Extras Episódio 10

EDMILSON FRAZÃO
Edmilson da Silva Frazão é uma das testemunhas mais importantes no processo do caso dos meninos emasculados de Altamira. É ele quem coloca Valentina de Andrade de vez na história e, a partir daí, a tese de atuação de uma seita satânica na cidade torna-se uma certeza para a acusação.
O primeiro depoimento de Edmilson é datado de 16 de julho de 1993. Curiosamente, ele não é ouvido por Éder Mauro, encarregado das investigações no período, mas sim por outro delegado, chamado Jefferson José Gualberto Neves.
A data em que o relato da testemunha é coletado era próxima do encerramento do período das prisões temporárias, que devem durar no máximo 10 dias. Nesta época, estavam detidos temporariamente os seguintes suspeitos: o ex-policial militar Carlos Alberto dos Santos Lima e os médicos Césio Flávio Caldas Brandão e Anísio Ferreira de Souza. Já Amailton Madeira Gomes cumpria prisão preventiva desde novembro de 1992, totalizando quatro acusados atrás das grades.
Entretanto, a partir do depoimento de Edmilson, sete pessoas haviam se tornado suspeitas. Além dos já citados, estavam na mira da polícia o também ex-PM Aldenor Ferreira Cardoso, que nunca foi encontrado; José Amadeu Gomes, pai de Amailton; e, agora, Valentina de Andrade.
Por ora, já é possível adiantar que Amadeu nunca teve prisão decretada. Já para Valentina, isso só aconteceu em setembro de 1993. Contudo, como ela sequer estava no estado do Pará no período, jamais chegou a se apresentar para ser detida.
Voltando a julho daquele mesmo ano, no dia 17, a juíza Elisabete Pereira de Lima, designada especialmente para o processo, emitiu prisões preventivas para Carlos Alberto, Césio e Anísio. A magistrada entendia que, a partir dos testemunhos coletados por Éder Mauro, já haveria indícios suficientes para manter todos presos de forma indefinida.
Edmilson da Silva Frazão tinha 20 anos de idade quando falou com o delegado Jefferson Neves. Em uma narrativa longa e confusa, ele relata um evento ocorrido em novembro de 1990 envolvendo o seu pai, Porfírio Frazão Filho, e o irmão, Josadarc da Silva Frazão. Segundo ele, ambos andavam por uma estrada quando viram um homem sentado, mexendo em uma faca de cerca de 40 centímetros. Ao se deparar com aquela cena, Porfírio decidiu perguntar ao homem o que ele estava fazendo, e recebeu uma resposta grosseira: “não te interessa”. Com medo, pai e filho resolveram se afastar. Afinal, alguns casos de emasculação já tinham acontecido na cidade e eles ficaram receosos de que o desconhecido pudesse ter algo a ver com os crimes.
Edmilson ficou sabendo dessa história pelo seu pai e, dois dias depois, foi conversar com o delegado de Altamira na época, Francisco Edyr Silva, conhecido apenas como Edyr. Ao ouvir o relato, o investigador perguntou para o rapaz se ele gostaria de entrar na polícia para ajudar a solucionar o caso.
Esse convite pode parecer estranho nos dias de hoje. Naquele período, no entanto, não era algo incomum. Na verdade, a testemunha não estava sendo chamada para ser um policial de carreira, mas sim uma figura popularmente conhecida como “bate-pau” – um civil que tenta coletar nas ruas quaisquer informações que possam colaborar com investigações em andamento. O caso que Edmilson auxiliaria seria a dos emasculados, que naquela altura já contava com pelo menos três sobreviventes.
A sua primeira missão seria tentar localizar o homem que o seu pai tinha visto na beira da estrada. A ordem do delegado Edyr teria sido a seguinte: “se o vir, chame a polícia imediatamente”. Edmilson, então, decidiu ir até a casa de um menino que ele chama de primeira vítima. Ele não cita o nome da criança, mas é provável que tenha sido José Sidney ou o Segundo Sobrevivente – já que, na época, se acreditava que Sidney estava morto. Não é possível, porém, confirmar a identidade do garoto.
O rapaz conversou com os familiares da vítima e pegou uma descrição física de quem a teria atacado. Seria um homem parecido com aquele visto pelo seu pai na estrada: moreno, de cerca de 1,70 m de altura, com uma barba falsa.
Dias depois, Edmilson encontrou na cidade uma pessoa com essas mesmas características. Era um policial militar que ele conhecia, chamado A. Santos – o nome de guerra de Carlos Alberto. Na hora, o bate-pau foi até um bar próximo, pegou o telefone e chamou a polícia, que chegou minutos depois. Da viatura desceram quatro policiais e, entre eles, o próprio doutor Edyr. Contudo, a equipe não conseguiu localizar o homem apontado pela testemunha.
Uma situação semelhança aconteceu dali quatro dias, quando Edmilson viu Carlos Alberto novamente. Dessa vez, ele estaria próximo da miniclínica do doutor Anísio e parecia esperar por alguém. O bate-pau avisou os colegas policiais, mas o suspeito já não estava mais lá quando eles chegaram.
Eis que, no dia seguinte, algo estranho aconteceu. Edmilson foi até o posto de gasolina Serra Dourada para falar com a esposa, que trabalhava como doméstica ali perto. Ao olhar para a beira da estrada, ele notou a presença de um homem agachado com um revólver em mãos. Era A. Santos. O ajudante da polícia pegou uma bicicleta emprestada e correu até a delegacia para avisar os colegas.
Ele entrou em uma viatura com quatro policiais e, chegando no local, os agentes pediram para que Edmilson ficasse no carro. Apreensivo, o rapaz obedeceu a ordem e observou de longe a abordagem. Mesmo sem conseguir ouvi-los, ele notou que A. Santos não era questionado. Pelo contrário, parecia até que eles eram todos amigos.
Em certo momento, um dos policiais apontou para o carro e Carlos Alberto passou a olhar para Edmilson, tentando reconhecê-lo. A conversa teria sido longa e, ao final, os agentes voltaram para a viatura sem o suspeito.
No retorno para a delegacia, Edmilson perguntou por que não pegaram o rapaz para interrogá-lo. Um agente respondeu que não prenderiam o homem porque ele era um amigo e que também não fariam mais nada a respeito do caso, pois não ganhavam o suficiente para tal.
Após esse episódio, Edmilson foi informado pelo delegado Edyr que não deveria mais chamar a polícia se visse algo suspeito. Em vez disso, ele deveria agarrar a pessoa e levá-la até a delegacia.
O relato do bate-pau segue com a menção a um dos policiais com quem trabalhava, chamado apenas de “Polaco”. Segundo a testemunha, o colega teria largado a carreira para se tornar taxista, logo depois desses encontros com A. Santos. Edmilson também alegava que Polaco teria usado o seu veículo para cometer diversos crimes. E mais importante: ele acreditava que o ex-agente tinha recebido algum tipo de ajuda do grupo criminoso responsável pelas emasculações e, por isso, conseguiu melhorar de vida.
Na visão da testemunha, diante do que diz ter vivenciado, os agressores dos meninos seriam tão poderosos que tinham boa parte da polícia nas mãos. Edmilson acreditava que esse era o motivo pelo qual Carlos Alberto não havia sido preso já no fim de 1990, quando ele o identificou como suspeito.
Após narrar tudo isso ao delegado Jefferson, o informante dá um salto no tempo e passa a relatar acontecimentos do mês de novembro de 1991. Na ocasião, Edmilson trabalhava na marcenaria do pai em Altamira. Em certa ocasião, um policial civil chamado Santana, um conhecido da época de bate-pau, lhe visitou sob o pretexto de encomendar a confecção de uma mesa e quatro cadeiras. A testemunha disse que não poderia aceitar o pedido porque logo se mudaria para o município de Santarém, a cerca de 400 quilômetros de distância. Seu objetivo era tentar entrar no exército de lá por intermédio de um primo seu, que era sargento.
Nos dias que se seguiram, Edmilson notou que Santana sempre passava de viatura em frente à marcenaria, em baixíssima velocidade, como se estivesse de vigia.
Em 09 de novembro de 1991, ele e a esposa finalmente pegaram o ônibus em direção à Santarém. Na rodoviária, teriam sido vistos pelo policial Polaco, que estava em seu táxi. O casal seguiu viagem até a cidade de Uruará, onde tinha que descer e trocar de veículo para chegar ao destino final.
O coletivo chegou em Uruará por volta de meia-noite e meia. Por conta disso, os dois decidiram dormir nas proximidades de um posto de gasolina. Eles tinham que pegar o próximo ônibus para Santarém no dia seguinte, mas ele sequer passou por lá quando deveria. Já passava das 19h30 quando o casal viu uma viatura policial de Altamira se aproximando. Dentro dela, estava o policial Santana e outras três pessoas. Assustados, Edmilson e a esposa deixaram os pertences no posto e saíram à procura de um lugar para ficar.
Eles foram acolhidos por um homem que trabalhava em uma serraria. Enquanto isso, os policiais faziam buscas pela região em busca do casal. Em determinado momento, Edmilson decidiu voltar ao estabelecimento onde tinha deixado as bagagens, mas percebeu que os agentes haviam revirado tudo e colocado os pertences dentro da viatura.
Agora sem documentos e dinheiro, os dois passaram a noite na residência do trabalhador da serraria. Na manhã seguinte, eles perceberam a presença dos policiais e resolveram fugir pelos fundos da casa, onde havia uma área de campo. Ambos correram e foram perseguidos pelos ex-colegas de Edmilson, que dispararam diversos tiros contra a dupla. Por fim, o casal se embrenhou no mato e conseguiu despistá-los.
O relato chocante da testemunha não para por aí. Segundo ela, ambos ficaram escondidos nas matas de Uruará por três dias, bebendo água e se alimentando de uma fruta chamada Uxi. Eis que finalmente encontraram uma estrada que levava à residência de um casal de idosos, local onde foram bem atendidos e receberam comida.
A idosa, então, contou para os dois que chegou a conversar com o policial Santana. Ele teria lhe dito que, se Edmilson fosse encontrado, não retornaria à Altamira com vida. Diante disso, o casal resolveu seguir viagem para Santarém por meio de caronas, o que levou aproximadamente seis dias.
Esse evento, para Edmilson, era mais uma prova de que ele sabia demais sobre o caso dos emasculados e, por isso, queriam matá-lo.
Na sequência do depoimento, o ex-bate-pau conta que trabalhou em Santarém por cerca de três meses como roçador em fazendas. Em seguida, teria ido para Marabá, que fica do outro lado do estado do Pará, perto da divisa com Tocantins. Lá, ficou por cerca de um ano, quando decidiu retornar à Altamira no início de 1993.
Porém, no meio da viagem, a sua esposa deu à luz, o que forçou o casal a se estabelecer em Tucuruí, a 400 quilômetros de Altamira, por cerca de três meses. Assim, Edmilson e a família só voltaram ao município por volta de março ou abril de 1993.
DENÚNCIAS CONTRA ANÍSIO
Neste ponto do depoimento de Edmilson a Jefferson, o assunto passa a ser o doutor Anísio Ferreira de Souza – o que leva ao famoso relato da “missa negra”. A testemunha conta que, em 1991, em uma única oportunidade, foi chamado pelo médico para participar de um culto de espiritismo, que aconteceria naquela noite. O convite havia sido feito em um encontro ocasional entre os dois no posto Serra Dourada.
Edmilson aceitou a convocação e, por volta das 19h30, chegou à chácara de Anísio, onde o evento ocorreria. Ao entrar na sala da residência, ele notou que a iluminação era obtida através de três velas pretas. Uma delas estava sobre uma pequena mesa, junto com um livro fechado, que a testemunha não conseguiu identificar.
De acordo com ele, do culto participaram Anísio, a esposa, uma mulher paranaense e um homem chamado Antônio Paraná, além de outras pessoas que não conhecia. Todos usavam uma espécie de bata preta fechada, com mangas compridas, e que se estendia até os joelhos.
No início da reunião, a paranaense, que seria a líder do grupo, disse que tinha como objetivo fundar uma nova religião em Altamira e que, para isso, precisava de gente de confiança. Em seguida, Anísio tomou a palavra e convidou todos a orar para o “Deus das Trevas”. Foi neste momento que Edmilson, totalmente desconfortável, saiu da sala, junto com outra pessoa que não soube identificar.
Mais tarde, um amigo seu de nome Carlos lhe contou que, todas as vezes que uma criança desaparecia, um culto era realizado à noite em uma residência localizada na Avenida João Pessoa, próxima ao cais.
Ainda em relação à Anísio, Edmilson relatou uma situação vivenciada pelo irmão Ely da Silva Frazão. Em meados de 1992, o garoto sofreu uma lesão na perna e acabou sendo internado na clínica do médico. Três dias depois, o doutor teria segurado os testículos do menino e lhe dito: “rapaz, tu estás bom de ser capado para engordar”. Ao ouvir aquilo, Ely ficou assustado e tentou correr, mas Anísio o segurou e o convenceu a permanecer ali.
Em dado momento, porém, o garoto se aproveitou da desatenção do médico e fugiu da clínica. Assim que chegou em casa, contou tudo para a mãe, Raimunda da Silva Brandão. Ela mesma tinha ouvido falar em uma história contra Anísio, de uma conhecida chamada Creuza, que desistiu de se consultar com o ginecologista. Isso porque, ao entrar na sala dele, a paciente viu um vidro transparente com testículos dentro, em meio a um líquido. Aterrorizada, ela saiu de lá e nunca mais voltou à clínica.
Durante o depoimento, o delegado Jefferson também questionou Edmilson sobre Antônio Paraná. A testemunha respondeu que se tratava de um traficante de drogas que mantinha bom relacionamento com os policiais da delegacia local. O ex-bate-pau afirma que, em uma ocasião, Antônio chegou a denunciá-lo para Edyr, sob a alegação de que ele estaria rondando a sua casa de forma suspeita. Sob esse pretexto, Edmilson teria sido preso e só liberado horas depois, mediante pagamento de fiança.
Já sobre a conexão entre os suspeitos no caso dos emasculados, a testemunha lembrou que seu irmão mais velho, Damião da Silva Frazão, chegou a trabalhar como pedreiro e pintor na clínica de Anísio. Por isso, ele sabia que havia uma grande amizade entre o médico e o doutor Césio. Disse também que já tinha visto Amailton e Anísio juntos pelas ruas de Altamira, além de certa vez ter encontrado o ginecologista reunido em um bar à beira do cais com alguns policiais conhecidos: Santana, Polaco, Gilberto e MacGyver.
Primeiro depoimento de Edmilson da Silva Frazão
Transcrição do primeiro depoimento de Edmilson
Uma coisa importante a ser mencionada sobre o primeiro depoimento de Edmilson é que, como se vê, ele não cita o nome de Valentina de Andrade. Isso só viria a acontecer em um segundo relato, prestado desta vez ao delegado Éder Mauro em 28 de julho de 1993.
Com apenas duas páginas e meia, este novo testemunho é consideravelmente mais curto e é focado apenas no culto realizado na chácara do doutor Anísio. Aqui, ele dá mais detalhes sobre a tal reunião e finalmente reconhece Valentina por meio de uma reportagem da revista Veja, de julho de 1992 – período em que ela era suspeita no caso Leandro Bossi, em Guaratuba, no litoral do Paraná. Além disso, Edmilson também afirma que era para Carlos Alberto, chamado por ele de A. Santos, ter participado do culto.
Segundo depoimento de Edmilson
Diante de tudo isso, Edmilson aparece como a testemunha de ouro. Ele conecta a maioria dos suspeitos e alega ter presenciado um culto da seita que todos fariam parte. É um relato perfeito para a acusação. Perfeito até demais. Por isso, o ideal seria confrontá-lo com outros testemunhos, que pudessem confirmá-lo ou contrariá-lo.
O caminho lógico para a verificação dos fatos seria ouvir Antônio Paraná. No entanto, em julho de 1993, quando Edmilson fala com a polícia, o suposto traficante já estava morto. Quem, então, presta depoimento é a esposa dele, Vanda Lúcia de Silva Melo, em 28 de julho de 1993.
Ao delegado Éder Mauro, ela diz que o marido conhecia o doutor Anísio, porém nunca o viu ir na casa dele. Na verdade, o relato de Vanda é totalmente focado em histórias do médico. Afinal, ela chegou a trabalhar por um mês na miniclínica e tinha péssimas lembranças: desde o fato de não ter sido paga até relatos de maus-tratos e abusos.
Segundo o termo de declarações, tudo indica que o delegado não perguntou a ela sobre o culto na chácara ou se Antônio Paraná tinha qualquer vínculo com Edmilson Frazão; ou, ainda, se o falecido marido possuía algum tipo de acordo com policiais corruptos.
Além disso, nenhum dos agentes citados por Edmilson – Santana, Polaco, Gilberto e MacGyver – foram chamados para depor. Não há informações sobre o motivo dessa ausência no processo.
Depoimento de Vanda Lúcia de Silva Melo
Já o pai de Edmilson, Porfírio Frazão Filho, prestou depoimento no mesmo dia que Vanda. Neste relato, ele confirmou a história do homem estranho que teria visto na beira da estrada, e o fato de que o filho trabalhou para o delegado Edyr em algumas investigações. Reiterou também as perseguições e o atentado sofridos por ele.
Porfírio não falou nada, porém, sobre o rapaz auxiliar no caso dos emasculados. O que ele sabia era que Edmilson investigava a vida de Antônio Paraná. E, justamente pela polícia não ter feito nada em relação ao traficante, ele pediu para que o filho largasse aquele serviço.
Primeiro depoimento de Porfírio Frazão Filho
Ou seja, pelo menos de acordo com o pai, Edmilson chegou a ser perseguido e ameaçado em esquemas que envolviam corrupção policial. Mas isso talvez não teria nada a ver com o caso dos emasculados, mas sim com as atividades criminosas de Antônio Paraná.
Diante desta possibilidade, não seria possível que o ex-bate-pau inventasse uma história mirabolante contra os policiais para conseguir proteção? Nesta hipótese, o caminho que ele encontrou teria sido o de se apresentar como uma testemunha fundamental em um processo de bastante repercussão.
FASE DE JUÍZO
Na fase de juízo, um segundo testemunho de Porfírio aumenta essa suspeita. Datado de 30 de novembro de 1993, o relato dá mais detalhes sobre a relação entre Edmilson e Antônio Paraná.
Segundo Porfírio, o verdadeiro motivo que levou o filho a sair de Altamira não foi tentar carreira no exército, mas sim o medo do traficante.
Outra divergência entre os depoimentos está na história do homem visto com uma faca na beira da estrada. O ex-bate-pau dizia que o pai estava junto do irmão Josadarc quando isso aconteceu. No entanto, neste novo testemunho, Porfírio afirmou que o próprio Edmilson lhe fazia companhia na ocasião. Mais tarde, inclusive, o filho lhe contou que a pessoa que avistaram era o soldado A. Santos.
Depoimento de Porfírio em juízo
Como Josadarc nunca prestou depoimento no processo, a situação final é a seguinte: pai e filho contam histórias diferentes sobre o mesmo evento. São detalhes e contradições que tornam Edmilson uma testemunha complicada de se acreditar totalmente.
Além de Josadarc, outra pessoa citada jamais foi ouvida pela polícia: a mulher chamada Creuza, que teria visto um vidro com testículos na mesa do doutor Anísio. Não se sabe se o delegado Éder Mauro tentou localizá-la ou até mesmo se ela existe de fato. A mãe de Edmilson, amiga de Creuza, que poderia esclarecer essa situação, também não foi chamada para depor.
Edmilson da Silva Frazão deu um novo depoimento em 17 de maio de 1994, desta vez na fase de juízo. Agora, quase um ano depois do primeiro relato à polícia, ele modifica alguns detalhes da narrativa.
Anteriormente, ele ressaltou os seguintes fatos:
– Que havia trabalhado na investigação do caso dos meninos emasculados no fim de 1990, após seu pai ter visto Carlos Alberto na beira da estrada com um facão.
– Que ficou sabendo por meio de um amigo, jamais ouvido no processo, que toda vez que um garoto sumia na cidade, um culto era realizado.
– Que ele próprio havia sido convidado para o encontro da seita na chácara de Anísio em meados de 1991. Lá, encontrou Antônio Paraná, suspeito que ele investigava. Ou seja, pela lógica, se os rituais aconteciam após o desaparecimento de uma criança, duas vítimas se encaixariam nesta data: Ailton Fonseca do Nascimento, que sumiu em 05 de maio; e José Carlos Bezerra Gomes, que nunca mais foi visto pela família depois de agosto do mesmo ano.
– Por fim, Edmilson afirmou que, no fim de 1991, foi perseguido por policiais civis por conta do que ele sabia sobre Carlos Alberto.
Agora, no terceiro depoimento, a testemunha muda algumas das datas que havia citado. Primeiro, passa a dizer que o pai tinha visto Carlos Alberto na estrada em março de 1990, não mais em novembro.
Ao ser perguntado sobre o motivo que o levou a falar com o delegado Edyr após esse evento, Edmilson respondeu que dias antes havia ocorrido mais uma tentativa de homicídio contra um garoto, que sobreviveu.
Isso, contudo, não faz nenhum sentido na história dos casos. O primeiro sobrevivente foi atacado em agosto de 1989; o segundo em novembro do mesmo ano; e o terceiro em setembro de 1990. Ou seja, nenhuma criança teria sido vítima no período de tempo mencionado por Edmilson.
Neste novo relato, a testemunha também mudou a data do culto realizado na chácara de Anísio. Ele dizia agora que a reunião teria sido em 1989 ou 1990 – e não em 1991 como havia afirmado anteriormente.
Durante este depoimento, Edmilson foi ainda confrontado sobre a versão que seu pai deu da história do homem na beira da estrada. Mas ele reforçou que quem estava com Porfírio na ocasião era sim o seu irmão Josadarc.
Pela transcrição do relato, é bem claro o esforço dos advogados de defesa em mostrar que a narrativa da testemunha tinha muitos furos. Há um momento, por exemplo, que eles questionam por que o rapaz não procurou autoridades judiciárias para contar tudo o que sabia. Afinal, ele tinha várias informações importantes sobre a tal seita e a morte dos meninos. Mas Edmilson responde apenas que não achou necessário e se limitou a repassar ao delegado Edyr o que tinha descoberto. Essa declaração soou no mínimo estranha para os defensores.
Para além de tudo isso, há outra passagem no testemunho em que se descobre um fato curioso: Edmilson teve contato com os policiais federais que estiveram em Altamira entre maio e junho de 1993. Ele inclusive comenta que foram esses agentes que lhe apresentaram um xerox com a imagem de Valentina de Andrade. Isso significa que ele já sabia quem era a tal mulher paranaense do culto antes de falar com o delegado Jefferson ou com Éder Mauro.
Os advogados, então, lhe perguntaram por que ele esperou que lhe mostrassem uma foto de Valentina na revista Veja para só então identificá-la. A resposta da testemunha é confusa:
Respondeu que, perante as autoridades federais, chegou a dar características físicas de dona Valentina, as mesmas aqui descritas, porém acredita não terem sido consignadas. E quanto às fotografias referidas pelo doutor advogado, da Revista Veja, o mesmo tem a esclarecer que foram mostrados xerox de várias pessoas, entre homens e mulheres, e a testemunha identificou apenas uma como sendo Valentina.
Ou seja, se Edmilson já tinha dado as características físicas de Valentina antes mesmo de falar com a Polícia Civil, por que não a citou no primeiro depoimento ao delegado Jefferson? Infelizmente, no momento, não há respostas para essas indagações.
Outra contradição digna de nota é quando a testemunha afirma que desconhecia qualquer relação entre os médicos Césio e Anísio – diferente do que havia dito nos relatos anteriores, quando mencionou que o seu irmão Damião trabalhou como pedreiro na miniclínica.
Sobre Césio, a única coisa que Edmilson diz dessa vez é que ele não estava presente no culto na chácara de Anísio.
Neste ponto do depoimento, no entanto, surge uma informação nunca antes citada pela testemunha: a existência de um túnel secreto na miniclínica do doutor Anísio, que teria sido feito pelo próprio Damião antes dos crimes contra os meninos. Edmilson diz ainda que chegou a ver a tal estrutura e que provavelmente o seu irmão tinha fotos do local, pois tinha o hábito de registrar as obras das quais fazia parte.
Depoimento de Edmilson em juízo
Esse fato chamou tanto a atenção da acusação que a promotora presente, Eliete de Almeida de Souza, chegou a solicitar uma perícia na clínica, para que o túnel fosse encontrado. O procedimento foi realizado no dia primeiro de junho de 1994.
Mas, antes disso, o próprio Damião foi ouvido pelo juiz José Orlando de Paula Arrifano. Em depoimento, datado de 31 de maio de 1994, o jovem explicou que realmente trabalhou na reforma da clínica e ajudou a construir um “túnel”. Segundo ele, no entanto, não se tratava de uma passagem secreta, mas sim de uma galeria de esgoto.
A explicação de Damião foi constatada na perícia conduzida um dia depois de seu depoimento.
Laudo da perícia na clínica de Anísio
Por fim, o advogado de defesa de Anísio, Osvaldo Serrão, pergunta para Damião se Edmilson apresentava algum tipo de distúrbio emocional. A resposta é surpreendente:
Respondeu que sim, pois inclusive foi aconselhado pelo médico a seu pai que evitasse bater em Edmilson, pois o mesmo apresentava distúrbios mentais, ou seja, ele não é muito certo mesmo.
Apesar de Edmilson nunca ter sido avaliado por nenhum psiquiatra, esse trecho do depoimento de seu irmão passou a ser bastante usado pelas defesas dos acusados nos anos seguintes. Não é possível saber se ele condiz com a verdade. Mas o fato é que, ao comparar os três primeiros depoimentos de Edmilson, encontra-se várias peças que parecem mudar de figura ou simplesmente não se encaixar de forma clara. Boa parte dessas incoerências jamais foram levadas em consideração por promotores ou pelo delegado na época.
Depoimento de Damião da Silva Frazão
A produção do podcast tentou contato com o agora deputado federal Éder Mauro, com o promotor Sérgio Tibúrcio dos Santos Silva e com alguns policiais federais que participaram das investigações em 1993. Ninguém aceitou dar entrevista sobre o caso.
Antes de avançar, contudo, é preciso voltar um pouco no tempo, novamente para a fase de inquérito do delegado Éder Mauro. É nela que importantes testemunhas de defesa começam a aparecer. E este é o assunto do próximo episódio.