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Extras Episódio 11

Os mandados de prisão temporária contra Césio Flávio Caldas Brandão, Anísio Ferreira de Souza e Carlos Alberto dos Santos foram emitidos pela juíza Elisabete Pereira de Lima em 07 de julho de 1993. Eles foram detidos poucos dias depois e levados à Belém, capital do Pará, para serem interrogados, acareados e reconhecidos por testemunhas.

Enquanto divulgava notícias sobre o caso, a mídia do Pará notou alguns estranhos eventos que passaram a acontecer em Altamira. Uma reportagem do jornal A Província do Pará, de 15 de julho de 1993, dizia o seguinte:

Estranhamente, todos os jornais que estão chegando ao município de Altamira com notícias a respeito dos médicos Césio Brandão e Anísio Ferreira, acusados de participação nas mortes e emasculações de crianças de 10 a 13 anos, estão sendo comprados no aeroporto, por uma só pessoa, e destruídos, não sendo permitido que a população tome conhecimento do fato. Mais estranho ainda é: as rádios e os canais de televisão estarem saindo do ar no momento em que se inicia o noticiário que fala a respeito do assunto. Tudo isso está levando a Polícia Federal a fazer investigações, “pois a impressão que se tem é que alguém muito poderoso está tentando esconder a notícia”, segundo declarações dadas ontem pelo delegado Éder Mauro, da Divisão de Ordem Política Social.

Matéria do jornal A Província do Pará – “Jornais são destruídos em Altamira”

O clima na cidade era tão complicado que a própria juíza Elisabete se manifestou no processo, citando os misteriosos episódios que assolavam os altamirenses: os jornais comprados por uma só pessoa, as emissoras de rádio e TV saindo do ar na hora do noticiário e a violação de uma correspondência.

De acordo com a magistrada, em certa ocasião, uma carta enviada a ela pelo Tribunal de Justiça do Estado do Pará foi aberta por outra pessoa. O conteúdo se referia ao julgamento de um habeas corpus em favor de Amailton Madeira Gomes.

Ofício da juíza Elisabete Pereira de Lima sobre o sumiço dos jornais

Ofício da juíza Elisabete sobre a correspondência violada

Ofício da Juíza Elisabete sobre os “acontecimentos estranhos”

O Projeto Humanos tentou checar as denúncias sobre os apagões e o controle do acesso à informação em Altamira na época, mas nada de concreto foi encontrado. Já sobre o caso da correspondência, uma possível explicação foi levantada pelo advogado José Carlos Melém, que representou o doutor Anísio após a prisão.

Certo dia, Melém recebeu uma ligação bastante curiosa de uma cliente, que era secretária da procuradora fiscal de Altamira. O prédio da Secretaria da Fazenda (SEFA), onde ela trabalhava, ficava ao lado do Fórum do município, parede com parede.

“Eu vou ser presa pela Polícia Federal no caso dos emasculados”, disse ela, incrédula e preocupada. “O que aconteceu?”, quis saber Melém. A secretária então explicou que o correio havia deixado uma correspondência na SEFA para a procuradora fiscal, chamada Elisabete Oliveira Pereira – nome bastante similar ao da juíza de Altamira, Elisabete Pereira de Lima.

“Estava escrito ‘sigiloso’. Eu não dei muita bola para isso, porque a carta possuía o nome da procuradora e eu tinha autorização para abri-la. Quando eu li, percebi que na verdade era um documento relacionado à investigação dos emasculados e encaminhado, na verdade, à juíza Elisabete Pereira”, esclareceu ela ao advogado.

Assim que notou o erro, a secretária levou a correspondência até o Fórum e explicou o mal-entendido para a magistrada Vera Araújo de Souza. Mas de nada adiantou. A partir daí, segundo Melém, a servidora foi tida como suspeita de intermediar informações a fim de atrapalhar o andamento do processo.

Ao saber de tudo aquilo, o advogado correu para defender a cliente. “Eu fui à Belém, fiz um habeas corpus, pedi uma liminar e o juiz suspendeu a apuração contra ela. Eu levei vários documentos da secretária, provando que ela tinha autorização para abrir o documento, já que se tratava de um destinatário homônimo. Assim, a justiça mandou arquivar o caso contra ela”, relatou Melém em entrevista ao podcast.

Apesar de parecer uma explicação razoável, não há qualquer menção nos autos a um procedimento contra a servidora pública da SEFA. Em meio ao clima de que um grupo muito poderoso estaria manipulando as informações sobre os crimes, as defesas dos suspeitos aparentemente não se preocuparam em contra-argumentar nada disso.

RECONSTITUIÇÃO

É nesse clima de paranoia que, em 27 de julho de 1993, a polícia faz uma reconstituição do testemunho de Agostinho José da Costa. Por meio das fotos presentes no laudo da perícia, é possível notar que o lavrador teria passado a menos de dois metros de distância do homem com o facão – que ele dizia ser o médico Césio. Nas imagens, a testemunha usa uma balaclava que cobre o seu rosto, com o objetivo de proteger a sua identidade.

A fotografia de número nove simula o encontro que Agostinho teve com um rapaz sentado à beira da estrada, segurando um cavalo. De acordo com ele, essa pessoa seria Amailton. A distância entre os dois não é especificada no laudo, mas também não parece ser muito longe.

Na décima e última imagem, há Juarez Gomes Pessoa, pai de Jaenes, a vítima relacionada ao relato de Agostinho. Ele aponta para uma pessoa deitada no chão, provavelmente um policial que ajudava na reconstituição. Aquele seria o local onde o menino havia sido encontrado morto.

Além das fotografias, o laudo possui um croqui, uma espécie de mapa que detalha a área e as etapas da simulação realizada com Agostinho. Algo curioso é que essa ilustração não tem escala – ou seja, não há como saber com precisão quais as distâncias reais entre os pontos sinalizados por ela. A impressão que o desenho passa é que tudo ocorreu muito perto, diferente do próprio relato de Agostinho, que dizia ter visto Amailton um quilômetro depois do encontro com Césio.

De qualquer forma, o depoimento do lavrador sempre foi muito convincente para as autoridades. Prova disso é a conclusão do perito Raimundo Nonato da Silva Pinto presente no laudo:

(…) [Os peritos] concluem ainda que, em todos os momentos da narração dos fatos para os presentes, a testemunha sempre foi precisa em suas informações, mesmo nos momentos que citou os nomes dos Srs. Césio e Amailton, e possui uma observação bastante eficaz.

Laudo da reconstituição do relato de Agostinho José da Costa

No dia seguinte à reconstituição, 28 de julho de 1993, uma nova testemunha prestou depoimento no inquérito de Éder Mauro: o cabo do exército Antônio Delmiro, que participou das buscas por Jaenes e estava próximo do local onde o corpo do menino foi encontrado.

Delmiro relatou que, em 02 de outubro de 1992, um dia após o desaparecimento do garoto, ele vasculhava diversos pontos da Transamazônica quando encontrou Agostinho. Os dois começaram a conversar sobre Jaenes e o lavrador contou que no dia anterior tinha visto um homem saindo do mato com um facão, em atitude bastante suspeita. Ao notar a presença do idoso, o desconhecido passou a cortar alguns galhos de árvores, como se estivesse tentando disfarçar algo.

O cabo, então, pediu para que o idoso o levasse até o lugar onde aquilo tinha acontecido, o que foi feito. Lá, Delmiro notou os tais galhos, detalhe que corroborava com a história de Agostinho.

Apesar disso, o cabo não deu muita importância para o relato do lavrador, pois, segundo ele, procurava por uma criança e não por um homem. Porém, no dia das eleições, 03 de outubro, ele voltou à Transamazônica junto com alguns colegas para continuar com as buscas. Ao chegar no local apontado por Agostinho, ele determinou que a equipe realizasse um pente-fino por ali. Em determinado momento, alguns cachorros começaram a latir naquela direção e um homem gritou lá de dentro do mato: “está aqui, encontrei”. O cabo seguiu por cerca de 100 metros rumo ao local de onde o aviso tinha vindo e se deparou com o corpo do menino caído ao solo.

Durante o depoimento, Delmiro também esclareceu que já conhecia Agostinho há mais de 10 anos e o considerava uma pessoa lúcida e normal. Essa resposta do depoente, dada a uma pergunta do promotor Sérgio Tibúrcio dos Santos Silva, seria relevante no processo. Isso porque, futuramente, boa parte das tentativas das defesas em tentar desqualificar o lavrador teria a idade como principal fator.

Na época, Agostinho tinha 70 anos de idade. Por isso, os representantes dos suspeitos alegavam que a visão dele não seria confiável. Além disso, era de conhecimento público que o idoso já teria sofrido pelo menos dois episódios de AVC – o que, segundo a defesa, poderia comprometer permanentemente as percepções sensoriais.

Depoimento de Antônio Delmiro

Ainda que o lavrador fosse considerado a testemunha mais forte do processo, algumas estranhezas rondam o seu relato, assim como o de Delmiro. A demora para ambos aparecerem no processo, por exemplo, é uma delas. Afinal, se a história é verdadeira, por que eles levaram tanto tempo para contar tudo à polícia? Por que já não prestaram depoimento ao delegado da época, Brivaldo Pinto Soares Filho, o investigador que tinha Amailton como o principal suspeito? Por que Delmiro, no primeiro encontro com Agostinho, não entrou no matagal de onde o homem com o facão tinha saído?

Essas são perguntas que jamais foram esclarecidas, pois o lavrador já é falecido e Delmiro, apesar de ter sido procurado pelo podcast, nunca retornou o contato. Pessoas próximas informaram que ele não fala sobre o caso.

ÁLIBIS DE CÉSIO

No início de agosto de 1993, a investigação de Éder Mauro se encaminhava para o fim. Eis então que, anexado aos autos do processo, surgem declarações feitas em cartório de pessoas que nunca haviam se manifestado nos autos: cinco testemunhas que reforçam os álibis do médico Césio Flávio Caldas Brandão. Essas escrituras são datadas de 06 de agosto de 1993, mas só foram juntadas ao processo em 18 de outubro do mesmo ano.

O primeiro termo de declarações possui os relatos de Rita Evangelina Anchieta Pereira, Maria Suany Silva de Souza e Francinelia de Paula. Todas eram funcionárias do Centro Educacional Anchieta, escola em que Marcelo, um dos filhos de Césio, estudava. Na época, ele tinha cinco anos e estava no Jardim 2. 

As três explicaram que o médico era amigo de um homem chamado Paulo Eduardo Feitosa Pereira, que tinha uma filha de nove anos, estudante da mesma escola. As duas crianças, Marcelo e Magda, tinham horários parecidos e saíam da aula às 11h30.

O testemunho delas é importante porque confronta diretamente o depoimento de Agostinho, que afirmava ter visto Césio saindo do mato entre 11h30 e meio-dia de uma quinta-feira – dia primeiro de outubro de 1992.

As funcionárias alegavam que o médico e o amigo estabeleceram um acordo para buscar as crianças:

Os menores eram trazidos e levados da escola pelos seus pais, seguindo um revezamento na seguinte ordem: Segunda, quartas e sextas, pelo Dr. Paulo Eduardo Feitosa Pereira. Nas terças e quintas-feiras, pelo Dr. Césio Flávio Caldas Brandão, em cumprimento ao acordo feito com a direção do estabelecimento de ensino. Que, na semana letiva que antecedeu as eleições de 3 de Outubro de 1992, quem ficou encarregado de levar e trazer os menores foi o Dr. Césio Flávio Caldas Brandão, devido os afazeres políticos do Dr. Paulo Eduardo Feitosa Pereira, fato comunicado na época à direção do estabelecimento.

Paulo também dá declaração em cartório a favor de Césio, confirmando o testemunho das funcionárias. Ele ainda conta que, naquela eleição, concorreu ao cargo de vereador e acabou sendo eleito.

Escritura pública de Rita, Maria e Francinelia

Escritura pública de Paulo Eduardo Feitosa Pereira

A quinta testemunha que aparece para confirmar o álibi do médico é Gracinda Lima Magalhães. O relato dela é forte não apenas pelo conteúdo, mas também pelo prestígio que tinha na cidade: Gracinda era uma das figuras mais respeitadas do Movimento das Mulheres Trabalhadoras de Altamira, prestando assistência principalmente a pessoas que precisavam de atendimento médico.

Nas eleições de 1992, ela trabalhava na campanha para prefeito do candidato Domingos Juvenil, que não chegou a ser eleito no período. Na quarta-feira, 30 de setembro, Gracinda começou a sentir fadiga e mal-estar na região do útero. Por conta disso, não conseguiu comparecer ao comício de encerramento da campanha.

Na noite deste mesmo dia, ela foi à casa de Domingos para juntos assistirem ao horário eleitoral gratuito. Lá, percebeu que estava com hemorragia uterina e pediu para outras pessoas presentes que a levassem para casa. Tomou, então, remédios e fez compressas com a ajuda de vizinhas.

Na manhã de quinta-feira, Gracinda continuava se sentindo fraca e indisposta. Por isso, decidiu não ir ao comitê eleitoral, como sempre fazia, e preferiu atender algumas pessoas em casa. Mas o mal-estar não passava. Às 9h, a trabalhadora finalmente foi levada ao Hospital da Fundação Nacional da Saúde, onde Césio exercia a função de diretor.

No local, Gracinda pediu para ser atendida por uma médica com quem tinha amizade. Como ela não estava, solicitou a ajuda de Césio – que, naquele momento, encontrava-se ocupado, no meio de uma cirurgia. Por volta das 9h40, após cerca de 20 minutos de espera, o médico chegou e a paciente explicou a sua situação.

Césio, então, encaminhou Gracinda para a área de emergência, para que tomasse uma injeção. Como o setor estava congestionado, ela precisou aguardar aproximadamente meia hora para receber o medicamento. Enquanto isso, o médico atendia outros pacientes.

Ao terminar as consultas, Césio voltou a examinar Gracinda, que estava repousando, em observação. Ele passou bastante tempo com ela, explicando o diagnóstico. Por fim, às 11h30, o médico disse que já estava de saída e lhe receitou alguns medicamentos, além de cuidado e descanso.

Gracinda comentou que pretendia buscar os remédios na Secretaria de Estado da Saúde (Sespa), onde trabalhava, e o doutor Césio lhe ofereceu uma carona até lá. A paciente aceitou e saiu com o médico em um veículo Gol branco. De acordo com o relato, a testemunha foi deixada na Sespa pouco antes das 11h45.

Na declaração em cartório, Gracinda também afirma que já havia discutido publicamente com Césio durante reuniões no Conselho Municipal de Saúde, devido à atuação dela no grupo das mulheres. Apesar disso, e de não ter qualquer vínculo de amizade com ele, a servidora sempre o considerou um médico competente, atencioso e cordial.

Escritura pública de Gracinda Lima Magalhães

Por ser uma importante testemunha de defesa para Césio, Gracinda dá outros depoimentos no processo. Um deles, durante a fase de juízo, ocorre em 13 de dezembro de 1993 perante o juiz José Orlando de Paula Arrifano.

Na ocasião, ela foi questionada sobre o que sabia acerca do doutor Anísio Ferreira de Souza. A testemunha respondeu que, como membro do Movimento de Mulheres, muito tinha lutado contra a esterilização feminina no município, que teria Anísio como um dos médicos responsáveis – tema já aprofundado no episódio 09 do podcast.

Além disso, Gracinda também explicou que não fez nenhum registro no hospital e no Centro Regional de Saúde do atendimento que recebeu de Césio no dia primeiro de outubro. O motivo, segundo ela, era que tratava-se do seu local de trabalho e que só foi até lá para receber uma caixa de medicamento ministrado pelo médico.

Depoimento de Gracinda em juízo

O que se entende a partir dessa informação é o seguinte: Gracinda era uma servidora pública estadual, que atuava na área da saúde, bastante conhecida no meio médico. Devido a esse trânsito constante, uma consulta como a que teve com o doutor Césio teria sido conduzida quase que informalmente, sem necessidade de registro. Esse não seria o caminho ideal, mas também não é algo incomum ou difícil de acreditar.

Apesar dessa ausência, não há nos autos nenhuma acusação de que a testemunha estaria mentindo, ou uma denúncia de que ela faria parte da seita. A impressão é que, diante da reputação e prestígio de Gracinda, o Ministério Público sempre ignorou ou evitou abordar o relato dela.

Se, por um lado, Agostinho é uma testemunha forte na acusação contra Césio, para a defesa, o relato da servidora também é bastante crível. E, diferente do lavrador, que demorou meses para falar, Gracinda fez a declaração em cartório pouco tempo após a prisão de Césio, e sem Éder Mauro tê-la chamado. Não apenas isso: ela era uma figura respeitava, que criticava ambos os médicos suspeitos por motivos referentes à militância no grupo de mulheres – um dos movimentos sociais mais envolvidos na luta pela resolução dos crimes contra os meninos.

Justamente esse detalhe chama a atenção na história de Gracinda. Afinal, enquanto as famílias das vítimas acreditavam no andamento das investigações, a servidora seguiu para o lado da defesa. De acordo com a ativista Maria Ivonete Coutinho da Silva, mais conhecida como Professora Netinha, essa situação gerou um mal-estar entre as integrantes do grupo.

“Isso esfriou o movimento. Porque a gente queria justiça, mas não podia dizer que eram as pessoas… Fora o Amailton e os policiais. Esses sim estavam no âmbito de que poderiam ser. A prisão do Césio, para nós, foi uma surpresa, pois não havia indícios fortes sobre os quais poderíamos dizer: ‘está vendo? Ele foi pego em flagrante, aconteceu isso e aquilo’”, disse ela em entrevista ao Projeto Humanos.

Segundo a professora, Gracinda nunca teria falado diretamente com as mulheres do movimento sobre o álibi de Césio. “Ela não chegou a encarar a gente e dizer: ‘bora ver melhor [a situação] e tudo’. Não teve isso”, completou.

A ativista também fez questão de reiterar que ninguém do movimento se manifestou acerca do doutor Césio. “Nem a favor e nem contra. Se eu soubesse que o cara esquartejou os meus meninos, eu iria para o julgamento com raiva, com indignação. E nós não fomos para o júri do Césio com esse sentimento. Eu sempre pensei: ‘nós queremos justiça. Se é ele… Vocês estão dizendo que é ele [o culpado]’”.

Essa frase é sempre muito repetida por integrantes dos movimentos sociais da época: “nós só lutamos por justiça. Não fomos nós quem acusamos ou prendemos aquelas pessoas”.

A declaração mostra a credibilidade que a Polícia Federal (PF) tinha para os familiares das vítimas. Estranhamente, no entanto, não é isso que aparece nos autos ou em reportagens da imprensa. Esses documentos geralmente citam o delegado Éder Mauro como o responsável pela resolução do caso.

Para a pesquisadora Paula Mendes Lacerda, a complexidade dessa contradição envolve pelo menos dois pontos: uma certa “aura” sobre o delegado, hoje visto como um dos principais políticos do Pará, e o modo como as famílias foram tratadas pela PF.

“O fato de a Polícia Federal ser reconhecida como a grande transformação no processo e no rumo das investigações tem a ver precisamente com os agentes terem começado os trabalhos a partir da narrativa dos familiares. Então, foi o oposto ao que o delegado Brivaldo ou outras autoridades tinham feito. As famílias deixaram de ser antagonistas e suspeitas pela morte dos filhos e passaram a ser informantes”, afirmou a pesquisadora.

Como já mencionado anteriormente, pelos autos, não é possível saber exatamente o que a PF fez durante as investigações em Altamira no ano de 1993. No entanto, fica claro que as diligências conduzidas por Éder Mauro foram realizadas com base no trabalho dos agentes federais. O resultado disso tudo é uma confusão entre as versões das famílias, do processo e da imprensa. A realidade parece ser uma mistura dessas três fontes.

Aqui, vale apontar outro detalhe curioso sobre a reconstituição de Agostinho. O relatório elaborado pelo Comitê em Defesa da Vida das Crianças Altamirenses, de 1996, diz que a PF trabalhou no caso entre maio e junho de 1993. Esse é praticamente o único registro nos autos sobre o assunto – um relato considerado confiável, uma vez que foi produzido pelos familiares atendidos de perto pelos policiais federais.

Entretanto, o laudo de reconstituição de Agostinho, de 27 de julho de 1993, lista as pessoas que participaram do procedimento. Entre elas, quatro se destacam: Emanoel, Iracema, Edson e Cristo, todos agentes da Polícia Federal. Diferente da juíza, do delegado e do promotor, eles não têm o sobrenome citado no documento.

Isso é estranho. A investigação, nesse momento, era da Polícia Civil. Segundo as famílias, a PF só ficou em Altamira até junho. Por que, então, havia agentes federais na reconstituição? O que eles estavam fazendo lá? Ninguém explica. As defesas também nunca questionaram esse detalhe.

Reportagens da época afirmam que Agostinho estava sob proteção da Polícia Federal, o que seria uma justificativa. Ainda assim, isso não é explícito no processo.

A investigação de Éder Mauro terminou no início de agosto de 1993. O processo voltaria a avançar no mês seguinte, em 06 de setembro, quando o Ministério Público (MP) faz um aditamento à denúncia – que, originalmente, era apenas contra Amailton Madeira Gomes. O complemento foi resultado do trabalho da PF e do delegado.

Dos suspeitos apontados, Amailton estava preso desde novembro de 1992; enquanto Carlos Alberto, Anísio e Césio, haviam sido detidos em julho de 1993. Já José Amadeu Gomes permanecia em liberdade, assim como Valentina de Andrade, que sequer havia aparecido em Altamira para prestar esclarecimentos. O ex-PM Aldenor Ferreira Cardoso, como já mencionado, nunca foi encontrado.

Com o aditamento, inicia-se uma nova fase de juízo, em que os depoimentos contam com a presença dos advogados de defesa. É neste momento que Carlos Alberto muda o seu relato, gerando novas dúvidas em torno do caso, o que será tratado em detalhes no próximo episódio.