Wiki de Altamira

Extras Episódio 26

PARÁ E MARANHÃO

Em 6 de dezembro de 2003, o adolescente Jonnathan Silva Vieira, de 15 anos, saiu de casa por volta das 7h30 para apanhar juçara, um fruto comum nas regiões Norte e Nordeste do Brasil. 

Ao final da tarde, como ainda não havia retornado, a irmã dele, Regiane, começou a se preocupar. Em circunstâncias normais, talvez pensasse que ele estivesse com algum amigo, ou que perdeu a noção da hora e estava pela vizinhança. Mas ela sabia que aquelas não eram circunstâncias normais.

Entre 1991 e 2003, 29 garotos com o perfil de Jonnathan – menores de idade do sexo masculino – haviam sumido na região. A história era sempre similar: meninos saíam de casa em plena luz do dia para jogar bola, soltar pipa ou apanhar fruta, e nunca mais eram vistos.

Desses casos, o paradeiro de seis permaneceu desconhecido, enquanto os corpos de outros 10 foram encontrados semanas ou meses depois do sumiço. Como já estavam em avançado estado de decomposição ou restando apenas os ossos, era difícil determinar o que havia acontecido com eles. Mas 11 vítimas foram achadas pouco tempo após os desaparecimentos. Destas, 10, sem exceção, haviam sido mortas e emasculadas.

Nesse ponto, você pode estar confuso e se perguntando se os crimes continuaram a ocorrer em Altamira depois dos júris. A resposta é não. Pois não estamos falando de Altamira. Nem do Pará. O cenário agora fica a mais de mil quilômetros de distância, no estado vizinho, o Maranhão. Mais precisamente, no Jardim Tropical I, na cidade de São José de Ribamar, arredores da capital São Luís. 

Entre 17 de setembro de 1991 e 06 de dezembro de 2003, mais de duas dezenas de meninos haviam desaparecido e/ou sido mortos e emasculados na região. Crimes com um modus operandi semelhante aos de Altamira.

Mas quem era o responsável pelos eventos no Maranhão? E qual a conexão com Altamira? 

Regiane Silva Vieira, irmã de Jonathan, tinha uma pista que abriria caminhos para elucidar um mistério de duas décadas, que envolvia a morte e emasculação de mais de 40 jovens em dois estados.

Antes de mergulhar nessa história, é preciso explicar o seguinte: os casos do Pará e do Maranhão, ainda que muito similares, caminhavam ao mesmo tempo juntos e separados na cronologia e na condução das investigações.

Em relação à linha do tempo, os eventos em Altamira ocorreram entre 1989 e 1993. Já no estado vizinho, os primeiros crimes foram registrados em 1991, entre os meses de setembro e novembro. Neste intervalo em específico, não houve casos na cidade do Pará. Ou seja, as datas não se sobrepõem.

Após novembro de 1991, as mortes no Maranhão pararam e voltaram a acontecer em Altamira. Judirley da Cunha Chipaia foi assassinado em primeiro de janeiro de 1992; seguido dos casos de Jaenes da Silva Pessoa, Klebson Ferreira Caldas, Maurício Farias de Souza e Flávio Lopes da Silva

Apenas em 1994, quando os crimes cessaram no Pará, é que voltaram a ocorrer na região vizinha. Isso significa que é possível ligar os eventos a uma mesma pessoa. E essas conexões foram feitas em alguns momentos ao longo do processo. Exemplo disso é a juntada de materiais realizada pelos advogados de Valentina de Andrade na época do júri, citando vários casos do Maranhão.

Mas e os familiares das vítimas nos dois estados? Eles se comunicavam? No Pará, como se sabe, os pais se organizaram em grupos para pedir por justiça. No Maranhão, não foi diferente. Havia um contato estabelecido entre as famílias de ambas as regiões, e uma conexão direta entre centros sociais que prestavam amparo jurídico para os casos. 

Em terras paraenses, o apoio se dava por meio do Cedeca Emaús, o Centro de Defesa da Criança e do Adolescente, fruto do trabalho do padre Bruno Sechi e de lideranças locais. Já no Maranhão, a assistência vinha do Instituto Marcos Passerini, ligado ao padre homônimo, também adepto da teologia da libertação. 

Os autos do processo dos meninos de Altamira contêm a ata de uma audiência pública realizada pelo Cedeca em 13 de agosto de 1999. O evento marca os dez anos de impunidade dos crimes cometidos na região. 

No documento, há uma carta de Rogenir Almeida Santos, coordenador do Instituto Marcos Passerini, expressando apoio às famílias do Pará:

Temos consciência da dor, da indignação e da revolta que tais fatos causam, sobretudo aos familiares, pais e mães de famílias humildes que além da violência e injustiças que a realidade social lhes impõe, ainda são obrigados a passar por tão grande sofrimento. A estes familiares, a nossa mais sincera e profunda solidariedade humana. De vocês recebemos apoio e solidariedade, inclusive com a visita de uma das mães de Altamira, que relatou a experiência do Comitê em Defesa da Vida das Crianças Altamirenses.

Ata de audiência pública do Cedeca

Mesmo que se comprove que as famílias de ambos os estados tenham tido contato, não se sabe ao certo a extensão do relacionamento entre elas. Além disso, nunca houve por parte dos familiares ou das instituições sociais nenhuma iniciativa no sentido de conectar os crimes.

É de supor, porém, que não era difícil para os moradores dessas regiões ligarem todos esses eventos. Assim como Altamira ganhou repercussão nacional, os casos do Maranhão também foram noticiados na TV aberta, em horário nobre, ao longo dos anos. Ora eles apareciam na mídia conectados, ora separados, e às vezes permeados pelos acontecimentos de Guaratuba, no Paraná.

Segundo reportagens em jornais, revistas e na TV, veiculadas no início dos anos 90, sempre que as ocorrências eram relacionadas, era pelo viés da magia negra. Prova disso são as matérias já citadas da Veja e da Manchete, que falam sobre Valentina de Andrade e o Lineamento Universal Superior (LUS).

Nessas publicações, há o que se espera de uma cobertura sensacionalista da época. A líder do LUS é chamada de “bruxa” e associada a “rituais macabros”, com acusações que passam até mesmo por tráfico de órgãos humanos. 

Os casos de crianças mutiladas no Maranhão são associados aos de Michel Mendes, em Goiás, e ao de Evandro Ramos Caetano, no Paraná. Todos são colocados na conta do Lineamento, sem rigor científico ou aprofundamento por parte da imprensa. Não existe nenhum indício nas investigações que ampare, por exemplo, a hipótese da venda de órgãos tão aventada pela mídia.

Matéria da revista Veja sobre Valentina

Matéria da revista Manchete sobre Valentina

Uma matéria do jornal paraense “O Liberal”, de 8 de agosto de 1993, fala sobre os casos “insolúveis” no estado. O texto traça a similaridade nos eventos ocorridos no Maranhão e em Altamira, e usa a nomenclatura serial murderer, que define como “crimes idênticos e praticados em série”. Há algo de novo e interessante aí. Mas, na sequência, o jornalista afirma que os delitos foram cometidos para “rituais de magia negra” ou “macumba”. 

Matéria do jornal O Liberal – “História de crimes insolúveis”

A tese de um único responsável é logo descartada e a velha narrativa retorna: os assassinatos são colocados na conta de uma seita satânica, misturados no mesmo caldeirão preconceituoso que conecta magia negra com religiões de matriz afro-brasileira. 

Aliás, a própria terminologia “magia negra” carrega em si um cunho racista, de forma que essa associação, tão comum na época, possui um lastro de discriminação bem mais antigo.

Ainda assim, essa reportagem é o mais próximo que a imprensa do período chegou em abordar a possibilidade de um crime serial. Isso mostra que a ideia de serial killer, hoje tão difundida por séries e filmes americanos, ainda não era bem compreendida pelo público brasileiro. Naquela época, a crença em crimes envoltos em misticismo e mistério ganhou os corações e mentes da população.

Mas deixando o imaginário popular de lado, uma dúvida surge: e quanto à Polícia Federal (PF), que deveria operar com um rigor metodológico e livre de pré-concepções? Em algum momento, os investigadores pensaram em conectar os crimes?

A verdade é que não dá para responder. A falta de informações sobre a atuação da PF em Altamira na década de 1990 impede que se analise a fundo quais eram as possibilidades aventadas. Via de regra, pistas sobre o trabalho desses agentes só estão disponíveis em depoimentos de terceiros e nos autos de processo da Polícia Civil.

A evidente pressa da PF em apontar Valentina como mandante dos crimes no Pará sugere apenas um caminho: a acusada comandaria uma seita macabra responsável por matar crianças em diferentes regiões do país. Ou seja, a própria polícia se alimentava do pensamento sensacionalista e preconceituoso da grande mídia. Um nutria o outro.

O problema é que, com isso, não sobrou espaço para um olhar aprofundado e analítico dos eventos, que pudesse definir as particularidades e similitudes no modus operandi. O lado técnico científico foi suplantado pela crença em um mundo habitado por demônios, o que impediu que se buscasse, a partir das provas materiais, pistas para a resolução dos crimes. 

E aqui é importante pontuar o seguinte: enquanto os casos do Pará e do Maranhão apresentavam semelhanças visíveis, o de Evandro Ramos Caetano é completamente diferente. Tanto o modus operandi quanto a forma como o corpo dele foi encontrado não têm relação com os crimes ocorridos no Norte e Nordeste do país. Além de não ter sido emasculada, a vítima tinha outros tipos de lesões, como a ausência das mãos, de dedos dos pés e dos órgãos internos.

Se a polícia tivesse agido de forma técnica e livre de pré-concepções, talvez entendesse que o mesmo assassino poderia ser o responsável pelas mortes no Pará e no Maranhão, mas não pela de Evandro. Uma investigação eficiente seria capaz de traçar conexões entre Altamira e São Luís, chegar a uma resposta e evitar o assassinato de dezenas de crianças.

Mas a PF não foi a única a ignorar as semelhanças entre os crimes. O mesmo aconteceu com a Polícia Civil. Até onde sabemos, as instâncias de ambos os estados jamais se comunicaram – e isso se estende também ao poder executivo e judiciário. Não há, nos 71 volumes dos autos, nenhum registro que sugira uma interação entre as instituições estaduais.

Como resultado, judicialmente, os casos do Maranhão e de Altamira caminharam de forma autônoma. Enquanto no Pará, as investigações resultaram na acusação de Valentina e dos quatro homens, no estado vizinho os crimes tiveram seus próprios inquéritos. 

Desta vez, cada criança teve um processo individual conduzido pela Polícia Civil. Isso fez com que qualquer padrão entre as ocorrências fosse ignorado, e levou à prisão diferentes suspeitos:

  • No caso de Jailson Alves Viana, de 15 anos, desaparecido em 25 de dezembro de 1996, três homens foram detidos. Eram eles: Genésio, Francisco e Elrismar – seus sobrenomes foram omitidos para preservá-los. 
  • Já pela morte de Júlio César Pereira Melo, de 11 anos, a polícia prendeu Robério, o padrasto da vítima. O crime aconteceu no ano de 1998 na cidade de São José de Ribamar. O suspeito, que foi torturado para confessar, chegou a ser condenado, mesmo sem provas.

A prisão dessas pessoas, no entanto, não fez com que os crimes cessassem. Por isso, os familiares das vítimas e o Instituto Marcos Passerini continuaram a pressionar as autoridades. Como consequência, em 27 de julho de 2001, um pleito foi aberto frente à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), com o apoio de uma ONG chamada Justiça Global.

Quando uma ocorrência de violação dos direitos humanos não é resolvida por um dos países membros da Organização dos Estados Americanos (OEA), como é o caso do Brasil, pode-se abrir um pleito na CIDH. Foi o que aconteceu no Maranhão. 

Relatório do pleito aberto frente à CIDH

A partir daí, a República Federativa do Brasil virou ré nos casos de morte e emasculação de crianças no estado. A Polícia Federal, então, foi acionada e começou a agir em terras maranhenses. 

Após a morte de Júlio César e a prisão de Robério, outros 12 menores desapareceram. Jonnathan Silva Vieira foi o 13º. O sumiço dele mudaria completamente o rumo de tudo até aqui. Isso porque, em 10 de dezembro de 2003, um mecânico chamado Francisco das Chagas foi preso pela polícia. 

CASO JONNATHAN

Quem é Francisco das Chagas e como ele aparece nessa história? Uma personagem-chave para responder a essa pergunta é Edilúcia Chaves Trindade, delegada da Polícia Civil do Maranhão. Na época do caso Jonnathan, enquanto trabalhava na Delegacia de Homicídios, ela foi a primeira a escutar as suspeitas acerca do mecânico.

“O nome Chagas sempre apareceu, desde o começo. A linha de investigação não me dava margens outras que não a participação dele. Por quê? Porque, felizmente, Jonnathan disse para Regiane, a irmã, que sairia com o Chagas para pegar juçara”, relatou ela em entrevista ao Projeto Humanos.

Antes de sair, o adolescente contou para Regiane que iria até a “oficina do Beto”, na rua atrás de casa, para encontrar com um homem chamado Chagas. Juntos, eles dariam uma volta na região para apanhar juçara.

Segundo o depoimento da irmã da vítima, apesar de não ser amigo da família, o mecânico era conhecido na vizinhança. Jonnathan tinha uma bicicleta e, quando precisava consertá-la, ia até a oficina onde Chagas trabalhava. 

Justamente por isso, de acordo com Regiane, ninguém nunca questionou a amizade entre os dois. Antes do desaparecimento, inclusive, ela já havia notado que a oficina era bastante frequentada por adolescentes da idade de Jonnathan. 

Depoimento de Regiane

Foi a bordo da bicicleta azul que o garoto saiu para o seu último passeio. 

Aqui vale uma recordação: algumas vítimas em Altamira também estavam de bicicleta no dia em que foram atacadas. Assim, não parece aleatória a informação de que Chagas era funcionário de uma oficina, em mais uma conexão entre os dois cenários.

Regiane passou a tarde toda preocupada com o irmão, conversando com vizinhos e procurando o mecânico. 

Em outra declaração à polícia, ela afirma que, por volta das 18h daquele dia, Chagas bateu à sua porta. Ele estava acompanhado de um sobrinho e de uma vizinha.

Na ocasião, o suspeito perguntou para Regiane por que ela estava espalhando a história de que ele tinha saído com Jonnathan. Ela, então, descreveu a conversa que teve com o irmão pela manhã e acrescentou que chamaria a polícia. Chagas riu e alegou não conhecer o garoto.

Depois da visita inesperada, a jovem continuou as buscas pela região à procura do garoto, com a ajuda de amigos e familiares. A mãe do menino, Rita Gomes da Silva, soube do ocorrido à noite, por telefone, enquanto estava no trabalho. Na mesma hora, saiu de lá e se encontrou com o marido, Gaspar, padrasto de Jonnathan. 

Todos seguiram procurando, mas ninguém acreditava que o mecânico realmente fosse o responsável. Afinal, Chagas era um homem simples, um morador da comunidade que nunca chamou muita atenção. Todo o imaginário da época estava voltado para a culpa de poderosos satanistas, membros de uma seita assassina.

Diante desse cenário, a polícia recomendou que Rita esperasse 48 horas para registrar um Boletim de Ocorrência, o que ela fez. Na manhã de 8 de dezembro, a família foi até a delegacia e relatou o caso, apontando Chagas como o principal suspeito.

Depoimento de Rita

A delegada Edilúcia recebeu as informações e seguiu as pistas fornecidas. Ela ainda elogiou a persistência e dedicação da mãe da vítima. “Ela foi uma mulher que realmente cobrou da polícia, e eu acho que isso é louvável numa mãe que ama o seu filho. E eu me senti, como mãe na época, na obrigação de ir atrás. Tanto é que você pode constatar no inquérito que as diligências eram diárias”, comentou ao podcast.

Ainda em 8 de dezembro, dois dias após o desaparecimento, Chagas foi interrogado pela polícia. Na ocasião, ele negou ter saído com Jonnathan. Disse que nem conhecia o garoto direito e que só o tinha visto algumas vezes na oficina onde consertava bicicletas.

Como álibi, afirmou que, na manhã em que o garoto sumiu, foi até o trabalho para se encontrar com um amigo chamado Beto. Em seguida, ambos teriam ido até o bairro São Raimundo para assentar portões de ferro.

Sem provas que poderiam mantê-lo na delegacia, o suspeito logo foi liberado. 

Primeiro depoimento de Chagas

Em 10 de dezembro, duas novas testemunhas ajudariam a incriminar o mecânico: uma mulher chamada Maria Silvana Coelho, madrinha de Jonnathan, e o seu filho, Matheus, de apenas oito anos.

De acordo com Maria, na manhã do dia 6, ela pediu para o filho comprar sabão para limpar as janelas. Caso encontrasse Jonnathan, era para chamá-lo também, a fim de que ajudasse no serviço. Matheus saiu e, na volta, avistou o amigo na oficina, que ficava perto da sua casa.

A criança contou para a mãe onde o adolescente estava, e ela lhe disse para ir até a oficina e chamar Jonnathan. Matheus a obedeceu imediatamente. Ao conversar com o amigo, porém, recebeu a resposta de que ele só visitaria a madrinha mais tarde, pois naquela manhã havia planejado “sair com Chagas”.

Depoimento de Maria Silvana Coelho

Termo de informações de Matheus

Segundo a delegada Edilúcia, Matheus chegou a identificar Chagas em um processo de reconhecimento realizado na delegacia.

No dia seguinte ao depoimento da criança, a polícia prendeu o mecânico. Edilúcia não demorou para pedir a prorrogação da prisão do suspeito, que foi concedida em 15 de dezembro. Nesta mesma data, ela solicitou também que Chagas passasse por análise psiquiátrica e psicológica. 

Preso, o acusado foi submetido ao que a delegada chama de “anamnese”, uma forma de entrevista mais solta e informal do que um típico interrogatório. Ele lhe contou que morava no Maranhão desde 1994. Mas antes, entre 1977 e 1994, residiu em uma cidade no Pará: Altamira. Esse detalhe chamou a atenção de Edilúcia.

“Eu fiz toda uma técnica diferente de interrogatório. Eu tentei fazer com que ele confiasse em mim. A grande realidade foi essa. Então ele disse ‘eu morei lá em Altamira por tanto tempo’. Aí acendeu aquela lampadazinha”, relatou a delegada.

Por participar de congressos e acompanhar os noticiários, ela já conhecia o histórico de crimes contra crianças no Pará. Por isso, nessa primeira conversa com o suspeito, a investigadora conseguiu traçar os locais de residência dele, o histórico familiar e até mesmo montar uma árvore genealógica.

Ao longo das apurações, outras testemunhas aumentariam as suspeitas sobre Francisco das Chagas. Beto, amigo do mecânico, desmentiu que o teria encontrado para assentar portões, o que derrubou o seu álibi. O próprio dono da oficina, chamado Carlos Alberto, confirmou que Jonnathan visitou o local naquela manhã e foi atendido por Chagas, o que corroborou com o depoimento de Regiane.

Já Nailson, um menino de 15 anos, contou à polícia que, três ou quatro dias antes do desaparecimento, o mecânico o convidou para apanhar juçara. Ao negar o passeio, Chagas teria ficado bravo e insistido.

Ainda que a Polícia Civil tivesse conseguido prender o suspeito, sem encontrar o corpo de Jonnathan, seria difícil mantê-lo atrás das grades por muito tempo. Mas, em 19 de dezembro, duas semanas após o desaparecimento, as investigações começaram a avançar. Na ocasião, a bicicleta do adolescente foi apreendida com um menino chamado Ruan Victor. Em depoimento, ele relatou tê-la encontrado “escondida no mato”. 

A mãe de Ruan, Maria Lúcia Tavares, o acompanhou até a delegacia, e deu mais detalhes sobre o que o filho teria lhe dito. De acordo com ela, o garoto afirmou que no dia 6 de dezembro viu “um homem transando com um menino, mas o menino não estava mais com vida”. 

Para que não contasse nada para ninguém, o mecânico pediu para Ruan voltar ao local mais tarde, pois lhe daria uma bicicleta de presente.

Com base no relato de Ruan, a polícia agora tinha elementos para solicitar a conversão da prisão temporária do suspeito em preventiva. Enquanto isso, buscas pelo corpo da vítima passaram a ser feitas nas matas da região descrita pelo menino. A procura durou aproximadamente 40 dias. 

Em 16 de janeiro de 2004, uma ossada foi encontrada perto de uma pedreira, a quatro quilômetros de distância da casa de Chagas. As primeiras análises determinaram que o corpo seria de um adolescente de cerca de 15 anos, e que a causa da morte havia sido traumatismo craniano.

Dois dias depois, a polícia fez uma nova descoberta. A cinco metros do local da ossada, os peritos acharam uma camisa, uma bermuda e uma sandália havaiana dentro de um buraco. A família de Jonnathan identificou os objetos como pertencentes ao menino. 

Diante disso, em 26 de janeiro, a prisão de Francisco das Chagas finalmente se transformou em preventiva. Ele foi indiciado por homicídio e ocultação de cadáver.

Laudos de análise do corpo apontaram para fraturas no ânus, que corroboram com a hipótese de violência sexual levantada pelo relato de Ruan. Além disso, um exame realizado no suspeito ainda em dezembro, quando ele foi preso, concluiu o seguinte: 

[…] Lesões encontradas na glande, no sulco bálamo-prepucial e no freio do pênis do acusado, são compatíveis com trauma local, sugerindo a prática de coito anal.

Auto de apreensão da ossada de Jonnathan

Auto de reconhecimento de objetos

Laudo de exame de Chagas

GEOGRAFIA DO CRIME

Em janeiro de 2004, antes da ossada ser encontrada, outro delegado da Polícia Civil assumiu o caso de Jonnathan: João Carlos Amorim Diniz. Ele coordenava, desde abril de 2003, uma equipe voltada para investigar os crimes contra meninos no Maranhão. Por isso, foi designado para substituir Edilúcia após a prisão de Chagas.

O grupo conduzido por Diniz fez um levantamento minucioso de todas as ocorrências registradas no estado nos últimos anos. Quase todos aconteceram em São Luís e região metropolitana, enquanto apenas um ocorreu na cidade de Codó, a 300 quilômetros da capital.

Paralelo a isso, o investigador também pesquisou sobre os crimes em Altamira. “Eu sabia da semelhança, mas não podia pedir autorização para ninguém. Eu também investiguei. Que tipo de investigação? Peguei os dados, quem era, quando foi, e juntei com os meus. Foi só isso que fiz. Eu não tinha acesso aos autos do Pará”, explicou Diniz durante audiência realizada na Comissão de Direitos Humanos em Brasília, em novembro de 2004.

Foi a partir do cruzamento de informações que a equipe montou uma tabela e verificou que as datas em ambos os estados se intercalavam. 

Com a ajuda do perito Wilton Carlos Rego, a força-tarefa produziu um mapa dos crimes, que mostrou algo bastante curioso: das 14 mortes registradas no Maranhão até abril de 2003, 13 aconteceram em São Luís. Mais especificamente em uma área pequena, de 4,5 por 12 quilômetros, onde ficava a casa das vítimas. 

“Por que só ocorreu dentro dessa área? Isso quer dizer que alguém, ou as pessoas que cometeram esses crimes, tinha aquele como o seu território. Essa foi a minha primeira constatação”, completou Diniz. A única exceção era o evento em Codó, que ele considerava isolado.

A ata da audiência onde o delegado apresentou os detalhes da investigação, além das tabelas e mapas produzidos, está disponível em um livro publicado pelo Ministério Público do Maranhão. Ele é distribuído gratuitamente pela internet em formato PDF e pode ser acessado aqui:

Livro do MP sobre o caso dos meninos emasculados do Maranhão

O espaço geográfico, porém, não era o único fator que ligava as vítimas. As semelhanças na forma como os corpos eram ocultados e até mesmo nas lesões encontradas também chamaram a atenção dos investigadores. Além da emasculação, os cadáveres possuíam outras mutilações, como a retirada de mamilos, dedos ou pedaços da orelha.

Todas essas informações foram levantadas pela equipe de Diniz antes do Chagas aparecer na história. Por isso, depois de tanto trabalho, a força-tarefa se viu um pouco perdida. Como continuar? Como identificar o responsável ou responsáveis?

Segundo o delegado, a orientação era evitar erros comuns nas investigações anteriores, quando a polícia só passava a apurar o caso depois que o cadáver era encontrado. Agora, se uma criança ou adolescente desaparecesse, todos os detalhes precisavam ser colhidos com testemunhas o mais rápido possível. Foi exatamente o que aconteceu após o sumiço de Jonnathan. 

A equipe de Diniz entrou para o caso do adolescente no momento da procura pelo corpo. Ao encontrá-lo, o delegado pôde comparar as características da cena do crime com o estudo das demais mortes.

Da mesma forma, o depoimento de Chagas permitiu uma análise entre as datas das idas e vindas dele entre Altamira e São Luís, com as das ocorrências em ambas as cidades. E elas coincidiam. 

Lembre-se, em 2004 não existiam smartphones. A tecnologia ainda não era tão avançada e acessível. O Google Maps só foi lançado um ano depois. 

A questão é que Wilton era formado em engenharia civil e gostava muito de aparelhos tecnológicos. Com dinheiro do próprio bolso, ele comprou na época um equipamento caríssimo: um GPS. Por meio dele, passou a demarcar em um mapa todos os locais de crimes contra os meninos.

Quando Chagas apareceu, o perito incluiu ali as informações relativas ao suspeito – onde ele morou e trabalhou ao longo dos anos dos desaparecimentos. Wilton, então, notou algumas proximidades.

Hoje, essa técnica é conhecida como “Geografia do Crime”, e é muito utilizada na identificação de serial killers nos Estados Unidos. Mas, em 2004, no Brasil, o método não era nada comum. Por isso, o trabalho de Wilton pode ser considerado inovador, especialmente pelas dificuldades tecnológicas.

Nessa época, mesmo preso, Chagas ainda negava todos os crimes. Esse cenário só mudou em março de 2004, quando a polícia realizou uma busca e apreensão na casa dele.

O que motivou o procedimento, além das evidências já coletadas, foi o depoimento de vizinhos que frequentavam a residência do mecânico. Um deles, cujo irmão inclusive também havia desaparecido, em 2002, disse que o local exalava “um forte odor de putrefação”.  

Durante a busca, uma das primeiras coisas que chamaram a atenção dos peritos foi uma baladeira – como o estilingue é chamado em algumas regiões do Brasil. Posteriormente, o objeto seria ligado a um dos meninos mortos na cidade, Sebastião Ribeiro Borges, o “Siba”. 

Siba sumiu em 17 de agosto de 2000 depois de sair de casa com a baladeira, para caçar passarinhos. No dia seguinte, o corpo do garoto foi achado em um matagal, a cerca de 300 metros de onde Chagas morava.

Os familiares identificaram o estilingue do menino devido às marcações que ele tinha, além do material usado para confeccioná-lo. “O pai da vítima reconheceu a baladeira pelo couro. Disse que tirou de uma chuteira velha e deu ao garoto. E, realmente, na perícia consta que o couro é de um calçado”, comentou Diniz na audiência.

Além de analisar com cuidado os objetos da casa, os policiais também avaliaram o solo, buscando pontos em que a terra tivesse sido removida. Na ocasião, eles encontraram sob o chão batido uma cartilagem ressecada, que depois seria identificada como uma traqueia humana.

As escavações seguiram por dois dias e, em 26 de março, os investigadores descobriram duas ossadas enterradas no local. 

A partir desse momento, a pressão em cima do suspeito aumentou. Diante das evidências incontestáveis, Chagas confessou ter cometido três crimes no Maranhão. O relatório da Polícia Civil sobre o caso afirma:

Interrogado, no mesmo dia em que foram encontradas as ossadas humanas, CHAGAS confessou ter assassinado e enterrado no interior da sua residência a criança Daniel Ribeiro Ferreira, de 04 anos, sobrinho de Silvandira, sua ex companheira, a qual estava desaparecida desde 10 de fevereiro de 2003 e o adolescente Diego, o qual seria, segundo CHAGAS, um “menino de rua”. 

Confessou, ainda, que estava em companhia do adolescente Jonnathan Silva Vieira no dia 06 de dezembro de 2003, em um juçaral na localidade Santana, quando teria ocorrido um acidente e o referido adolescente caiu de uma juçareira, bateu a cabeça e morreu, tendo CHAGAS, com medo de que o mesmo fosse encontrado, ocultado o corpo em um matagal.

Relatório da Polícia Civil sobre Chagas

Exames de DNA feitos posteriormente pela universidade de Alagoas confirmariam as confissões de Chagas. As ossadas foram identificadas como pertencentes a Daniel Ribeiro Ferreira, de quatro anos, e Emanoel Diego de Jesus Silva, de 14. O resultado da análise da traqueia, porém, se mostrou inconclusivo.

Daniel foi a vítima mais jovem e mais próxima do acusado. Ele era sobrinho da ex-companheira de Chagas. Na ocasião do crime, a criança estava sob os cuidados do pai, Domingos Oliveira, que era vizinho do mecânico. Ele dormia na cama junto com o filho quando o garoto desapareceu no meio da madrugada. Como havia bebido muito antes de deitar, não percebeu o sequestro. 

De acordo com o relatório da polícia, o suspeito frequentava a casa de Domingos “quase que diariamente”, onde às vezes almoçava, jantava, tomava café e brincava com os filhos do casal. O ar de “bom moço” seguiu até mesmo depois do sumiço do menino, como relata uma matéria do jornal O Estado de S. Paulo, de 25 de abril de 2004:

No desespero que se seguiu, por mais de um ano, Chagas foi de exemplar solidariedade. Deu ombro para Domingos e Mônica, os pais de Daniel. Comandou buscas, deu entrevistas para rádios e televisões clamando por providências das autoridades. Tão solidário foi que a polícia de Cutrim o convidou, nada mais, nada menos, para participar da reconstituição do crime.

Matéria do jornal O Estado de S. Paulo – “A confissão deste homem: 32 garotos mutilados e mortos”

Nas primeiras confissões à polícia, Chagas deu diferentes motivos para os crimes. Sobre Daniel, disse que resolveu pegá-lo para assustar Domingos, que não cuidava direito do menino. A criança, porém, teria começado a chorar e, a partir daí, ele já não se lembrava de mais nada. Já em relação a Diego, afirmou que teria dado pauladas na cabeça do adolescente pois desconfiava que ele teria lhe roubado a quantia de 10 reais.

Além das ossadas e da baladeira, havia na casa de Chagas pedaços de camisas compatíveis com roupas utilizadas por alguns dos meninos. Isso mostra que era comum que o acusado guardasse “troféus” das vítimas – ou seja, um item pertencente a elas.

A partir do final de março de 2004, como consequência da busca e apreensão, o mecânico começou a falar. No total, confessou o assassinato de 30 garotos só no estado do Maranhão, entre 1991 e 2003.

Termo de Qualificação de Chagas (26/03/2004)

Termo de Reinquirição de Chagas (28/05/2004)

Termo de Reinquirição de Chagas (12/07/2004)

Chagas – Confissões em juízo (2004-2005)

Em outubro de 2006, Rita, a mãe de Jonnathan, prestou depoimento no Tribunal do Júri de Chagas, que acabou condenado por unanimidade. Nos anos que se seguiram, o mecânico foi julgado e considerado culpado pela morte de diversos garotos no Maranhão. 

A declaração de Rita no plenário traz a extensão pessoal da tragédia e nos faz lembrar que em cada menino havia uma individualidade, uma vida e sonhos:

Que sobre seu filho, a depoente e todas as pessoas que o conheciam o consideravam maravilhoso; Que ele tinha realizado um sonho que era de adquirir uma bicicleta; Que ele queria ser um jogador de futebol e tirar a depoente da vida que levava; Que ele falava em comprar uma casa e um carro para a depoente; Que a depoente dizia que não sabia dirigir e ele lhe respondia que arrumaria até um motorista; Que JONATHAN era inteligente e já estava no primeiro ano do Segundo Grau.

Depoimento de Rita no júri de Chagas

Trinta garotos. Trinta vidas. O número assusta na mesma medida em que massifica. É difícil dar conta da dimensão humana e individual da tragédia. A morte de cada um deles é um futuro tirado de uma comunidade. Um crime é uma tragédia coletiva. Os anos que a polícia demorou para resolver os casos fizeram com que as famílias parassem no tempo e trilhassem um caminho de muito sofrimento.

Mas um crime é também uma tragédia individual. É impossível, nesse podcast, dar conta das particularidades de cada um dos 30 casos do Maranhão. Como, então, narrar essas vidas que foram destruídas? 

Os autos do processo contêm dezenas de páginas das confissões de Chagas, descrevendo com detalhes como ele encontrou e matou cada uma das crianças. Se por um lado, essas informações podem ser preciosas por evidenciar as semelhanças com Altamira, por outro, elas escancaram uma dor imensa.

Por ora, disponibilizaremos aqui os nomes das crianças vítimas do Maranhão, com um resumo produzido pela Polícia Federal da época:

FRANCISCO DAS CHAGAS confessou a autoria dos homicídios contra os seguintes menores, ocorridos na Ilha de São Luis:

1. Jondelvanes Macedo Escórcio, 10 anos, desaparecido no dia 07/09/1991, após sair de casa, na Vila Cafeteira, para vender suquinhos, indo em direção a um campo de futebol localizado no Rio São João, passando pela localidade Mercês. Esta criança não teve seu corpo encontrado.

2. Ranier Silva Cruz, 10 anos, desaparecido no dia 17/09/1991 e encontrado, morto e emasculado, no dia 22/09/1991, em um matagal no loteamento Paranã, próximo a Estrada de Ribamar. Francisco das Chagas o teria abordado em uma rua no Conjunto Tambaú e levado para um matagal próximo a Estrada de Ribamar, onde ocorreu o crime;

3. Antônio Reis Silva, 12 anos, desaparecido em 08/10/1991 e encontrado emasculado no dia 12/10/1991, em um matagal, na reserva florestal do Batatã, no bairro Sacavém. Francisco das Chagas afirmou ter abordado o menino, que vendia suquinhos, na Avenida dos Franceses, próximo ao Mercado do Automóvel e levado para um matagal, na Estrada do Batatã, depois do Mercado do Automóvel, próximo à rodoviária, onde ocorreu o crime;

4. Ivanildo Póvoas Ferreira, 11 anos, desaparecido em 07/11/1991 e encontrado, morto e emasculado, no dia 07/12/1991, nas matas do horto florestal do IBAMA, na Maiobinha. Teria sido abordado por Francisco das Chagas quando vendia suquinhos nas proximidades da feira da Cidade Operária, sendo levado para a Estrada da Maiobinha, onde foi morto em um matagal;

5. Carlos Wagner dos Santos Sousa, 10 anos, desaparecido em 20/11/1991 e encontrado, morto e emasculado, no dia seguinte, 21/11/1991, em um matagal próximo a Avenida 14, no Maiobão. Este menino foi abordado quando vendia bolo do lado de fora do colégio Unidade Integrada José Maria Martins, no Maiobão e levado pela Estrada de Ribamar até um matagal, após o posto de gasolina, onde ocorreu o crime;

6. Bernardo Rodrigues Costa, 14 anos, desaparecido em 03/03/1992 e encontrado, morto e emasculado, no dia 06/03/1992, em um matagal localizado entre as invasões Vila Cafeteira e São José. O nacional Bernardo da Silva Dias chegou a ser pronunciado, julgado e absolvido, por duas vezes, pelo Tribunal do Júri pelo cometimento deste delito;

7. Francisco das Chagas disse ter abordado um menino de cerca de 12 anos na praia do Araçagi, o qual estava tomando banho de mar. O menor foi levado para uma estrada na praia do Olho de Porco. Após as buscas realizadas no local, não foi encontrado qualquer indício da ocorrência deste delito, da mesma maneira que não existe notícia a desaparecimentos de menores nestas circunstâncias; 

8. Alexandre dos Santos Gonçalves, 10 anos, fato ocorrido em 20/08/1994, o qual foi visto pela última vez nas imediações de sua casa na Vila São José II, próximo a um campo de futebol. Teria sido levado para um matagal próximo a um lixão na estrada que vai  para Paço do Lumiar. O corpo desta criança nunca foi encontrado;

9. Nerivaldo dos Santos Ferreira, 11 anos, desaparecido em 21/03/1996 e encontrado, morto e emasculado, no dia 24/03/1996, em um matagal na localidade Mercês, Paço do Lumiar. Este menino foi levado por Francisco das Chagas com o engodo de irem buscar mangas;

10. Bernardo da Silva Modesto, 14 anos, ocorrido no dia 25/07/1996, na Vila Cafeteira, quando foi visto pela última vez com uma gaiola, indo em direção a um baixo onde ia pegar passarinho. Não foi encontrado o corpo deste menor, todavia, há noticias de que no ano de 1998, fora encontrado no local uma ossada humana, mas sem qualquer identificação pelo IML;

11. Jailson Alves Viana, 15 anos, desaparecido no dia 25/12/1996, tendo sido encontrada apenas a sua ossada no dia 05/02/1997, em um matagal, próximo a uma roça, na localidade Santana. Este menino encontrava-se apanhando mangas no momento da abordagem. Por este crime foram indiciados, denunciados e pronunciados Genésio, Francisco e Elrismar, os quais se encontravam presos até o dia 12/05/2004, quando lhes foi concedida A liberdade provisória, devido às confissões de CHAGAS;

12 e 13. Eduardo Rocha da Silva e Raimundo Nonato da Conceição Filho, 10 e 11 anos, desaparecidos no dia 07/06/1997 e encontrados, mortos e emasculados, no dia 09/06/1997, em um matagal na Estrada Nova, município de Paço do Lumiar. Os meninos foram abordados na estrada que liga a Maioba a Paço do Lumiar, próximo a um lixão;

14. Evanilson Cantanhede Costa, 11 anos, desaparecido no dia 10/08/1997, quando este saiu de casa, na Vila Luizão com destino ao sítio da família no ltapiracó. Foi encontrado na estrada que vai do Parque Vitória para o Vassoural e levado para um matagal no Itapiracó. Há registros de que no ano de 2000 fora encontrada uma ossada humana de uma criança sem o crânio no local, todavia, sem qualquer identificação. Durante buscas realizadas no também fora encontrado parte de um crânio humano; 

15. Josemar de Jesus dos Santos Batista, 13 anos, desaparecido em 09/10/19: encontrado, morto e emasculado, no dia 15/10/1997, em um matagal no povoado Santana. Este menino estava tomando banho no brejo do Santana, e foi levado pela estrada à esquerda do brejo até um matagal por Francisco das Chagas, local onde ocorreu o crime;

16. Rafael Carvalho Carneiro, 15 anos, desaparecido em 25/10/1997 e encontrado, morto e emasculado, no dia 29/10/1997, em um matagal no Alto do Turú. Foi abordado quando ia do Parque Vitória para o Parque Jair, ocasião em que o menino estava com um machado, uma cavadeira e um facão, sendo levado para um matagal entre as invasões Parque Jair e Alto do Turú, onde ocorreu o crime;

17. Júlio César Pereira Melo, 11 anos, residente na Vila J. Lima, desaparecido no dia 18/06/1998 e encontrado morto (somente a ossada) no dia 18/07/1998, em um matagal na localidade Ubatuba. Robério Ribeiro Cruz havia sido condenado pelo Tribunal do Júri como autor deste delito;

18. Nonato Alves da Silva, 10 anos, residente na Vila J. Lima, desaparecido no dia 28/06/1998 (dez dias após o desaparecimento de Júlio César Pereira Melo) e encontrado morto (somente a ossada) no dia 23/12/1998, em um matagal na localidade Ubatuba, a aproximadamente 300m do local onde também foi encontrado o corpo de Júlio César;

19. Francisco das Chagas disse ter abordado um menino, de aproximadamente 10 anos de idade, no Jardim Tropical I e levado para um matagal na localidade Riod, localizada após a Cidade Olímpica, onde ocorreu o crime, fato ocorrido no ano de 1999. Após as buscas realizadas no local, não foi encontrado qualquer indício da ocorrência deste delito, da mesma maneira que não existe notícia a respeito de desaparecimentos de menores nestas circunstâncias;

20. Sebastião Ribeiro Borges, 13 anos, conhecido por Siba, desapareceu em 17/08/2000, depois que saiu de casa, na Cidade Olímpica, com uma baladeira, para caçar passarinhos e foi encontrado morto em um matagal no povoado Mata a aproximadamente 300m da residência de CHAGAS, no dia 18/09/2000;

21 e 22. Hermógenes Colares dos Santos e Raimundo Luís Sousa Cordeiro, 11 e 10 anos, desaparecidos em 03/09/2000 e encontrados, mortos e emasculados, no dia 02/11/20, um matagal, no povoado Mata Grande, próximo a Estrada do Santana;

23. Diego Gomes Araújo, de 14 anos de idade, desaparecido em 05/03/2000, tendo sua ossada encontrada em 02/04/2004, enterrada na residência de Francisco das Chagas. Os restos mortais de Diego apenas puderam ser identificados após realização de exame de DNA;

24. Laércio Silva Martins, 13 anos, desaparecido em 05/05/2001, quando foi visto pela última vez, no Maiobão, próximo a sua residência, sentado no quadro de uma bicicleta, em companhia de um homem. No momento da abordagem, Laércio usava uma bolsa e pedia livros, tendo sido levado para a Estrada do Vassoural, pelo caminho do Sítio Grande;

25. Welson Frazão Serra, 13 anos, desaparecido no dia 07/10/2001 e encontrado, morto e emasculado, no dia seguinte, 08/10/2001 em um sítio situado no povoado Vassoural (local onde ocorreu a abordagem);

26. Edivan Pinto Lobato, 12 anos, desaparecido no dia 15/02/2002 e encontrado, morto e emasculado, no mesmo dia, por volta das 22h, no interior de uma casa em construção na beira da Estrada da Maioba;

27. Alexandre de Lemos Pereira, 08 anos, filho Raimundo Nonato Santos Pereira (vizinho de Francisco das Chagas), desaparecido desde o mês de agosto de 2002 quando saiu de casa para empinar papagaio e não mais foi visto. Francisco das Chagas teria saído da sua casa com o menino e o levou para a localidade São Brás dos Macacos, em um brejo, onde ocorre o crime, fato ocorrido no ano de 2002;

28. Daniel Ribeiro Ferreira, 04 anos, sobrinho de Silvandira, ex-companheira do investigado, desaparecido desde 10 de fevereiro de 2003 e tendo sua ossada encontrada na residência de Francisco das Chagas em 16/03/2004. Daniel só pôde ser identificado após a realização de exame de DNA;

29. Emanoel Diego de Jesus Silva,14 anos, desaparecido em 04/05/03 e tendo sua ossada encontrada enterrada na residência de Francisco das Chagas em 16/03/2003. Emanoel só pôde ser identificado após a realização de exame de DNA;

30. Jonnathan Silva Vieira, de 15 anos de idade, residente no Jardim Tropical I, município de São José de Ribamar, desapareceu em 06/12/2003, após sair de casa, por volta das 07h30, dizendo que ia apanhar “juçara” com o indivíduo chamado FRANCISCO DAS CHAGAS RODRIGUES DE BRITO, conhecido por “CHAGAS”, o qual trabalhava em uma oficina de serralheria e conserto de bicicleta, situada na rua detrás da sua casa. Os restos mortais do menino foram encontrados em um matagal, na localidade São Brás dos Macacos, no povoado Santana, a mais de 4km de distância de sua casa.

MODUS OPERANDI

Francisco das Chagas sempre agia da mesma forma. Atraía meninos pobres, moradores de comunidades onde vivia, e os convencia a fazer alguma atividade corriqueira, como apanhar frutas ou caçar passarinhos. Ao chegar no local combinado, matava as crianças e as emasculava.

Ele jamais confessou ter cometido crimes de violência sexual contra as vítimas. A análise do corpo de Jonnathan, no entanto, aponta o contrário. Mesmo assim, não é possível afirmar com segurança se houve ou não abuso, ou em quantos garotos eles teriam ocorrido.

Quando admitiu as mortes no Maranhão, em março de 2004, o acusado não chegou a falar sobre Altamira. O assunto só veio à tona um mês depois, quando ele finalmente citou alguns casos já conhecidos por aqui. 

Uma pista sobre o Pará surgiu em um extrato do PIS pertencente ao suspeito, do ano de 1990, também encontrado na casa dele. No papel, havia anotações de alguns nomes e datas. Entre eles, estava “Adaílson, 5 de maio de 1991”.

Não há nenhuma vítima de nome “Adaílson”, mas o garoto Ailton Fonseca do Nascimento desapareceu em Altamira exatamente em 5 de maio de 1991. A ossada dele só foi encontrada 46 dias depois, e identificada por meio dos objetos que estavam com ela. Posteriormente, o corpo foi enviado para Belém e nunca mais voltou para a família, que não conseguiu enterrar o garoto.

Um detalhe importante já pode entrar aqui: em 1991, Chagas era vizinho de Ailton em Altamira.

De acordo com Diniz, com o passar do tempo e o aumento no número de vítimas, o mecânico começou a anotar as informações dos crimes por meio do que era noticiado na TV. Ele confessou, inclusive, que tinha um caderno com os nomes e datas de todos os casos, mas jogou o objeto fora assim que se tornou suspeito no desaparecimento de Jonnathan.

Análise grafotécnica de Chagas (extrato PIS)

De qualquer modo, as investigações conduzidas por Diniz são bastante completas, principalmente devido à análise geográfica realizada por Wilton.

Em setembro de 2003, ainda durante os júris em Belém, a Polícia Federal ganhou poderes para investigar todos os casos contra crianças no Pará e em outros estados do Brasil. 

Com Chagas em vista, entrou em cena uma nova equipe da PF em Altamira, diferente daquela que apurou os crimes na década de 1990. Desta vez, o método de mapeamento também foi utilizado, sempre com troca de informações com a Polícia Civil e o Ministério Público do Maranhão. 

Como já mencionado, o único evento que se distancia geograficamente da área de moradia e atuação do mecânico é o de Codó, município que fica a 300 quilômetros de São Luís. Alguns elementos, no entanto, são diferentes dos demais, como o modo de ocultação do corpo e o fato de ele ter sido amarrado.

Apesar de já ter visitado a cidade e possuir parentes lá, Chagas jamais confessou esse crime em específico. A polícia levou isso em consideração, assim como a falta de materialidade.

Esse detalhe é importante porque, quando um serial killer aparece, existe o receio de que as autoridades coloquem na conta dele vários casos sem solução, só para “esvaziar a pilha”. Mas não foi o que aconteceu com essa situação em Codó.

O trabalho da equipe de Diniz de fato foi bem feito e contou com métodos inovadores para a época. É seguro afirmar, porém, que nada disso seria possível sem a atuação da delegada Edilúcia, que prendeu Chagas. Mais tarde, ela precisou se afastar da função devido a um problema de saúde e à perda de prazos para a entrega de relatórios. A saída repentina fez com que o desempenho dela se tornasse quase invisível na história do caso. 

“Meus filhos hoje dizem assim ‘a mãe é famosa mas ninguém sabe’. Eu digo que não é para saber mesmo. Eu acho que todos os desígnios divinos têm um motivo. Se eu fiz o bem para quem não morreu, só isso me basta. Então, eu não guardo mágoas”, afirmou ela em entrevista ao podcast. 

No fim, o que importava era que o assassino de crianças estava fora das ruas. Um homem que não se encaixava na visão hollywoodiana de serial killer, aquela figura poderosa e altamente inteligente, que não deixa pistas e sempre escapa da justiça.

Chagas não era rico. Era apenas morador de uma comunidade, como tantos outros. Uma pessoa quieta, que trabalhou em garimpos, mercados, fez bicos, e consertou bicicletas. Um vizinho prestativo, um bom cidadão. Nunca chamava a atenção, se perdia no meio da massa. Morava em uma casa perto das famílias que sofriam o luto de seus filhos. Ajudava nas buscas pelas crianças.

Mas ele deixava pegadas. Deixava rastros. Não era um assassino que cometia crimes perfeitos. Sequestrava à luz do dia e não tentava fugir ou se esconder depois. Continuava a viver perto das vítimas. 

Como, então, a polícia jamais seguiu essas pistas e chegou até ele? Talvez, as crianças que morreram também eram invisíveis para o Estado, vistas como apenas corpos em uma multidão.

Foi preciso que os familiares se unissem e chegassem até o alto escalão da justiça americana para que as autoridades olhassem para eles. Finalmente os moradores do Maranhão tiveram uma resposta e puderam descansar. 

Mas e quanto à população de Altamira? Após anos acreditando que a justiça tinha sido feita com a condenação dos quatro acusados, seria possível mudar de opinião? E crer que Chagas, sozinho, pudesse ser o responsável? Quais crimes, afinal, ele confessou no Pará?

O fato é que a história do mecânico não correspondia com o que as famílias de Altamira ouviram por mais de uma década de diversas autoridades, entre policiais civis e federais, promotores e juízes.

Valentina de Andrade foi absolvida em 5 de dezembro de 2003. Jonnathan desapareceu no dia seguinte. Menos de uma semana depois, Chagas foi preso.

Para muita gente no Pará, isso não era coincidência. Na visão dessas pessoas, o mecânico seria um “laranja”, que assumiu os crimes para tirar da prisão os homens condenados nos júris. A outra hipótese, bastante difundida, dava conta de que Chagas era membro da seita satânica. 

Para afastar essas teorias, a Comissão de Direitos Humanos realizou em Brasília uma audiência sobre o caso, em novembro de 2004. Quem se mobilizou para que ela ocorresse foi parte da bancada evangélica, que defendia a inocência do médico Césio Flávio Caldas Brandão.

Para quem não se lembra, o pastor de Césio conhecia alguns políticos influentes no Distrito Federal. Por conta disso, em 1999, o acusado conseguiu que uma carta sua fosse lida nessa mesma Comissão.

Agora, cinco anos depois, a audiência havia sido marcada após o pedido de dois deputados: Pastor Reinaldo Santos e Silva e Marcus Vicente. Este último era do Espírito Santo, estado onde Césio cresceu.

Na ocasião, estavam presentes Diniz e Wilton; além de duas promotoras e o secretário de segurança do Maranhão; e os advogados Cláudio Dalledone Júnior e Jânio Siqueira, que representaram os acusados nos júris.

Já do outro lado, deputados do PT faziam questionamentos pesados aos membros da bancada. Entre eles, por exemplo, estava José Geraldo Torres da Silva, mais conhecido como Zé Geraldo. Historicamente, o partido sempre se posicionou a favor das famílias das vítimas de Altamira. 

Apesar da audiência não ter sido gravada em imagens, o acervo de Dalledone possui um vídeo de quatro minutos da reunião, sem áudio. Nele, uma pessoa em especial chama a atenção. Sentada ao lado de Reinaldo, está Damares Alves – que, em 2019, se tornaria ministra do governo Bolsonaro.

De acordo com o pastor, a Comissão também enviou convites para pessoas do lado da acusação, mas nenhuma delas compareceu à audiência. Como exemplo, citou a promotora Rosana Cordovil e o superintendente da Polícia Federal do Pará na época, José Ferreira Sales; além de Rosa Maria Pessoa, mãe de Jaenes, morto em outubro de 1992.

Ata da audiência na Comissão de Direitos Humanos em novembro de 2004

Mas essa reunião aconteceu meses depois de uma nova equipe da PF ir à Altamira para investigar o envolvimento de Chagas nos crimes. Apoiando-se na portaria de setembro de 2003, os agentes tentariam responder a uma pergunta: teria sido ele o autor dos casos no Pará, especialmente os que não foram solucionados? 

Essas investigações serão tema do próximo episódio.

*Este episódio usou reportagens da Rede Globo.