que os problemas de Valentina não terminaram após a absolvição no júri em Belém do Pará. Em 2016, ela foi novamente investigada pela Polícia Federal, por denúncias de lavagem de dinheiro e ocultação de patrimônio. O delegado responsável pelo caso era Sandro Viana dos Santos.

Segundo reportagem da TV Tarobá, afiliada da Rede Bandeirantes, foram apreendidos na casa de Valentina os seguintes itens: 200 mil reais e 100 mil dólares em dinheiro, além de pesos argentinos; joias e dois carros com placas do país vizinho, sem autorização de circular no Brasil.

Na época, por conta da idade e dos problemas de saúde, Valentina prestou depoimento na própria residência. Quem a denunciou para a polícia foi Christian, o marido dela.

Segundo o advogado Arnaldo Faivro Busato Filho, Christian tomou essa atitude após se desentender com outros membros do LUS. “Ela [Valentina] acabou pedindo para o denunciante se afastar porque ele havia lesionado pessoas do grupo. Possivelmente, em retaliação, ele resolveu fazer essas denúncias, esquecendo-se, porém, que ele próprio controlava a vida financeira dela”, disse Busato à TV Tarobá.

Até hoje, Valentina sente mágoa do marido. Segundo ela, assim como Teruggi e Olivera, Christian era sensitivo e ajudava na transmissão dos conhecimentos universais.

“Ainda tenho dúvidas se eu o amei ou se foi gratidão o que senti. Até que ele se desviou do caminho, viu onde eu tinha guardado uma soma muito grande [de dinheiro]. E as Individualidades começaram a dizer para mim que eu devia deixá-lo”, contou.

Christian também era bem mais novo do que Valentina. A investigação contra ela não resultou em nada. Em 2019, o delegado que conduziu o inquérito foi demitido e condenado por crime de corrupção passiva e concussão relacionado a outro caso.

Toda a questão envolvendo Christian toca em outro ponto bastante especulado sobre Valentina: da onde ela conseguiu tanto dinheiro?

Existem pessoas que acreditam, por exemplo, que ela recebe enormes quantias mensais dos membros do LUS. Mas nada desse tipo jamais foi provado e, ao que tudo indica, o Lineamento não possui nenhum integrante rico.

Teruggi, no entanto, era fazendeiro na Argentina e tinha muitas posses. Quando ele faleceu em um acidente de paraglider por volta do ano 2000, deixou tudo para a esposa. 

Nas conversas com Ivan, ficou evidente que a morte de Teruggi foi bastante traumática para Valentina. Além da questão afetiva, havia outro problema: o argentino era um dos últimos sensitivos que poderiam auxiliá-la na comunicação com as Individualidades.

Walter Muñoz, que veio depois dele, não tinha essa habilidade. Foi com Christian que ela voltou a ter contato com as entidades. Após a situação com a Polícia Federal em 2016, o casal se separou e, desde então, Valentina não conta mais com um médium específico.

Quem eventualmente a ajuda hoje é o filho Roberto Alexandre e outro seguidor que mora na Argentina. Mas eles são, de acordo com ela, apenas uma espécie de “quebra-galho”, não sensitivos programados com uma missão, como eram os antigos maridos.

Depois de Christian, ela não conheceu ninguém capaz de realizar as incorporações mais eficientes. Pessoas assim, afirmam as Individualidades, deixaram de existir. 

Nesse ponto das entrevistas, Ivan já tinha quase 10 horas de material gravado. Mas faltava falar sobre Altamira. Foi quando ele recebeu uma resposta diferente de Valentina. “Eu não queria continuar a entrevista porque está mexendo muito com o meu emocional. Eu tenho pesadelos à noite, não consigo dormir direito porque aquilo fica rodando na minha cabeça”, desabafou.

Por isso, ela achava melhor interromper as ligações e se resguardar para o que chama de “transferência de matéria”. “Eu sei que a qualquer momento tenho que passar para outro sistema vibratório, assim se diz. Me transferir. Porque a Energia não morre, ela vai de um sistema vibracional para outro sistema vibracional”.

Segundo ela, a sua hora de partir está cada vez mais próxima. “Sim, está acontecendo, Ivanzinho. Já está acontecendo. Logo eu não vou mais estar nessa matéria”, completou.

Apesar dos problemas legais terem se encerrado, estava claro para Ivan que a líder do LUS não queria mais ter que se explicar. A decisão dela foi respeitada, e as entrevistas chegaram ao fim.

Valentina, porém, autorizou que um de seus seguidores mais fiéis, Marcelo Suarez, falasse para o podcast. Hoje com 52 anos de idade, o argentino mora com ela no Brasil. Ele inclusive acompanhou muitas das conversas dela com Ivan.

Segundo Suarez, em 1987, quando tinha acabado o ensino médio na Argentina, ele era um garoto tímido e introvertido. Tinha poucos amigos e passava quase o dia todo no quarto. Ao terminar os estudos, ficou um pouco perdido. Precisava arrumar um trabalho, mas não sabia direito o que fazer.

Até que, dois anos depois, ele ouviu falar das palestras ministradas por Valentina e Teruggi. Por se interessar por OVNIs e ufologia desde pequeno, resolveu participar dos cursos do casal. Ele lembra de se impressionar com o conteúdo, que ia muito além da discussão sobre vida extraterrestre.

A partir das ideias do LUS, o argentino sentiu que podia entender melhor o funcionamento do mundo. “Eles falavam justamente sobre de onde nós vínhamos, quem somos e para onde temos que ir. Falavam quem era o nosso verdadeiro Pai, que não tem nada a ver com Deus. Deus, na verdade, é uma Individualidade Cósmica que contraria todas as leis evolutivas universais. Ele é um traidor da luz porque fez tudo errado e começou a se acreditar maior do que o próprio Pai”, disse.

Esse primeiro curso, que tanto o encantou, não foi Valentina quem conduziu. O argentino só conheceu a líder do LUS pessoalmente três meses depois. E, mais uma vez, ele foi surpreendido: ela não era uma “estrela” inacessível, idolatrada e importante demais para falar com qualquer um. Na verdade, a “mamãe” o acolheu com humildade, carisma e amor.

“Eu vi que ela era uma pessoa comum. Comum, mas muito sábia, paciente e amorosa. Eu fiquei muito impactado com o fato dela saber explicar tudo, com o amor que ela explicava”, contou.

Suarez passou por uma experiência tão enriquecedora que decidiu se juntar ao grupo. Não demorou muito, de acordo com ele, para essa convivência afetar de forma positiva outros aspectos da sua vida. Antes de conhecer Valentina, ele se considerava um rapaz bonzinho, mas sem interesse em corrigir os erros e defeitos. 

Depois de entrar em contato com as verdades, ele finalmente percebeu que precisava mudar de comportamento. Passou a fazer o que era certo, a cumprir com a palavra e valorizar as boas atitudes. Automaticamente, a vida dele e das pessoas ao seu redor melhorou.

Ainda sobre amigos e familiares, uma pergunta pairava na mente de Ivan, trazida pela matéria da revista Veja, de 1992, que mencionava Valentina e o LUS. A reportagem dizia que o Lineamento afastava seus seguidores de tudo e os submetia a uma lavagem cerebral. 

Imagem de Valentina na matéria da Veja. (Foto: Reprodução)

Matéria da revista Veja sobre Valentina

Matéria da revista Manchete sobre Valentina

Suarez garantiu que nada disso era verdade. Ele continuou normalmente com as amizades e relacionamentos com pessoas fora do LUS. Situação semelhante ocorreu com os seus familiares que, mesmo sem acreditar nas verdades, nunca se afastaram dele.

“Eu continuei morando com eles, só não falávamos muito nesse tema. Eles tinham as ideias deles, e eu as minhas. Eu não tive problema com os meus pais a ponto de chegar a alguma ruptura. Nada a ver”, declarou.

A divergência de ideias vinha da educação católica da família, segundo Suarez. Apesar disso, ele reiterou que o LUS jamais incentivou qualquer tipo de discriminação contra outras crenças.

Outro mito sobre o Lineamento, apontou o argentino, era a tal transferência de enormes quantias dos seguidores para Valentina. Isso nunca aconteceu, de acordo com ele. No máximo, os membros contribuíam mensalmente com valores irrisórios, para pagar o aluguel do salão onde os cursos eram feitos. 

Eles eram uma comunidade e, quando precisavam de algo específico, realizavam vaquinhas, por exemplo. Cada um tinha a sua vida e trabalho fora do grupo, mas estava disposto a colaborar com os custos dos eventos promovidos pelo LUS.

Suarez ajudou Ivan a entender o lado dos seguidores. A generosidade e a simplicidade com as quais Valentina transmitia os conhecimentos atraíam as pessoas. Isso contrastava com a personalidade de Olivera, visto como uma figura mais arrogante.  

Depois de um tempo, os membros começaram a se relacionar como se fossem uma grande família. Eles se reuniam para falar das verdades universais, mas na maior parte do tempo os encontros tinham outras finalidades. Eram churrascos, jogos de vôlei e carteado, danças, apresentações, viagens e passeios. Ou seja, atividades que fazemos com amigos ou familiares.

Com o passar dos anos, o contato com as tais verdades já não parecia mais ser o foco do Lineamento. Quem corrobora com essa impressão é o advogado Arnaldo Busato, que até hoje representa Valentina. Em entrevista ao podcast, ele disse que o verdadeiro alicerce do LUS era o vínculo de caráter emocional entre os membros.

“A Valentina, com aquele carisma todo, foi capaz de unir muito aquele grupo. Eles desenvolveram entre si uma solidariedade, uma amizade forte e intensa, e era isso que os mantinham unidos”, afirmou. 

Segundo Busato, os seguidores não chamavam Valentina de “mama” ou “mamãe” como uma forma de idolatrá-la, mas sim porque tinham muito carinho por ela. E isso foi recebido da melhor forma possível pela líder, que precisou lidar desde a infância com problemas relacionados à falta de afeto.

“Esse traço da personalidade da Valentina é muito evidente, sabe? Ela é uma mulher extremamente carente e precisa de muito reconhecimento. O acolhimento que ela recebeu desse grupo de argentinos foi algo essencial na vida dela”, disse Busato.

Tanto o advogado quanto Suarez foram importantes para se ter uma uma noção de como era a vivência dentro do LUS. Mas Ivan logo percebeu que faltava um lado. Ele já tinha destrinchado Valentina no papel de esposa, líder, mentora e profetisa. Já tinha conhecido a sua infância e juventude, os seus casamentos, trabalhos e ideias. A sua missão de vida.

A história, porém, ainda não estava completa.

ATO 4: A MÃE

Havia uma ausência. Era preciso compreender o lado da mulher comum. Valentina, a mãe de Roberto Alexandre.

Em uma das conversas com Ivan, ela falou sobre a adoção de Alex. Na época, Valentina era dona da famosa loja Mosquito Loko, em Londrina. Um dia, durante o expediente, uma jovem apareceu no local com um bebê nos braços. A moça perguntou se ela queria ficar com a criança.

Na hora, o coração de Valentina se encheu de saudade das duas netas, que na ocasião moravam com a mãe em Cuiabá, capital do Mato Grosso. “Eu olhei o menininho. Quando ele me viu, estendeu os braços para mim. Isso tudo é coisa lá do alto, sabe? São as Individualidades que podem fazer com que tenhamos gestos assim”, relatou ela.

Valentina apanhou o neném no colo e o beijou. Aceitou cuidar dele, mas não deu qualquer quantia de dinheiro em troca para não parecer que havia comprado a criança. “E aí eu fiquei com o Roberto Alexandre. Eu tenho um amor muito especial por ele. Muito especial”, completou.

Assim, Alex foi adotado por Valentina e Olivera, marido dela na época. O casal se separou quando o filho tinha oito anos de idade. Mesmo antes do divórcio, o argentino não foi um pai presente e, por isso, as memórias em relação a ele são bem escassas.

“Eu tenho poucas lembranças. Até porque acho que ele estava tão engajado com essa questão dos conhecimentos universais, que eu só me lembro dele fazendo esse tipo de coisa. Dando palestras, isso e aquilo. Quando ele se separou da minha mãe, nós praticamente perdemos o contato”, relatou Alex Roberto.

Assim como Valentina, ele descreve Olivera como um homem muito culto, que gostava de ler e escutar músicas clássicas. Alex vê no pai a grande mente por trás das ideias que construíram o Lineamento.

Após o divórcio, outra pessoa entrou na vida de Valentina e Alex: José Alfredo Teruggi. Infelizmente, porém, a realidade do pai ausente permaneceu a mesma. Em certos aspectos piorou, principalmente quando o menino passava pela adolescência. 

Além de todas as questões que essa fase traz, Alex Roberto enfrentou um obstáculo a mais: se descobriu gay, o que não foi bem recebido pelo padrasto. 

“O Teruggi era uma pessoa retrógrada, sabe? Ele tinha uma mentalidade muito conversadora. Então, era bastante homofóbico, machista e racista. Para mim, foi muito difícil. Ele me perseguiu bastante com essa questão da sexualidade também, e isso causou um atrito entre a minha mãe e eu”, relatou.

No meio de tudo isso, Alex ainda precisava lidar com as notícias que saíam na imprensa sobre Valentina e o LUS. Uma reportagem da revista Manchete em específico o marcou bastante. Nela, ele é descrito como “um menino afeminado”. Na época, tinha 13 anos de idade.

“Você veja que interessante como, no comecinho dos anos 90, também existia toda uma questão sobre a homossexualidade ser mal vista. Porque eles colocaram isso na matéria como se fosse uma coisa pejorativa ou negativa, como se dissessem ‘ainda por cima ela tem um filho afeminado’”, pontuou.

Não foi nada fácil para Alex ver a cara da mãe estampada nos jornais e televisão, sendo acusada de comandar uma seita satânica que matava crianças. Desde o começo, ele teve certeza da inocência de Valentina. E, mesmo com algumas ideias problemáticas dela sobre a homossexualidade, ele nunca deixou de apoiá-la.

“Eu lido com isso numa boa porque sei que a mãe vem de outra época. Ela vem de uma criação na qual a mulher não era bem vista se trabalhasse fora. Ela tinha que ser dona de casa, cuidar do marido e dos filhos, fazer comida e limpar a casa. O que ela entende sobre homossexualidade é o que eu fui passando para ela”, disse Alex.

Muitas das ideias homofóbicas da mãe, para ele, foram influência de Teruggi e do próprio pai, que também não via o tema com bons olhos. Com o tempo, no entanto, Valentina aprendeu muito com o filho e revisitou as suas opiniões. Hoje, ela aceita a sexualidade dele com naturalidade.

A relação entre os dois tem inúmeras nuances, algumas bastante curiosas. A líder do LUS revelou para Ivan, por exemplo, que Alex Roberto não tem interesse nas verdades universais. “Eu estou nem aí, estou nem aí. Tem coisas que ele segue, que ele acredita mesmo. Ele já presenciou várias incorporações. Então, saber, ele sabe de muita coisa”, disse ela.

Para Alex, há um fator importante que o diferencia dos demais seguidores de Valentina. Enquanto eles puderam escolher acreditar nos ensinamentos, o filho da líder já nasceu inserido nesse contexto. 

Ele leu o livro da mãe e participou dos encontros do Lineamento. Até hoje, na verdade, a auxilia com algumas questões. Mas, com o passar dos anos, ele amadureceu e as dúvidas começaram a surgir, sobretudo após os casos de Guaratuba e Altamira.

“As Individualidades que o meu pai e o Teruggi incorporavam nos faziam crer que estávamos protegidos de tudo. De repente, eu vejo um pandemônio acontecendo, o nome da minha mãe pra lá e pra cá. Tantas coisas nós sofremos. Eu falei ‘poxa, mas não éramos super protegidos por esses seres?’”, questionou.

Alex não segue o Lineamento, não pertence ao grupo. Então, é claro, uma pergunta precisava ser feita: ele acredita na existência de Individualidades Cósmicas que se comunicam com a sua mãe através de médiuns?

A resposta direta, segundo Alex, seria não. Ao mesmo tempo, ele não considera que Valentina está mentindo. “Eu não estou falando isso nem para ficar bem com ela. Eu acho que ela acredita muito em tudo aquilo que lhe foi passado e ensinado. Isso se tornou a vida dela em todos os sentidos. Na forma de sentir, de agir e de falar”. 

Para ele, o fato de Valentina ter encontrado alento e carinho em seres cósmicos está muito relacionado aos traumas do passado. A falta de afetividade por parte da mãe e o abandono do pai são exemplos do motivo pelo qual ela é uma pessoa extremamente carente. Somado a isso, há também uma parte dela bastante inocente, disposta a ajudar quem quer que seja.

“Essas entidades vêm e começam a se apresentar para ela, ou ela mesmo começa a nomeá-las. Um é o pai, o outro é o avôzinho ou o padrinho. Ou seja, ela forma essa família cósmica universal, com esses seres tão evoluídos. Então, finalmente se sente acolhida e especial”, comentou o filho.

Além de Alex, Valentina tem uma filha biológica, fruto do casamento com Marcos, seu primeiro marido. As duas, no entanto, não têm muito contato. Elas chegaram a ficar sem se falar por 25 anos.

De acordo com a lider do LUS, a primogênita desapareceu com o marido e as filhas ainda na época das acusações de Guaratuba e Altamira. “Quando tudo foi resolvido a meu favor, como não poderia deixar de ser, eu cheguei em casa e liguei para ela. Ela atendeu, mas não perguntou nada do que tinha acontecido”, relatou Valentina.

Agora, tantos anos depois, ela só quer se resguardar para o momento em que será “transferida de sistema vibracional”. O momento de sua morte. 

Em uma de suas últimas entrevistas para o podcast, a líder do LUS disse que não tem mais nenhum recado ou revelação para compartilhar. As pessoas, segundo ela, não têm mais interesse nos ensinamentos universais.

“A humanidade, Ivanzinho, está preocupada consigo mesma e com dinheiro. As verdades não interessam mais. Era para ter milhões de pessoas lendo os meus escritos sobre os altos conhecimentos, mas não. Eu tenho perto de 200 e só”, desabafou.

A partir das conversas com Valentina e seus filhos, Ivan finalmente teve contato com os aspectos da vida dela que ele nunca havia visto: o lado da filha sem mãe e da mãe com muitos filhos. A mulher que recebeu os maiores segredos do universo e que acredita ter pagado um preço alto por isso. A profetisa frustrada.

Ocasionalmente, Ivan ainda fala com Roberto Alexandre e Valentina. Ela teve alguns problemas de saúde e chegou a passar por cirurgias, mas está bem. E não está sozinha. 

EPÍLOGO 

Voltando no tempo, de onde paramos a nossa história.

Em Belém, Valentina foi absolvida no tribunal do júri no dia 5 de dezembro de 2003. Apenas seis dias depois, um novo evento mudaria radicalmente o rumo do caso dos meninos de Altamira. Isso ocorreu no Maranhão, estado vizinho do Pará.

A polícia prendeu um homem na periferia de São Luís após o desaparecimento de um adolescente de 15 anos. A vítima, Jonnathan Silva Vieira, contou para a irmã que sairia com um amigo, o mecânico Francisco das Chagas, antes de sumir. Chagas voltou para casa, mas Jonathan não.

De acordo com a reportagem da TV Liberal sobre a prisão, um laudo psicológico apontou que o suspeito apresentava “sexualidade conflitante, personalidade psicopática, com homoerotismo fixado no infantil”. 

Além de Jonathan, a polícia passou a investigar o envolvimento de Chagas em outros casos, como o desaparecimento do próprio sobrinho dele, de quatro anos. Naquele momento, tudo parecia ser apenas coincidência. Mas o mecânico revelou que morou em Altamira e em São Luís na época dos crimes de violência contra crianças e adolescentes. Àquela altura, no Maranhão, 22 mortes já haviam sido registradas.

A história de Francisco das Chagas é o tema do próximo episódio.

*Este episódio usou reportagens da Rede Globo e da TV Bandeirantes.

**Atualização: Valentina de Andrade faleceu na madrugada de 31 de dezembro de 2022, aos 91 anos de idade.